"A morte ainda é
tema tabu na atualidade e o suicídio é o ápice no espectro das
interdições. Sempre foi difícil abrir espaço para falar sobre o tema,
mas hoje dois eventos abriram a discussão sobre a questão que
normalmente é calada, pois o principal aspecto sempre aventado é que
falar sobre suicídio pode induzi-lo, pelo contágio.
Nos últimos meses, o assunto viralizou no Facebook, redes sociais e
recentemente também em notícias de jornal e TV. Essa onda atual começou
com o game Baleia Azul e a série da Netflix – 13 razões por quê (Thirteen reasons why).
Observamos que do silencio partimos para o escancaramento do tema, com
várias inserções cotidianas, e ainda pouca elaboração reflexiva.
O suicídio é morte inesperada, repentina e violenta que atinge de
forma impactante 6-8 pessoas, que imediatamente se tornam enlutados de
risco, pelo alto grau de culpa que suscita, sendo denominados de
sobreviventes por essa razão. Observa-se intensa busca de explicações,
que nunca parecem satisfazer a necessidade de compreender o que não tem
explicação.
A série 13 razões por quê se baseia na necessidade de
explicar a morte por suicídio de Hannah Baker, uma jovem de 17 anos que
deixa treze fitas destinadas aos seus amigos próximos, apresentando o
que não conseguiu que fosse ouvido, enquanto estava viva. Essas fitas
têm o caráter de uma carta acusadora, praticamente enlouquecendo seus
ouvintes, que ficam muito abalados com o que ouvem. Esse é o ponto
contraditório da série, porque implica que pessoas à volta de Hannah são
responsáveis pelo suicídio. É preciso ressaltar que o suicídio é
responsabilidade de quem o consumou.
O suicídio é responsabilidade, ou seja, é a possibilidade de
responder a uma dada situação. Na série são apresentadas situações de bullying,
estupro e outras situações de violência. A protagonista menciona em
várias cenas que se sentia isolada e invisível. Os sentimentos e
percepções apresentados são parte de sua experiência, portanto
legítimos, o que está em discussão é que essas percepções sejam
apontadas como causa do suicídio. O bullying, a violência, o
isolamento, a não consideração de seus anseios podem ser fatores que
precipitaram o ato suicida, mas a atribuição de causalidade nos leva a
uma avaliação simplista e por isso incorreta. O suicídio é um caminho de
ação possível, mas não o único. Inúmeras outras respostas poderiam ser
dadas como observamos nos colegas e amigos de Hannah, que também tiveram
seus conflitos e sofrimento e responderam com conversas, briga,
aceitação, afastamento, atos agressivos, entre outras tantas
possibilidades. O suicídio envolve uma longa história que tem seu início
nas primeiras ideações, pensamento recorrente, planejamento e
tentativa, finalizada com o ato suicida. A série insinua que amigos
próximos e os pais são responsáveis pelo suicídio. Essa atribuição
causa, além da dor da perda, o ônus da culpa, o que é muito penoso para
os enlutados.
A importância da série é abrir o diálogo, discussão e reflexão,
permitindo que se aprofundem questões relativas ao suicídio. Nunca se
falou tanto sobre esse tema numa época em que o número de suicídios
entre jovens cresce exponencialmente. Portanto, é interessante discutir a
série em casa no meio familiar, na escola, nas universidades.
Baleia azul é um game que se iniciou como notícia falsa na Rússia e
se espalhou em vários países do mundo, chegando agora ao Brasil. Como
jogo, tem suas regras e seus curadores (nome estranho para quem dirige
esse jogo), que têm como objetivo propor desafios que devem ser
cumpridos pelos jogadores jovens, com o risco de, se desistirem ou
deixarem de cumprir uma etapa, serem ameaçados de retaliação. São 50
passos culminando com o ato suicida. Há referencia de jovens que
morreram em função do jogo, inclusive no Brasil.
O que motiva o jogo pode ser curiosidade, mas também a busca de
respostas para uma vida sem sentido ou como um desafio com mais
adrenalina. Ao descobrir a intenção do jogo é possível sair dele, mas o
que fazer quando o medo de sair do jogo supera o instinto de proteção da
vida? Em meio a um grande número de jovens isolados, deprimidos,
vulneráveis, esse jogo cai como bomba. Perguntas são inevitáveis, por
que o jogo foi criado? O que querem os seus curadores? Por que há
pessoas que têm interesse em levar pessoas ao suicídio? Por que um jovem
não abandona o jogo ao se sentir tão ameaçado? Por que precisa ir até o
fim? Para que se possam buscar compreensões, esse jogo precisa ser
informado, socializado e discutido em vários fóruns.
Tanto a minissérie quanto o jogo aumentaram de forma significativa as
consultas ao Centro de Valorização da Vida (CVV) para poderem falar e
serem ouvidos. Estimularam também a necessidade de que pais e
professores conversem mais com seus filhos e alunos, e observem
comportamentos: mudanças de comportamentos habituais, isolamento, queda
do rendimento escolar e depressão. Como reação ao game Baleia Azul,
surgiu o Baleia Rosa com passos que envolvem busca de situações de
valorização da vida.
Suicídios nos trazem mais questões do que respostas. Mais do que
calar é preciso refletir e discutir o tema com os jovens, e eles poderão
nos orientar nessa difícil tarefa em casa e na escola. Observamos que
algumas instituições educacionais já promoveram reuniões com jovens para
discutir a questão.
Acreditamos que a melhor forma de compreender e prevenir suicídios é
abrir espaço para conversas e reflexão e não simplesmente interditar o
tema. Há uma falsa compreensão de que falar sobre suicídio pode
incentivar o suicídio. Pelo contrário, ignorar ou não falar sobre os
sinais de risco referidos acima leva ao risco de que o suicídio seja a
única saída possível. É fundamental nesses casos encaminhar os jovens
para atendimento psiquiátrico e psicológico e para ONGs como o Centro de
Valorização da Vida.