domingo, 18 de março de 2018

O primeiro ano do resto das nossas vidas __________ No moblidis


"14/03/2018.

Hoje completa um ano que um terremoto abalou as estruturas de nossas vidas, sacudiu o nosso chão, rachou as paredes e nos deixou sem teto.

Poderíamos chamar de tsunami, de furacão, mas enfim, uma tragédia chamada suicídio, que levou a vida de uma moça de 19 anos, nossa filha. E que nos obrigou a viver uma nova vida, uma vida que nunca pensaríamos um dia ter que viver.

Descobrimos que a dor de se perder um filho é imensurável e que dizer que um dia isso será superado e que o tempo cura tudo não é verdade.

Mas enfim, hoje refletimos sobre tudo que aconteceu, desde a hora que recebemos a notícia da  morte até este momento que eu Terezinha escrevo estas linhas em meu nome e em nome do Joseval.

Nestes últimos 365 dias, tivemos a certeza de que o amor é o único sentimento que permanecerá além da vida e que ele deverá sempre ser cultivado. Marina foi muito amada, mas infelizmente a depressão não a deixava ver o quanto, ela teve a certeza disso no seu último dia de vida quando voltou do coma, mas já era tarde.

Refletimos que  por mais que tenhamos feito todo o possível para ajudá-la, por mais que quiséssemos que ela estivesse aqui, não temos o controle da vida de ninguém e que ninguém é doente por que quer e nem sempre a cura chega.    

E que neste último ano,  envelhecemos muito, não só no aspecto físico mas em maturidade, e que nosso entendimento sobre vida e morte é bem diferente de uma ano atrás, a religiosidade e a fé também.

Descobrimos que amigos não sabem o que dizer e ao nos deixar sozinhos a amizade fica abalada e por mais que tentamos, não volta a ser a mesma.

E que pessoas que pareciam distantes, se aproximaram e que esse aconchego foi primordial para que nossa jornada se tornasse menos dolorida. E que pessoas que amamos, mesmo estando longe fisicamente, transmitem uma energia sem igual.

Descobrimos que só quem passa pelo mesmo sofrimento vai entender o seu, só quem sente a mesma dor vai compreender que o tempo pode passar, mas que a ferida está lá sempre aberta e não vai se sentir desconfortável se chorarmos e nem cobrar uma força que não temos.

Que a vida nos apresentou novos amigos que nunca gostaríamos de ter conhecido, pois infelizmente devido ao suicídio de nossos entes queridos nossa amizade está sendo construída.

Descobrimos que há profissionais de excelência que fazem toda a diferença, voluntários que se dispõe a ajudar, a ouvir, a acolher e há líderes religiosos que se calam e viram as costas para quem precisa de uma palavra de consolo.

E que precisamos de muitos profissionais da área da saúde mental, psiquiatras  e psicólogos especialista em depressão, suicídio e luto e principalmente de profissionais da área da saúde mais humanos.

Refletimos e chegamos a conclusão de que não somos obrigados a aturar pessoas que se acham imunes as mazelas da vida, que são insensíveis  e que podemos até ter laços de parentesco, laços comerciais, mas que são materialista e egoístas demais e que cortar esses laços foi preciso para manter a nossa sanidade.

Descobrimos que não somos guerreiros, somos sobreviventes em uma vida cheia de conflitos, mas que não escolhemos entrar nestes conflitos, fomos jogados neles e que apenas nos defendemos com as armas que nos foram dadas.

Descobrimos que o mais difícil de tudo é não ter a presença física de nossa filha, que sua ausência é sentida todos os dias mas que apesar de tudo que aconteceu nossa família permanece unida. Que as lindas lembranças que ela deixou  são muito mais importantes do que a forma como ela se foi e que o sorriso dela nos fará sempre lembrá-la com carinho e com muito amor e que ela viverá em nós, enquanto estivermos vivos. 

E com isso concluímos que o primeiro ano do restos de nossas vidas foi difícil e que os outros  continuarão a ser, mas que com a ajuda de muitos e tentando ajudar outros conseguiremos seguir em frente".





domingo, 4 de março de 2018

“Tentei me matar porque não via saída, mas hoje percebo que ela sempre existiu”

Uma adolescente de 16 anos fala sobre os motivos que a levaram a tentar tirar a própria vida aos 14 anos e conta como conseguiu superar a angústia que vivia

Ana* tinha 14 anos quando, numa noite, esperou a família dormir, foi ao armário da cozinha onde estavam guardados os remédios e tomou uma porção deles de uma única vez. Hoje, com 16 anos, ela conta o que a motivou a tentar tirar a própria vida e como conseguiu superar a angústia que vivia.


"Eu estudava em uma escola aqui do bairro desde criança. Tinha o mesmo grupo de amigos e a mesma vida desde sempre. Um dia, tive uma briga com uma das meninas, que também era minha vizinha do prédio. Acabou envolvendo nossas mães. A mãe dela veio aqui em casa, me xingou. A minha mãe, depois, foi lá brigar com a mãe dela. Ficou um clima horrível e eu não queria mais ser amiga desse grupo de meninas da escola. Não via mais sentido. A gente sempre brigava e eu ficava sem amigos. Ficava naquele mundinho do colégio pequeno, do meu bairro.

Aí eu tive a ideia de mudar de escola, para conhecer novas pessoas. Só que eu estava há tanto tempo naquele colégio, naquele mundo, que fiquei sem saber como lidar com o novo colégio, com as novas pessoas. Eu acho que não tinha maturidade suficiente e tal. Mas eu quis mudar e mudei. No primeiro dia de aula eu cheguei nervosa. O colégio era grande e o tratamento era muito diferente. Cheguei na sala e era um grupinho fechado, todo mundo se conhecia há muito tempo e eu não sabia o que fazer. Acabei ficando sozinha, isolada. Eu odiei. Fui tentando me enturmar, mas era difícil porque eu não tinha a intimidade que tinha com as outras amigas. Todos os meus amigos estavam no meu antigo colégio e eu estava sozinha, vendo todo mundo com amigos e eu não. Eu sempre falava no WhatsApp com as meninas do antigo colégio e elas falavam que lá estava super legal, que eu tinha que estar lá. E comecei a encher o saco da minha mãe para voltar para o outro colégio. Meus pais ficaram muito estressados e o estresse deles me estressou também.

No fim acabamos indo conversar no colégio aqui do bairro e minha mãe decidiu que eu ia ficar ali. Mas logo no primeiro dia de aula eu acordei e me vi na mesma situação de antes. E eu já estava me sentindo sufocada, desesperada e não quis ir. Minha mãe surtou, começou a gritar e disse que não tinha mais volta. Me fez levantar à força e eu fui. Chegando lá eu não conseguia prestar atenção na aula e vi que não fazia mais parte da vida daquelas amigas. Fiquei o dia todo só com um amigo. Tive certeza que não queria aquilo. Voltei para minha casa chorando e falei que eu não queria mais ficar naquele colégio. Mas minha mãe não quis me mudar outra vez. Me senti muito pressionada e entrei  em desespero. Não sabia o que fazer mais. Não via mais saída. Falei: Não tem outra opção. Eu não quero mais isso. Se for para viver assim eu não quero mais viver. Eu me vi numa situação sem caminho, sem outra opção e não sabia como lidar com aquilo. Eu achava que nunca ia passar.

Comecei, então, a usar meu celular para procurar os remédios que eu devia tomar. Comecei escrever umas cartinhas, uns poemas e deixei embaixo do meu travesseiro. Quando estava todo mundo dormindo, eu levantei, fui até a cozinha, peguei os remédios, tomei e dormi. Quando eu acordei, estavam me segurando no colo, desesperados e chorando. Me levaram até o hospital. Os funcionários olhavam para a minha cara, tipo pensando: "que menina louca". Porque é assim que o povo pensa. O povo sai julgando. Eu fiquei lá tomando soro, para hidratar. Eu já não estava sentindo mais nada. 

Meus pais decidiram me deixar voltar para o colégio novo e me colocaram na terapia. A primeira sessão foi muito ruim. Foi com a família inteira. Minha mãe chorava muito. Tava todo mundo num clima muito pesado, triste. Minha mãe contou o que aconteceu para a psicóloga e eu me senti culpada na hora, pensando no que eu tinha feito. Que eu tinha levado a desgraça para a minha família. Mas na segunda sessão eu já fui sozinha e a doutora foi falando os assuntos de psicóloga, sabe? E ajudando. Como eu não conhecia ela, eu me abria. E ela foi me ajudando aos poucos a cada vez mais me abrir com as pessoas. E foi melhorando a minha situação no colégio. As pessoas foram se aproximando mais.

A terapia foi me ajudando. A minha mãe foi prestando mais atenção em mim. Porque com tudo isso que estava acontecendo eu via minha mãe se afastando cada vez mais. Porque ela só ficava brava comigo porque ela estava nervosa e não sabia o que fazer. Eu me sentia sem ninguém. Meu pai já estava de saco cheio, minha irmã não sabia como ajudar. Eram várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Eu sempre brigava com a minha mãe. Eu não sabia como lidar com os meninos, me achava feia. Eu não sabia como lidar com nada.

Fui melhorando aos poucos. Fui conhecendo novas pessoas, minha autoestima melhorou. Hoje eu tenho muitos amigos, sei quem são meus amigos de verdade e dou graças a Deus de ter saído daquela escola, daquela vida. Depois meus pais ficaram sem dinheiro e eu tive que mudar para outro colégio mais barato. Eu chorei porque não queria. Só que dessa vez foi diferente. Foi muito mais fácil. Na segunda semana eu já estava fazendo amigos. Hoje eu já sei lidar com essa situação. Essa mudança foi super de boa, me adaptei rápido. Estava mais preparada, mais madura.

Vi a série 13 Reasons Why. Eu não me identifiquei porque eu não sofri bullying. Mas eu entendo a menina porque muitas coisas levaram ela a fazer aquilo. Ela se viu sem saída, como eu me vi também. Todo mundo achava horrores dela e ela não conversava com os pais sobre a situação. Ela ficava presa naquilo e se sentiu meio que sem opção. Eu soube do jogo Baleia Azul pelas notícias. Nunca procurei saber porque acho que quando você vai atrás dessas coisas só atrai energia negativa. Mas uma amiga minha do colégio disse que no prédio dela tem uma amiga que recebeu uma mensagem dos caras do jogo, falando que ela foi convocada para jogar e que se ela não jogasse iam matar os pais dela. Mandaram a localização do prédio dela e tudo. Ela ficou assustada. Falou para a mãe dela e bloqueou o cara que mandou a mensagem. Se fosse eu, hoje em dia eu teria falado para a minha mãe e ido na polícia. Não sei em épocas passadas o que eu faria, porque eu estava mal com a situação.

Hoje, se um amigo meu me falasse que pretende se matar eu diria para ele não fazer isso. Contaria a minha experiência, que foi péssima. E diria que tudo o que ele está passando é passageiro. Isso não vai ficar para a vida inteira e que ele tem muita coisa para viver ainda. Diria para ele conversar com os pais dele, mesmo sabendo que adolescente tem cabeça no mundo da lua e que ele não ia falar para os pais. Acho que eu mesma ia arrumar um jeito de ligar para os pais dele e falaria: "olha, seu filho está com tal pensamento e acho que você devia conversar com ele. Ele está passando por um momento complicado. E você, como pai, não tem que criticá-lo. Tem que chamar, conversar e ver o que pode ser feito". Acho que eu faria isso. Porque não tem necessidade disso. Agora eu olho para o que aconteceu e falo: para quê? Mas eu sei que era porque eu me via sem saída. Hoje sou muito feliz com a minha vida.