quarta-feira, 30 de setembro de 2015

"Que muitas vezes as simples manifestações de tristeza sejam entendidas (e medicadas) como depressões graves só faz confirmar essa ideia. A tristeza, os desânimos, as simples manifestações da dor de viver parecem intoleráveis em uma sociedade que aposta na euforia como valor agregado a todos os pequenos bens em oferta no mercado.
Do direito à saúde e à alegria passamos à obrigação de ser felizes, 
escreve Daniele Silvestre".

- Maria Rita Kehl em "O tempo e o cão - a atualidade das depressões" (p. 31)  


O app que permite jovens deprimidos conversar com celebridades e amigos mortos

Por Seung Lee

"São quase três da manhã do Natal de 2013 quando uma jovem sul-coreana cujo usuário no Twitter é @jjong_gee manda uma mensagem para seu amigo, Junmyun, a fim de confessar um segredo. Ela está deprimida e precisa de apoio.

'Havia um homem chamado Osho que certa vez disse: Não seja sério demais, a vida é como uma imagem em movimento, respondeu Junmyun. Se você tratar o que vem até você como um jogo, a felicidade chegará. Quero ver você feliz.'

A garota tuítou um print da mensagem e lhe agradeceu pelas palavras gentis. Mas o amigo não estava preparado para responder. Junmyun é, na verdade, um robô programado dentro de um popular aplicativo de troca de mensagens coreano chamado Fake Talk.

[...] O aplicativo também se firma como o melhor sistema de apoio à adolescentes deprimidos e suicidas no país.

[...] Muitos têm usado o aplicativo para preencher o vazio em suas vidas. Uma usuária personalizou o avatar com uma foto de seu falecido namorado para continuar o romance encerrado de forma prematura. [...] 'Escrevo o que não disse a ele na época, e o que queria lhe dizer quando estava vivo'.

[...] Os adolescentes compõem de 70 a 80% da base de usuários.
Vivendo sob pressão severa para se darem bem na escola e estudando mais de 12 horas por dia, as crianças coreanas estão, segundo levantamentos recentes, entre as mais infelizes do mundo. [...]
Um estudo de 2014 mostrou que metade dos adolescentes coreanos tinha pensamentos suicidas.  De 2009 a 2014, 878 estudantes coreanos se suicidaram.  

  
Matéria completa no link: 



http://www1.folha.uol.com.br/vice/2015/07/1650800-o-app-que-permite-jovens-deprimidos-conversar-com-celebridades-e-amigos-mortos.shtml


domingo, 27 de setembro de 2015

Este é um filme baseado na história verídica de um jovem homossexual, que aos 20 anos suicida-se.A sua mãe, "Mary Griffith", interpretada por Sigourney Weaver, sabedora da sexualidade do filho acredita "curar" o filho com base na religião e terapias, para quatro anos depois (1979) Bobby lançar-se de uma ponte. Um filme intenso, dramático, e que espelha ainda hoje a realidade de muitos jovens no mundo.

https://www.youtube.com/watch?v=qprpqnqVVuY

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Suicídio e preconceito: Mais de 40% das trans nos EUA já tentaram o suicídio

Sufocados pelo desespero causado pela exclusão, transgêneros nos EUA vivem à margem de uma sociedade que vem tratando com glamour um tema que não superou estatísticas de incivilidade.

Mais de 40% dos estimados 700 mil transgêneros que vivem no país já tentaram se matar, ante 1,6% da média da população. Enquanto 0,6% dos americanos são HIV positivo, 3% dos transgêneros têm a doença. Negros e latinos têm índices maiores: 25% e 11%, respectivamente.

Os dados compõem a maior pesquisa sobre transgêneros nos EUA até hoje, feita em 2011 pelo Centro Nacional pela Igualdade de Transgêneros com 6.400 pessoas.

Não raro relegados a submundos como o da prostituição, criminalizada no país, transgêneros relatam casos de abuso sexual e assédio moral mesmo sob a tutela do Estado, dentro de prisões.

No último ano e meio, figuras conhecidas no país revelaram ser transgêneras e reforçaram a luta por inclusão.

Em abril, Bruce Jenner anunciava que o homem que conquistara o ouro no decatlo na Olimpíada de 1976 e aparecia na TV como padrasto da celebridade Kim Kardashian era, no íntimo, uma mulher. Aos 65 anos, Jenner passava a se chamar Caitlyn.

Em 2014 fora a vez da atriz Laverne Cox, 31. Cox relatou à revista "Time" ter sofrido discriminação na infância, no Alabama. Tentou o suicídio, foi para Nova York e trabalhou como garçom até a carreira de atriz deslanchar com a série "Orange Is the New Black".

Mas a espetacularização incomoda ativistas marginalizados, sem acesso a tratamentos que façam a transição mais palatável à sociedade.

No Estado da Virgínia, em julho, um juiz rejeitou a argumentação da defesa de um garoto transgênero que processa sua escola por impedi-lo de usar o banheiro masculino e afirmou que transgêneros têm "distúrbio mental".

A opinião encontra eco entre psiquiatras como Paul McHugh, da Universidade Johns Hopkins. Para ele, oferecer tratamento hormonal e cirurgias a um transgênero "equivale a lipoaspiração em uma pessoa anoréxica". Não se ataca a causa dessa "confusão mental", alega, senão com terapia ou medicações.

Para o Centro Nacional pela Igualdade de Transgêneros, não se identificar com o sexo de nascimento não é doença mental. A organização diz que pode haver razões genéticas e/ou psicológicas.

'ESTRANGÊNEROS'

Para a comunidade transgênera, Nova York é um porto seguro, com seus centros de assistência e ativismo organizado. Em 9 de agosto, um encontro do GIP (Projeto de Identidade de Gênero, em inglês) na praia de Coney Island reuniu cerca de cem pessoas.

A Folha ouviu de diferentes participantes relatos de alívio, mas constatou a melancolia do rompimento com o passado e a vergonha de um status mal compreendido.

Julisa Morales, 34, nasceu no Brasil e foi para os EUA aos 4. Divide intimidades eróticas sem inibição. Seu único tabu é o nome de batismo: "Aquela pessoa não existe mais".

"Eu era infeliz. Um menino gay, feminilizado, que só gostava de dançar", conta. Queria um corpo igual ao da ex-globeleza Valéria Valenssa.

Saiu de casa aos 17, passou a tomar hormônios e se prostituiu. Com o dinheiro, fez cirurgias. "Queria ser uma mulher gostosa, como brasileiro gosta. Nasci num corpo que tem os dois lados e acho que sou abençoada por isso. Tem gente que gosta de nós, sabe?"

A argentina Cecilia Gentili, 43, deixou Rosario para viver como mulher na praia de Camboriú (SC), onde se prostituía. Expulsa do Brasil por falta de documentos, voltou para a Argentina e regrediu na transição. "A tristeza era coberta pelas drogas."

Anos mais tarde, em Nova York, foi presa por não ter visto. No limbo entre as celas de mulher e de homem, foi liberada com uma tornozeleira eletrônica, afirma. Decidiu se cuidar. Fez tratamentos e obteve asilo político nos EUA.

A mexicana Karin Cruz, 33, flertava à distância com um homem quando foi abordada pela Folha. A repórter sugeriu conversarem mais tarde, mas Karin desistiu da paquera. "E se ele se decepcionar?"

Magra, cabelo liso e longo, de gestual delicado, ela diz ser agredida frequentemente por homens quando percebem que é transgênera. Agressão que começou em casa. "Meu pai é homofóbico. Não nos falamos mais."

Violentada por um ex-namorado, a peruana Maia Wong (não revela a idade) fugiu de seu país. Obteve asilo dos EUA, mas continuou sofrendo abusos em Nova York.

Maia diz ter sido agredida por policiais que achavam que era prostituta. Foi vítima de tentativa de estupro e sofreu ameaças de morte de outro ex. "Ponho muitos muros em volta de mim, porque sou uma sobrevivente", define.

Matéria publicada pela Folha de São Paulo em 20/09/2015

Imagem do filme "Orações para Bobby" 

domingo, 20 de setembro de 2015

Como parar de pensar em suicídio

Quando o desespero, isolamento e dor parecem muito grandes para suportar, o suicídio pode parecer a única forma de se libertar. Pode ser difícil de ver, mas há opções para lhe trazer alívio e mantê-lo vivo para voltar a sentir alegria, amor e liberdade novamente. Ao manter-se seguro e criando um plano para enfrentar e explorar as razões por que isso está acontecendo, você pode tomar medidas para se sentir melhor.

1) Mantenha-se Seguro
Dê tempo para si mesmo. Faça uma promessa a si mesmo que você não irá cometer suicídio por pelo menos 48 horas. Por mais difícil que possa ser, adie seus planos por 2 dias para poder descansar e pensar sobre as coisas. Nesse momento o suicídio pode parecer a única opção, mas as circunstâncias podem mudar rapidamente. Você pode encontrar mais alguma coisa que possa lhe trazer alívio durante esses 2 dias.
Tente ver suas emoções e ações de formas separadas. A dor pode se sentir tão grande que distorce seus pensamentos e comportamento. Mas pensar em suicídio não é a mesma coisa que realmente fazê-lo. Você ainda tem o poder de fazer uma escolha contra o suicídio.
Talvez não consiga ver as coisas de outra forma, mas você pode prever o que acontecerá amanhã. Deve ter outras opções que você não consegue ver claramente por causa da dor que está sentindo. Amanhã sua mente poderá estar um pouco mais leve e você talvez possa ser capaz de encontrar uma boa razão para viver.
Pensamentos suicidas são muitas vezes causados por situações que podem mudar. Não importa o quão preso possa estar se sentindo, ou o quão impossível às coisas pareçam, as circunstâncias não serão assim para sempre. O suicídio é uma solução permanente para um problema temporário e nas próximas 48 horas a melhor opção pode aparecer

2) Não tente lidar com isso sozinho. Uma das melhores maneiras de aliviar um pouco do estresse e da dor que se acumulou dentro de você é se abrindo com alguém. Chame alguém de confiança e fale durante o tempo que precisar. Se quiser, peça a essa pessoa para vir ficar com você até que esteja preparado para ficar sozinho novamente. Fale o quanto quiser sobre como está se sentindo, não tente guardar nada. Ligue para o CVV - 141. 

3) Perceba que as pessoas passam por isso. Quando seu cérebro estiver em modo de crise e você não conseguir parar de pensar em suicídio, lembre-se que você nem sempre se sentiu assim e não se sentirá assim para sempre. Muitas pessoas já se sentiram tão mal quanto você e viveram para contar a história. Muitas pessoas já tiveram pensamentos suicidas e encontraram maneiras de lidar com elas. Você pode conseguir isso também.

4) Não se critique por ter pensamentos suicidas. A culpa por ter esses pensamentos não é sua. Não há nada para se envergonhar ou se sentir culpado, e isso não faz de você uma pessoa ruim ou fraca. Você provavelmente está carregando um fardo muito maior do que a maioria das pessoas está carregando e, para que possa se sentir melhor, você precisa ser gentil consigo mesmo. Se Culpar e sentir vergonha são sentimentos negativos que complicam ainda mais pensamentos pesados, fazendo com que seja muito mais difícil de encontrar uma maneira segura de se livrar deles.
  • Tente pensar em si mesmo como outra pessoa, alguém que você ama. Se alguém muito querido estivesse com pensamentos suicidas, como você o trataria? Você o trataria com bondade e preocupação. Você faria qualquer coisa para impedi-la de cometer suicídio. Mas nesse caso você é a pessoa que precisa de ajuda e merece ser tratado com o mesmo carinho e amor que daria a alguém.
  • Existem alguns mitos sobre o suicídio que podem deixar as pessoas com pensamentos suicidas se sentindo pior ainda. É um mito que o sentimento suicida é egoísta e que as pessoas que cometem suicídio fazem isso sem se preocupar com as outras pessoas. Conhecer esses mitos e saber separá-los da realidade pode ajudá-lo a ser mais gentil consigo mesmo quando estiver se sentindo assim.
5) Passe tempo com pessoas que não sejam críticas. Seu sistema de apoio é muito importante quando se está lidando com pensamentos suicidas. Você precisa de pessoas que podem ouvi-lo sem julgá-lo e que não tentarão dar conselhos que podem magoar mais do que ajudar. Pessoas bem intencionadas muitas vezes dizem coisas como 'isso não é uma boa razão para ser suicida' ou 'sua vida é boa por que você está tão triste?'. Ouvir esse tipo de coisa pode fazer você se sentir culpado por ter esses pensamentos e isso é a última coisa de que precisa. É importante ter pessoas com quem você pode contar e que entendam que ser suicida não funciona dessa maneira - não é algo que pode simplesmente desligar.
  • Às vezes é mais difícil falar com pessoas mais chegadas do que falar com um terapeuta ou conselheiro. Você pode não querer preocupar sua família ou talvez ache que eles não conseguirão entender pelo que está passando. Conselheiros e terapeutas têm muita experiência em trabalhar com pessoas suicidas e eles podem ajudar você a encontrar ferramentas para lidar com esses pensamentos, sem julgá-lo ou adicionar mais sentimentos a misturar.
6) Pense no que você ama. Faça uma lista de tudo que o enche de bons sentimentos ou algo que associe com bondade e amor. Anote tudo que o ajudar a se lembrar por que você queria viver antes de se sentir suicida. Escreva os nomes das pessoas que ama, seus filmes, livros e música favoritos, assim como seus lugares, alimentos e experiências mais amados.
  • Também escreva o que ama sobre si mesmo. Anote as coisas de que se sente orgulhoso, como realizações, elogios que recebeu e traços favoritos de sua personalidade.
  • Escreva as coisas que deseja fazer no futuro. Anote os planos que você fez, experiências que sempre quis ter, pessoas que deseja conhecer melhor, lugares que quer visitar.
7) Faça uma lista de boas distrações. Outra coisa que ajuda as pessoas que se sentem suicida é ter distrações que ajudam a dar à mente um descanso. Existe algo que fez no passado para se sentir melhor? Qualquer coisa que dê alívio a sua dor e ajude a remover os pensamentos de suicídio é uma boa distração. Aqui estão algumas coisas que ajudaram outras pessoas:
  • Chamar um amigo para conversar
  • Comer sua refeição preferida
  • Passar tempo com seu animal de estimação
  • Escrever, pintar ou fazer música
  • Ir ao cinema
  • Assistir uma maratona de seu programa de TV favorito
  • Comer uma sobremesa deliciosa
  • Fazer uma viagem com os amigos
  • Fazer uma longa caminhada ou corrida
  • Passar tempo na natureza
  • Jogos videogame
  • Ser voluntário na comunidade
  • Assistir vídeos engraçados na internet
8) Escreva os nomes das pessoas que você pode chamar. É bom ter uma lista de nomes e números de telefone das pessoas que terão tempo para falar com você sempre que puderem. Escreva o nome das pessoas que ama e confia. Anote pelo menos 5 ou mais nomes, pois se alguém não puder falar, você poderá ligar para outra pessoa.
  • Inclua o nome e número de seu terapeuta e conselheiro de crise, caso se sinta confortável para ligar para eles.

9) Faça um plano de segurança para eliminar os pensamentos quando eles aparecerem. Este é um plano personalizado que você pode usar para parar de pensar em suicídio quando seus pensamentos forem demais para suportar. Quando se tem pensamentos suicidas, é difícil tomar decisões ou ter ideias, mas se você tiver um plano de segurança, tudo que precisará fazer é segui-lo. Complete todos os itens da lista até se sentir seguro novamente. Aqui está um exemplo de plano de segurança:
  • 1. Ler a lista de coisas que ama. Lembre-se de coisas que ajudaram a acabar com os pensamentos de suicídio no passado.
  • 2. Ler a lista de boas distrações. Tente fazer coisas que o fizeram se esquecer dos pensamentos suicidas antes.
  • 3. Ligar para alguém da lista de pessoas que você pode chamar. Continue ligando até encontrar alguém da lista que pode conversar com você pelo tempo que precisar.
  • 4. Adiar meu plano por 48 horas e deixar minha casa segura. Prometa não cometer suicídio sem antes pensar em todas as outras opções.
  • 5. Pedir para alguém vir ficar comigo. Se ninguém puder vir, vá para algum lugar onde se sinta seguro.
  • 6. Ir para o hospital. Dirija você mesmo ou peça para alguém leva-lo.
  • 7. Ligar para o 141 ou 190.
10) Encontre a raiz do problema
  • Certas circunstâncias podem fazer com que você se sinta impotente, isolado ou desgastado mental e fisicamente - sentimentos que muitas vezes levam a pensamentos suicidas. Você pode se sentir como se já cometeu muitos erros ou que pessoas demais já o magoaram e que você não quer mais viver. Mas, apesar de ser impossível ver isso agora, essas circunstâncias são temporárias. As coisas vão mudar e a vida vai ficar melhor novamente.


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Por que evitamos falar em suicídio?


Medo de contágio, sensação de culpa e ignorância criaram um nocivo tabu social. Chegou a hora de tratar o assunto como uma questão de saúde pública
ISABEL CLEMENTE E NELITO FERNANDES

Ignorado, por medo ou culpa, o suicídio permanece no limbo dos assuntos que o brasileiro evita. À sombra do silêncio, porém, as ocorrências aumentam em ritmo assustador. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que, em 15 anos, de 1990 a 2004, o número de casos saltou 59%, superando de longe o aumento do número de mortes no trânsito (17%) e até o de homicídios (55%). Segundo dados do Ministério da Saúde, é um problema crescente entre jovens de ambos os sexos, de escolaridade diversa e de todas as camadas sociais. Na faixa etária de 15 a 25 anos, é a quinta causa de morte. Pelo menos 8 mil brasileiros se mataram em 2004. Para cada suicídio, a Organização Mundial da Saúde estima que outras dez pessoas tentam se matar, sem sucesso. Sobreviver, nesses casos, pode deixar seqüelas profundas, como incapacitação física ou conseqüências psicológicas terríveis. Já as vidas que se encerram dessa forma deixam um legado de dor e danos sociais e financeiros.

É possível estancar essa face oculta da violência? "Suicídio é um problema de saúde pública que pode e deve ser combatido", diz o médico Carlos Felipe Almeida D'Oliveira, coordenador da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, do Ministério da Saúde. Ele está à frente de uma iniciativa inédita no país: um plano nacional para reverter a escalada dos suicídios e suas tentativas. Ainda em elaboração, o plano prevê várias linhas de ação, do treinamento dos profissionais da saúde a sugestões de intervenções arquitetônicas nos locais preferidos pelo suicidas, como pontes e vãos em shopping centers. Outra idéia é mobilizar a imprensa. Na visão do Ministério, ela vem erroneamente menosprezando o assunto, como se ele não existisse. "Não falar, não debater, não mostrar que esse é um problema de saúde pública só agrava o quadro", afirma D'Oliveira. "Falar abertamente tira a vergonha e a culpa."

No Brasil, a taxa de suicídios é de 4,5 casos por 100 mil habitantes. Ela pode ser considerada baixa para os padrões internacionais, de 16 óbitos por 100 mil habitantes. A média do país não chama a atenção, mas há regiões em que a incidência de comportamentos suicidas preocupa. No Rio Grande do Sul, o índice de suicídio entre a população masculina chega a 15,5 por 100 mil pessoas. Entre a população masculina idosa é ainda pior: são 30 casos por 100 mil habitantes. Só para comparar, a aids matou seis pessoas em cada 100 mil habitantes em 2005. 

Na cidade fluminense de Valença, a 160 quilômetros do Rio de Janeiro, casos recentes de suicídio deixaram a população assustada. Nas ruas, os moradores falam em até oito mortes nos últimos 40 dias. A Prefeitura reconhece duas, número que é confirmado pela Polícia Civil, mas o Ministério da Saúde já sugeriu um estudo epidemiológico na região. "O que mais se ouvia, no passado, era 'fulano só está fazendo isso para chamar a atenção'", diz D'Oliveira, sobre os sinais emitidos por potenciais suicidas antes de cometer o ato. "É verdade, ninguém se mata se não estiver sofrendo. Se a pessoa tenta chamar a atenção, e não a recebe, o risco de ela se matar aumenta." Às vezes, as ameaças são para valer.

Foi esse o caso de um dos suicidas de Valença. "Mãe, eu fui porque não agüento mais tudo." A frase é uma das poucas que se pode compreender da caligrafia nervosa de Sebastião Edson, o Dinho, de 24 anos, filho da dona de casa Jânia Maria de Fátima. Com lágrimas nos olhos, a mãe passa as mãos sobre o caderno e mira a janela como se buscasse a resposta para a pergunta que a atormenta há dois meses: por que Dinho se matou? A 1 quilômetro dali, outra família sofre o mesmo drama. Por que Paulinho, de 17 anos, escolheu a morte? "Dezessete anos e desistir de viver? Ele não conhecia nada. Não consigo entender", diz a tia do rapaz, Edna Lopes.

Paulo Ricardo Lopes, o Paulinho, estudava na mesma escola na qual Sebastião Edson, o Dinho, era inspetor de alunos. Paulinho se matou dois dias antes de Dinho. Os dois se conheciam, mas não eram amigos íntimos. Dinho resolveu se matar depois de descobrir que fora traído por sua namorada. Paulinho suicidou-se após tentar reatar o relacionamento com sua primeira namorada. Ambos eram populares na cidade e são descritos como pessoas felizes pelos amigos e familiares.

Dinho era alto, forte, campeão de capoeira. Fazia natação e jiu-jítsu. Estava organizando um campeonato de capoeira na cidade. Seu padrasto, Mestre Cid, figura conhecida em Valença por causa das escolinhas de capoeira, diz que o enteado tinha "uma penca de mulheres atrás dele". Há quatro anos, ele mantinha um relacionamento instável com uma moça da cidade. O relacionamento era conturbado. Por causa da mulher, Dinho havia simulado o suicídio duas vezes. Numa delas, comeu pó de café e disse ter ingerido um veneno conhecido como chumbinho. Em outra, simulou ter cortado os pulsos. Na terceira vez, ele não estava fingindo. Um dia antes de seu suicídio, um amigo mostrou a ele uma foto da namorada abraçada com outro homem. Os dois discutiram, a moça negou que o houvesse traído e ainda avisou a família que Dinho estava falando em se matar. O padrasto deu uma bronca no rapaz. Na manhã seguinte, chegou à casa a notícia de que um homem cometera suicídio e estava pendurado numa árvore perto dali. "Quando cheguei lá, vi que era ele. Dinho usou a corda da capoeira para se enforcar", diz Jânia. Ela acredita que seu filho estivesse tentando apenas dar mais um de seus sustos na família, mas calculou mal e acabou morrendo. 

A tia de Paulinho pensa o mesmo sobre o suicídio do sobrinho. Para ela, o garoto queria apenas chamar a atenção. O rapaz fazia parte de um grupo popular de hip-hop na cidade e era bastante querido. Edna diz que ele também era muito procurado pelas garotas do local, mas tinha fixação em sua primeira namorada. Um dia antes de se matar, Paulinho pediu à tia que fizesse estrogonofe, seu prato predileto. Ela respondeu que faria no dia seguinte, mas ele insistiu. "Ele me disse: amanhã não vai dar", diz Edna. O rapaz faltou à aula no dia de sua morte, tomou um banho demorado e foi até a casa da namorada tentar reatar o namoro, que acabara havia três meses. Quando chegou lá, viu a ex com um novo namorado. Ele entrou no porão da casa da garota, pegou uma corda e saiu dizendo que iria provar seu amor. O rapaz se enforcou em uma árvore, exatamente como Dinho faria dois dias depois.

Além da frustração amorosa, outra possível razão para o suicídio de Paulinho é o fato de ter sido abandonado pela mãe, aos 3 meses de idade. O pai morreu quando o garoto tinha 6 anos, num acidente de carro. O menino foi morar com os tios e nunca mais viu a mãe. "Ele se perguntava por que a mãe, sabendo que ele existia, nunca apareceu aqui", diz a tia.

A estratégia nacional de prevenção ao suicídio foi lançada no segundo semestre do ano passado, durante o primeiro seminário nacional sobre o assunto, realizado em Porto Alegre. A ação conta com a ajuda de especialistas, universidades e do Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade pioneira na prevenção de suicídios no Brasil. Inaugurado há 45 anos, o CVV existe graças ao trabalho de 2.500 voluntários que se identificam apenas pelo primeiro nome. Eles se revezam em plantões de quatro horas semanais para atender, pelo telefone 141, 1 milhão de chamadas por ano. É uma ligação a cada 35 segundos. "Aqui, a única coisa que importa é que a pessoa ligou para desabafar e foi ouvida. São pessoas angustiadas, deprimidas, solitárias, que precisam de alguém para ouvi-las", diz Antonio, empresário que há dez anos dirige a entidade. Para ampliar os atendimentos e dialogar com jovens, o CVV está agora usando a internet.

Os números do Centro de Valorização da Vida mostram a carência de um atendimento público apropriado. Registros na literatura internacional mostram que 40% dos suicidas procuraram algum serviço de saúde na semana anterior à morte. Para atender à demanda que o Brasil oculta, o Ministério da Saúde resolveu adotar uma estratégia que inclui até marca própria, Amigos da Vida. Ela prevê medidas como treinamento dos profissionais da área de saúde para identificar grupos vulneráveis. Hoje, sabe-se que idosos, usuários de drogas e álcool e pessoas que sofrem de esquizofrenia e depressão aparecem em maior número nas estatísticas de suicídio. Mas os mecanismos que levam um indivíduo a acabar com a própria vida são variados e de difícil compreensão.

A mensagem que o Ministério da Saúde quer passar com toda essa campanha é que, seja qual for o motivo, o suicídio é um fenômeno crescente na sociedade desenvolvida, mas pode ser evitado.

Nesse sentido, alguns países têm adotado ações simples. Na semana passada, as autoridades sanitárias americanas determinaram que os antidepressivos tragam na embalagem um alerta sobre o risco de suicídio em consumidores entre 18 e 24 anos. Ainda não está claro se os remédios podem ser culpados por tentativas de se matar dos jovens. Mas análises estatísticas sugerem que a ocorrência de pensamentos suicidas e suicídio propriamente dito é ligeiramente mais elevada entre os jovens que tomam antidepressivos que entre os tratados com pílulas sem efeito terapêutico (placebo). É possível que a própria depressão e outras desordens psiquiátricas que acometem os consumidores dos remédios sejam a causa dos suicídios. Enquanto esse ponto não é esclarecido, a agência que regula medicamentos nos Estados Unidos - a Food and Drug Administration (FDA) - achou prudente exigir o alerta nos rótulos. No grupo de pacientes com mais de 65 anos, o efeito é oposto. Os estudos demonstram que o uso de antidepressivos reduz o risco de comportamento suicida.

Outra linha de ação que começa a ser adotada no Brasil está nos núcleos de apoio aos familiares. O ComViver é um projeto piloto no Rio de Janeiro, financiado pelo Ministério da Saúde. O trabalho começou há cinco meses e, durante esse período, 71 pessoas já foram atendidas. Duas psicólogas fazem o atendimento individual e em grupo dos familiares, chamados por elas de "sobreviventes". Os interessados recebem tratamento gratuito. Quando procuram a organização, são atendidos sozinhos. Depois, passam para a terapia em grupo. Hoje, oito parentes de suicidas estão sendo atendidos. "É importante o tratamento em grupo porque a maioria acha que isso só acontece com eles", diz Ana Maria Ferrara, uma das coordenadoras do ComViver.  

Ela afirma que é imprescindível levar a sério qualquer ameaça de suicídio. "Se uma pessoa está dizendo que quer se matar é porque está precisando de ajuda. É preciso ouvir e ajudá-la a resolver seus problemas." A psicóloga aconselha a impedir que o amigo ou parente tenha acesso a objetos e remédios comumente usados em tentativas de suicídio.

Isabel Quental, outra coordenadora do projeto, diz que as famílias de suicidas freqüentemente se sentem culpadas pela morte. "A família se envergonha e se recolhe, porque acredita que falhou em sua missão de cuidar dos seus." Segundo ela, o luto pelo suicídio é muito maior que o das outras mortes. Enquanto a recuperação pela perda de um parente dura de seis meses a um ano, em média, a dor pela morte por suicídio pode até mesmo atravessar gerações. "Já atendemos casos de pessoas que não se recuperaram de suicídios de parentes que aconteceram há dez anos." Às vezes, os parentes de suicidas ainda sofrem o estigma social. "Já tivemos relatos de mães que foram apontadas por pessoas que disseram: 'Aquela é a mãe do suicida'."
Isabel diz que o sentimento de culpa aumenta porque é muito freqüente um suicida repetir a ameaça várias vezes, sem concretizá-la. Ou fazer tentativas frustradas antes de consumar o ato. "Nesse período, é comum o familiar pensar que, se a pessoa morresse, seria melhor, porque se livraria de ter de cuidar do outro. Quando a morte vem, a culpa é enorme."

A falta de informações sobre o tema acaba contribuindo para que o suicídio seja tratado como um tabu e as famílias sejam vítimas de preconceito. "Quem, num momento de sofrimento, nunca pensou que seria melhor sumir?", diz Ana Maria. "É por isso que o suicídio assusta tanto, porque qualquer um de nós é tentado a cometê-lo." Ela afirma que os homens são as maiores vítimas do suicídio porque se sentem muito cobrados e têm mais dificuldade de compartilhar seus problemas. "O homem é mais inflexível diante do sofrimento. É muito mais exigido socialmente que ele seja forte. É difícil para um homem pedir ajuda." Dos oito pacientes que buscam apoio do ComViver, apenas dois são homens.

Parte do estigma que as famílias sofrem vem da crença de que os suicidas sempre dão sinais claros de suas pretensões e a família não dá atenção às pistas. Não é verdade. O projeto ComViver já atendeu, por exemplo, a mãe de um adolescente que se matou porque era cercado de cuidados demais. "Ele simplesmente não conseguia encontrar um espaço para ser ele mesmo. Isso prova que não existe um padrão para o suicídio, cada caso deve ser analisado separadamente", diz Ana Maria. 

Para ampliar o debate sobre o tema, o Ministério da Saúde prepara um guia para jornalistas, a fim de orientar sobre a melhor maneira de noticiar o assunto. A imprensa evita publicar suicídios temendo o que os especialistas chamam de "efeito Werther". O nome remete ao personagem de um livro de Goethe, publicado em 1774. As Desventuras do Jovem Werther relata a história de um jovem apaixonado por Charlotte, mulher casada e feliz. Werther, inconsolável, se mata. Historiadores relatam que o livro foi proibido em vários países por causa de uma súbita epidemia de suicídio entre jovens. O efeito contágio existe, diz o médico D'Oliveira, do Ministério da Saúde, sobretudo quando um astro pop ou um líder carismático tiram a própria vida. Os jovens são o grupo mais vulnerável e influenciável. Para sentir-se estimulado, basta saber o que aconteceu, não importa muito ler a respeito, segundo D'Oliveira.

O jornalista Arthur Dapieve decidiu investigar a relação da imprensa com o suicídio. Sua dissertação de mestrado, defendida na PUC-Rio, virou o recém-lançado livro Morreu na Contramão - O Suicídio Como Notícia. "Eu queria saber se era um medo inventado pela imprensa", diz Dapieve. "Em 2004, por exemplo, o jornal O Globo registrou apenas três casos de suicídio em todo o Estado do Rio. Houve muito mais que isso", afirma. "Mas a imprensa só reflete a sociedade à qual ela serve, e essa sociedade tem medo de tocar no assunto." Parte do silêncio se deve à crença de que o relato de casos pode ajudar a criar uma espécie de efeito Werther. Essa quase unanimidade está sendo rompida pela visão de que é melhor debater o problema que se esconder dele. O consenso que começa a se construir é que a sociedade não pode mais negar sua atenção ao suicídio.



quinta-feira, 10 de setembro de 2015


Fonte: Agridulce

6 SINAIS DE COMPORTAMENTO SUICIDA

1 – Frases de alarme
Existe um mito de que pessoas que falam em suicídio só o fazem para chamar a atenção e não pretendem, de fato, terminar com suas vidas. “Isso não é verdade, falar sobre isso pode ser um pedido de ajuda”, afirma Mônica Kother Macedo, psicanalista especializada em suicídio e professora da PUCRS. Adriana Rizzo, engenheira agrônoma voluntária da ONG Centro de Valorização da Vida (CVV) há 16 anos, já atendeu milhares de ligações de pessoas que pensavam em suicídio. Algumas das frases mais comuns ouvidas por ela foram “não aguento mais”, “eu queria sumir” e “eu quero morrer”. Então, se você ouvir um parente ou amigo falando algo do tipo, preste atenção.

2 – Mudanças inesperadas
Todo mundo passa por mudanças na vida, faz parte do pacote. Mas algumas mudanças podem ser traumáticas quando não estamos preparados para elas. Uma pessoa fragilizada por uma depressão ou outro problema psíquico dificilmente terá condições de encarar uma mudança inesperada, como perder um emprego que considerava muito importante. “Alguém tinha um hobby e abandona tudo, era super vaidoso e fica desinteressado. A mudança de comportamento é o momento em que a gente se aproxima da pessoa para saber o que está acontecendo, porque quem sabe dividindo ela vai entender que é só uma fase”, diz Macedo.

3 – Depressão e drogas
As estatísticas alertam: para cada suicídio, há entre 10 e 20 tentativas, ou seja, quem tentou suicídio está muito mais vulnerável. “Uma tentativa de suicídio é o maior preditor de nova tentativa e de suicídio”, diz o psiquiatra Humberto Correa da Silva Filho, vice-presidente da Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio.

Segundo alerta: quase 100% das pessoas que se suicidaram enfrentavam algum problema mental - a maioria depressão. Quem está sofrendo depressão ou outro transtorno devem receber maior atenção . E, se a pessoa consome álcool ou outras drogas, atenção redobrada. “O maior coeficiente de suicídio se dá por transtorno de humor associado ao uso de substâncias psicoativas, mais da metade dos casos de suicídio. Depressão e consumo de álcool e drogas é responsável pelo maior numero de mortes no mundo inteiro”, afirma o psiquiatra Jair Segal.

4 – Pode não ser só aborrescência
As taxas de suicídio dos jovens brasileiros aumentou mais de 30% nos últimos 10 anos, como explica nosso dossiê da edição de outubro. Mas, muitas vezes o comportamento errático atribuído como típico do adolescente pode ser um sinal de intenção de suicídio. “Existe uma falsa ideia de que a depressão atinge mais pessoas adultas. O adolescente apresenta outros sintomas, ele vai se trancar no quarto, não vai falar com ninguém, e isso vai ser entendido como fenômeno da adolescência normal, já que ele não consegue expressar seu sofrimento de uma forma clara”, explica Segal.

5 – Preto no branco
Somente 15% dos gravemente deprimidos vão se suicidar, mas a depressão severa continua sendo a maior causa do suicídio. Por isso, é preciso ficar atento quando a pessoa demonstra zero interesse na vida ou nos outros. “Para o deprimido, o mundo deixa de ser colorido, é preto e branco. Ele tem baixa autoestima, desinteresse por todos e fica muito voltado para ele mesmo”, explica o psiquiatra Aloysio Augusto d’Abreu. Quando em depressão severa, a pessoa se isola dos outros e não vê motivos para continuar viva. É um alerta de urgência.

6 – Bom demais para ser verdade
Um caso que marcou o psiquiatra d’Abreu foi o de um paciente muito deprimido que simulou uma melhora para passar o final de semana em casa e, lá, usar uma espingarda para se matar. A simulação de melhora é comum em diversos casos de suicídio, então, se uma pessoa que normalmente é deprimida parecer subitamente alegre, é importante acompanhá-la para garantir que ela não tentará o suicídio.

O que você pode fazer?
Segundo o psiquiatra da Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio Carlos Felipe Almeida D’Oliveira, o ideal é conversar com a pessoa e não deixá-la sozinha. Ao conversar, procure não falar muito e ouvir mais, já que muitas vezes a pessoa só precisa ser ouvida. “Se possível, acompanhe-a a um profissional de saúde e peça orientação”, diz. Outra medida é retirar acesso de ferramentas potencialmente destrutivas dentro de casa - como arma, remédios e substâncias tóxicas - para evitar o uso delas em um impulso.

Fonte: http://revistagalileu.globo.com/…/6-sinais-de-comportamento…


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O suicídio e sua interface com as questões de gênero


Este texto foi construído para a disciplina eletiva “Gênero e Sexualidades”, ministrada pela professora Cristiane Gonçalves, e foi incluído na pesquisa por trazer um viés a mais na discussão da atenção ao suicídio.

Ao escolher essa disciplina, meu interesse inicial era obter mais conhecimento sobre estas temáticas, já que durante a graduação em Psicologia não tive aulas que abordassem essas questões, tão essenciais quando se fala em ser humano ou saúde.   Embora no começo eu não tivesse identificado nenhuma relação da disciplina com a minha pesquisa, quando a professora Cristiane perguntou acerca disso, logo me lembrei de um aspecto do levantamento de dados do meu trabalho que havia chamado minha atenção: como estou investigando a demanda de casos de ideação suicida e tentativa de suicídio nos casos que chegaram ao serviço de Saúde Mental onde atuo, estudei os prontuários de usuários que tinham essa característica. E nos dados que coletei, boa parte dos homens trouxeram como uma das motivações para esse ato ou intenção de morte o fato de terem perdido o emprego ou estarem doentes, enquanto as mulheres justificavam seu sofrimento por terem perdido um ente querido ou ainda pelo fim de um relacionamento afetivo. Esse resultado parecia demonstrar qual seria o sentido da existência para algumas pessoas, aquilo que era identificado como significado de suas vidas, e que uma vez ausente, tiraria o sentido de viver. Para os homens, a questão de poder prover; para as mulheres, o sentido era ter um relacionamento, uma família. 

Ao longo das aulas, foi ficando mais claro que a questão de gênero tem uma forte marca cultural e social, que é construída. Talvez este aspecto não seja determinante dentro do contexto do suicídio, porém ele existe e deve ser considerado como significativo em alguns casos. A seguir, trago alguns recortes de casos que chegaram ao serviço. Observe que algumas vezes, há uma discrepância no que aparece como motivação para essa perda de sentido de vida e os motivos mais comuns, que elenquei acima: 

W., mulher de 62 anos. Após o falecimento do filho (há 24 anos), apresentou alteração de comportamento, agressividade, tentativas de suicídio.
M., homem de 58 anos. O filho de 16 anos suicidou-se por enforcamento há mais de um ano. M. refere insônia, isolamento e diz que já pensou em “se enforcar só um pouco, para entender o que o filho estava sentindo”. 

T., mulher de 62 anos. Diz que quando lembra do que sofreu (traição, violência doméstica), fica muito nervosa. “Penso em me jogar embaixo de um ônibus para acabar logo com isso”.

M, homem de 47 anos. Diz que trabalhava em um ambiente estressante, viu colegas de trabalho adoecerem e começou a sentir ansiedade, insônia, “vontade de ir embora”. Refere três tentativas de suicídio (com faca e medicamentos).

S, mulher de 35 anos. Refere ideação suicida. Relata falecimento da mãe em 2009 e suicídio do ex-marido em 2011, com veneno de rato. Ela chegou a testemunhar a morte dele, tentando socorrê-lo.

M., homem de 43 anos. Tentou suicídio cortando os pulsos, após fim de um relacionamento.  

W., homem de 49 anos. Divorciado, mora com a mãe e recebe auxílio-doença. Refere insônia, medo, angústia, sentimento de inutilidade, vontade de morrer. 

Fiz questão de colocar uma mulher que aponta seu fracasso profissional e um homem que fala sobre a perda de um filho como motivos para a ideação suicida, justamente para quebrar também qualquer ideia cristalizada de que somente os homens sofrem pelas questões profissionais e somente as mulheres adoecem por perdas de pessoas significativas. Mas reforço que é mais comum que cada um destes grupos aponte esses motivos para a ideação suicida ou tentativa de suicídio, talvez até porque se espera, socialmente, que estes sejam os fatores de maior sofrimento, causando uma perda de identidade. 

Lopes (2007) faz um estudo que procura problematizar as possíveis diferenças no discurso médico do século XIX sobre o suicídio cometido homens e mulheres, questionando as constituições das identidades consideradas próprias aos homens e às mulheres, estudando assim a diferença entre o que era considerado naquele momento como pertencente ao campo do “masculino” ou do “feminino”. Pela lógica da época, o casamento seria a realização definitiva e absoluta dos papéis sociais, sexuais e naturais destinados a homens e a mulheres. O homem, envolvido com as responsabilidades de chefe da família, marido e pai, não se entregaria tão facilmente ao suicídio por saber que sua família — mulher e filhos — dependia dele. Seus deveres como "pai" e "marido" apontavam na direção de ser responsável pelo sustento da família. A mulher, por sua vez, ocupando-se de suas tarefas de "esposa-dona-de-casa-mãe-de-família" se afastaria do suicídio para cumprir sua obrigação familiar. O homem, compreendido como um ser dominado pela razão teria a inteligência, ousadia e ímpeto como armadilhas contra sua própria vida - por estar constantemente envolvido em grandes trabalhos intelectuais, por concentrar toda sua força, inteligência, pensamento e energia em ocupações que lhe são "próprias", tornaria-se mais vulnerável ao suicídio. Por outro lado, as mulheres, dominadas pela emoção, não teriam a coragem e a força para o suicídio. Dessa forma, pode-se perceber uma tendência: a de pensar o suicídio como uma manifestação essencialmente masculina. 

O texto de Lopes dialoga com “A construção da diferença sexual na medicina” (RODEN, 2012). A autora afirma que a partir do Renascimento concebeu-se a noção de diferença entre sexos. “Em termos de estereótipos, os homens seriam sérios e pensativos e as mulheres, frívolas e emotivas” (p. 204). Interessante como a autora aponta que nesse modelo, os efeitos “inferiores” da sensibilidade, como melancolia, por exemplo, passam a ser vistos como característicos apenas de mulheres, ou no máximo, de homens “degenerados” ou “efeminados”. 

Acredito que parte dessa construção se mantém até hoje, pois a depressão e outros sofrimentos mentais ainda são vistos por uma parcela da sociedade como “frescura”, especialmente quando se trata de homens. Trabalhando na Saúde Mental, vejo como essas representações aparecem fortemente no discurso dos próprios usuários que procuram o serviço. Uma parte significativa das pessoas que procuram atendimento expressa em sua fala as críticas que recebem de conhecidos e familiares, que não compreendem seu sofrimento e parecem acreditar que basta “força de vontade” para que estes usuários consigam retomar sua vida. Ao fazerem isso, causam novo sofrimento à pessoa que sofre de depressão, ansiedade ou qualquer outro tipo de quadro; pois se agrava o adoecimento com uma culpa que a própria pessoa passa a sofrer por sentir que é responsável por não conseguir dar conta sozinha de seu sofrimento, sua angústia. Esta sensação pode contribuir para o desespero daquele que sofre, e a morte pode parecer ser a única solução para sair do sofrimento.

Trevisan e outros (2012) fizeram um estudo sobre o perfil de mulheres que tentaram suicídio e foram atendidas em um Centro de Intoxicações no Paraná. Em 2008, foram atendidos 444 casos de tentativa de suicídio, sendo que 308 (69,36%) eram mulheres. Os autores observaram 145 (61,4%) mulheres encontravam-se sem ocupação formal (estudantes, donas de casa e aposentadas) e diante disso, trouxeram a hipótese de que a dificuldade em conquistar um emprego, problemática comum aos jovens que estão tentando entrar no mercado de trabalho, poderia gerar um sentimento de incapacidade que levaria à tentativa de suicídio.  

Um exemplo disso pode ser o caso de M., mulher de 37 anos, que chega ao serviço referindo insônia, choro e ideação suicida. Durante a triagem, ela diz que sente muita frustração por não ter conseguido uma colocação em sua área. “Com o suicídio, eu resolveria o problema de muita gente, porque antigamente eu era o orgulho da minha mãe, por ter conseguido cursar Direito ... agora, sou uma fracassada.”

O alto número de casos evoluídos para a ‘cura’ (289 casos, ou seja, 96,33%) representou, para os autores, que as mulheres geralmente não desejam o suicídio no sentido de destruição, aniquilamento, mas como fuga, esquecimento, escapatória de sua vida presente. Essa seria a explicação para o uso de instrumentos como medicamentos e nas tentativas de suicídio de mulheres, enquanto que os homens utilizam frequentemente métodos mais violentos, como armas de fogo e enforcamento. Ainda de acordo com Trevisan e outros (2012), as mulheres apresentam diferenças hormonais, metabólicas e estruturais (mulheres apresentam na composição corpórea menos água e mais quantidade de tecido gorduroso do que os homens) que as tornariam mais susceptíveis aos prejuízos associados ao consumo de substâncias psicoativas, principalmente em relação aos danos à saúde e aos contextos sociais, cujos resultados são mais graves. 

O estudo “Gênero e Suicídio no Rio de Janeiro”, de Soares e outros (2012) cita um estudo de 1969, que apontava que havia uma diferença entre suicídios, parassuicídios (o nome técnico dado às tentativas fracassadas de suicídio) e pacientes com alto risco de suicídio).  Esta pesquisa afirmava que o índice mais alto de pessoas que efetivamente se suicidam seria de homens, idosos, casados, que [numericamente] vieram de lares desfeitos, que são mais independentes, socialmente menos ativos [com baixo capital social], com saúde pobre, bem sucedidos vocacionalmente e que fizeram menos tentativas [porém] mais letais do que os pacientes.

Braga e Dell’Aglio (2013), em uma pesquisa sobre suicídio na adolescência, citam estudos que apontam que mulheres fazem mais tentativas do que os homens. Porém, haveria fatores protetores que contribuiriam para a menor ocorrência de suicídios consumados, como baixa prevalência de alcoolismo, religiosidade e/ou espiritualidade, propensão a buscar ajuda em momento de crise e redes de apoio social e afetiva mais amplas para elas do que para os homens. Por outro lado, havia papéis atribuídos à masculinidade que poderiam predispor os homens a terem comportamentos suicidas, como competitividade, impulsividade e maior acesso a armas letais. Acrescentava-se a esses fatores maior sensibilidade dos homens a aspectos relacionados ao desemprego e ao empobrecimento.

Em uma das entrevistas com os trabalhadores do serviço onde atuo, uma psicóloga traz como experiência marcante o seguinte relato:

“Eu tive uma experiência [...] que marcou assim, a certeza do desejo do suicídio. Não era uma pessoa psicótica, não tinha nenhum quadro psicótico, e foi um desespero social, de não ter mais emprego, de não ter mais como levar comida pra casa, e essa pessoa tentou suicídio esfaqueando o abdômen, e foi pra UTI e assim que ele recobrou a consciência, ele com as próprias mãos arrebentou os pontos ... Pra “retentar” o suicídio. Então eu digo que são vários suicídios. Que alguns que eu já vi nessa história de Saúde Mental, algumas tentativas, a pessoa referindo um arrependimento posterior, e esse não tinha o arrependimento, tinha o desejo marcante dele, por ele tentar com as próprias mãos dentro de uma UTI. Um homem, um pai de família com desemprego há muito tempo. É, tem muito a ver eu acho que com o homem como provedor, esse papel que ele tem na sociedade, de prover a família, então faz, perde o sentido, né, ele não deve se achar mais ninguém, e tenta ser ninguém dessa forma brusca. Depois ele seguiu no NAPS e o pessoal da Assistência Social conseguiu lá uma colocação pra ele e aí ele foi saindo desse quadro pela questão social, não era uma questão psiquiátrica em si, né. Acabou sendo.

Avanci, Pedrão e Costa Junior (2005), citam um estudo em Ribeirão Preto, no qual delineou-se um perfil epidemiológico de 60 casos de tentativa de suicídio atendidos no setor de Urgência Psiquiátrica de um Hospital Universitário no ano de 1993, que constatou que as pessoas que tentam suicídio são na maioria mulheres entre 15 e 29 anos, solteira, casada ou em "união irregular", que pratica o ato suicida em locais familiares, de modo mais impulsivo do que planejado, em decorrência de estados emocionais imediatos a situações de perdas ou transtornos nas relações sócio-familiares, utilizando, ao contrário dos homens, de métodos menos violentos. A pesquisa dos autores, com 72 adolescentes atendidos em uma Unidade de Emergência que tentaram suicídio, trouxe 56 casos (77,8%) do sexo feminino e 16 casos (22,2%) do sexo masculino. A discussão destes resultados interpretou os dados, com destaque para a faixa etária com maior índice de tentativas (44 casos entre 15 a 19 anos) concluindo que neste período seria característico o início de relacionamento afetivo com o sexo oposto, o que também é um fator de grande importância na geração de conflitos e frustrações, podendo predispor a uma tentativa de suicídio. Acreditou-se que as mulheres, principalmente na idade mencionada e em condições econômicas mais humildes atribuem maior valor ao estabelecimento de um vinculo afetivo com um parceiro do sexo oposto, o qual representa segurança e autonomia. A conseqüente perda desse parceiro associado ao período vulnerável e impulsivo em qual se encontra, são fatores predisponentes à tentativa de suicídio, o que contribuem para o aumento na freqüência de tentativa de suicídio para as mulheres.

No levantamento de casos do serviço onde atuo, V., mulher de 42 anos, procura o serviço chorando muito, refere dificuldade para dormir desde que se separou do marido, há nove meses. “Já pensei em fazer algo contra mim mesma, porque eu estou sofrendo muito sem ele, mas não fiz ainda porque não quero deixar o meu filho sozinho ...”.   

M, mulher de 55 anos, refere ideação suicida, diz que fica o tempo todo no quarto e não tem vontade de sair. Relata ter ficado viúva no final de 2009, e só depois disso soube que seu marido tinha uma amante e acabou perdendo vários de seus bens para essa outra pessoa.  
  
No estudo de Marin-Leon e Barros (2003), o resultado apontou que a sobremortalidade masculina foi superior a 2,7 suicídios masculinos para cada suicídio feminino. Em 1980-1985 as maiores taxas foram observadas nos adultos de 55 anos e mais; já em 1997-2001 as taxas são mais elevadas nos adultos de 35-54 anos. Entre os homens, os meios mais utilizados são o enforcamento (36,4%) e as armas de fogo (31,8%). Entre as mulheres predomina o envenenamento (24,2%), seguido pelas armas de fogo e enforcamento (21,2% cada); este último ocorreu predominantemente no domicílio (75,7%); já as mortes por arma de fogo e envenenamento ocorreram em maior proporção em hospitais. Diferentemente dos homicídios, os suicídios não apresentam aumento progressivo das taxas com a diminuição do nível socioeconômico.

Há ainda outra questão na temática do suicídio que também pode ser analisada sob esse aspecto de gênero e sexualidades. O preconceito e a intolerância às diferenças ainda geram muito sofrimento às pessoas que são discriminadas e podem contribuir para o adoecimento e o desejo de morte.

M., mulher de 20 anos, chega ao serviço após tentativa de suicídio por medicamentos. Refere que há alguns anos revelou à mãe que era homossexual e foi aceita, porém acreditava que sua mãe não aceitava sofrer esse desgosto e por isso havia tentado suicídio. 

Um artigo de Bercito (2011), publicado na Folha de São Paulo,  aponta que a discriminação surge como ingrediente-chave nas pesquisas que apontam para a relação entre homossexualidade, juventude e suicídio. “A homofobia está na sociedade e faz com que o gay ache que ele vale menos do que os outros”, explica Lula Ramires, coordenador do Grupo Corsa, que defende a diversidade sexual. Já Alexandre Saadeh, psiquiatra do Hospital das Clínicas, diz que “É um sofrimento muito grande se sentir fora da norma. A discriminação, para alguém que é humilhado em casa, por exemplo, pode se tornar insuportável”.    

Teixeira-Filho e Rondini (2012) citam estudos que mostraram que a taxa de suicídios entre adolescentes homossexuais é elevada. Nos Estados Unidos, os jovens homossexuais (de ambos os sexos) representam um terço de todos os suicídios juvenis (enquanto os homossexuais constituem, no máximo, 5 ou 6% da população). A partir de pesquisas de diversos autores, o panorama atual compreende que adolescentes que sentem desejo erótico em relação a pessoas de mesmo sexo biológico podem vir a sentir medo da exclusão e da injúria, acabam se afastando da sociedade, tornando-se vulneráveis à depressão e, em alguns casos, a pensamentos e tentativas de suicídio. 

Estes dados apontam que realmente há também, entre os diversos fatores que entram no contexto do suicídio, uma relação com a questão de gênero, e que vale a pena pensar sobre isso nos estudos que abordam a prevenção e da atenção ao suicídio.

Obs: Os dados em itálico fazem parte do levantamento da pesquisa “Cuidado, frágil: aproximações e distanciamentos dos técnicos de um CAPS na atenção ao suicídio”.




Referências

AVANCI, R. de C.; PEDRAO, L. J.; COSTA JUNIOR, M. L. Perfil do adolescente que tenta suicídio em uma unidade de emergência. Rev. bras. enferm.,  Brasília ,  v. 58, n. 5, out.  2005 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672005000500007&lng=pt&. Acesso em outubro de 2014. 

BERCITO, D. Discriminação leva jovens homossexuais ao suicídio. Folha de São Paulo. 01/112010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folhateen/822698-discriminacao-leva-jovens-homossexuais-ao-suicidio.shtml. Acesso em outubro de 2014.

BRAGA, L. de L. e DELL’AGLIO, D.D.  Suicídio na adolescência: fatores de risco, depressão e gênero. Contextos Clínicos, 6(1):2-14, janeiro-junho 2013. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/contextosclinicos/article/view/ctc.2013.61.01. Acesso em outubro de 2014.

LOPES, F. H. Medicina, educação e gênero: as diferenciações sexuais do suicídio nos discursos médicos do século XIX. Educar, Curitiba, n. 29, p. 241-257, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/n29/16.pdf. Acesso em outubro de 2014.

MARIN-LEON, Leticia  e  BARROS, Marilisa B A. Mortes por suicídio: diferenças de gênero e nível socioeconômico. Rev. Saúde Pública [online]. 2003, vol.37, n.3, pp. 357-363. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v37n3/15865.pdf. Acesso em: outubro de 2014. 

RODEN, F. A construção da diferença sexual na medicina. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 19 (Sup. 2). 201-212, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v19s2/a02v19s2.pdf. Acesso em outubro de 2014.

SOARES, G. e outros. Gênero e suicídio no Rio de Janeiro. Cadernos de Segurança Pública. Ano 4. Número 3. Maio de 2012. Disponível em:  http://www.isp.rj.gov.br/revista/download/Rev20120304.pdf. Acesso em outubro de 2014.

TEIXEIRA-FILHO, Fernando Silva  e  RONDINI, Carina Alexandra. Ideações e tentativas de suicídio em adolescentes com práticas sexuais hetero e homoeróticas. Saúde soc. [online]. 2012, vol.21, n.3, pp. 651-667. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n3/11.pdf. Acesso em fevereiro/2015.

TREVISAN, E. P. T. e outros. Tentativa de suicídio de mulheres: dados de um centro de assistência toxicológica do Paraná. Rev. Mineira de Enfermagem. 2013 abril/junho. Disponível em: http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/659. Acesso em outubro de 2014.



domingo, 6 de setembro de 2015

"Precisamos aprender e também ensinar às pessoas em desespero que à rigor nunca e jamais importa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós. [...] Em última análise, viver não significa outra coisa se não arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida a cada indivíduo, pelo cumprimento da exigência do momento".

- Viktor Frankl, in "Em busca de sentido"   




terça-feira, 1 de setembro de 2015


Quando a atriz Cássia Kiss apareceu na TV com os seios à mostra há 27 anos, ensinando as mulheres brasileiras a fazerem o autoexame para prevenir o câncer de mama, muita gente achou a campanha escandalosa e apelativa. O fato é que até hoje essa campanha é celebrada pela redução efetiva do número de casos da doença.

Pois é, na área da saúde pública sabe-se que a prevenção de qualquer doença se faz com informação clara e objetiva.
O que a maioria dos brasileiros ignora – e parte dos profissionais de saúde também – é que isso também vale para suicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 90% dos casos os suicídios são preveníveis por estarem associados a patologias de ordem mental diagnosticáveis e tratáveis, principalmente a depressão. Ou seja, de cada dez casos de autoextermínio, nove podem ser evitados onde houver o diagnóstico preciso dessas patologias, o devido tratamento e a assistência das redes de cuidado e atenção.
É preciso abrir espaço para campanhas de prevenção e reverter as estatísticas num mundo onde aproximadamente 800 mil pessoas se matam a cada ano, 2.200 a cada dia, e um novo caso é registrado a cada 40 segundos. No Brasil, são aproximadamente 12 mil casos por ano, o que dá uma média de 32 suicídios por dia.
Ainda assim, por incrível que pareça, este continua sendo um assunto invisível, fora do radar da sociedade. E não é difícil identificar alguém na família, no círculo de amizades ou na vizinhança que já tentou se matar ou consumou o ato suicida. Pode-se dizer que boa parte dessas pessoas que desapareceram em circunstâncias tão violentas ainda estaria entre nós se os mais próximos soubessem como agir quando determinadas pistas ou sinais dão conta de que algo não vai bem.
Além dos sintomas característicos das psicopatologias associadas ao suicídio (depressão, transtornos relacionados ao uso de substâncias, esquizofrenia, transtornos de personalidade, etc) é importante acompanhar eventuais mudanças de comportamento que indiquem a tendência ao isolamento social, desinteresse generalizado, angústia e aflição, baixo rendimento escolar ou produtividade. São alguns indícios de que algo pode estar errado.
Para enfrentar o tabu em torno do assunto – e a brutal desinformação que agrava as estatísticas – celebra-se neste dia 10 de setembro o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Para dar ainda mais visibilidade a esse grito de alerta em favor da vida, a Associação Internacional pela Prevenção do Suicídio (IASP) lançou o movimento Setembro Amarelo, que tenta associar esta cor à causa da prevenção do autoextermínio. A ideia é pintar, iluminar e estampar o amarelo nas mais diversas resoluções por aí.
É possível que a campanha não tenha o mesmo efeito que o autoexame da Cássia Kiss. Mas é um começo. Aliás, Cássia Kiss escreveu certa vez uma mensagem de gratidão ao CVV – Centro de Valorização da Vida – que realiza desde 1962 um trabalho voluntário de apoio emocional e prevenção do suicídio por telefone (141) e mais recentemente pela internet ( http://www.cvv.org.br/site/chat.html ) sem vinculação política ou religiosa. Munida da mesma coragem com que exibiu os seios na TV em favor da vida, ela deu o seguinte depoimento sobre a instituição: “Certa vez, há muitos anos, precisei de ajuda especial. Tinha vontade de desaparecer (coisa normal no mundo de quem não tem compromisso, responsabilidade comunitária). Chamei o CVV. Estou viva e integrada”.