domingo, 24 de setembro de 2017

Cartilha Suicídio: Informando para prevenir



"O suicídio pode ser definido como um ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, cuja intenção seja a morte, de  forma  consciente  e  intencional,  mesmo  que  ambivalente, usando um meio que ele acredita ser letal. Também fazem parte do que habitualmente chamamos de comportamento  suicida:  os  pensamentos,  os  planos  e  a  tentativa  de  suicídio". (p. 09)

"Os dois principais fatores de risco são:
• Tentativa prévia de suicídio: É o fator preditivo isolado mais importante. Pacientes que tentaram suicídio previamente têm de cinco a seis vezes mais  chances  de  tentar  suicídio  novamente.  Estima-se  que 50% daqueles que se suicidaram já haviam tentado previamente.

• Doença mental: Sabemos  que  quase  todos  os  suicidas  tinham  uma  doença  mental,  muitas  vezes  não  diagnosticada,  frequentemente não tratada ou não tratada de forma adequada"(p. 16).

"Os  transtornos  psiquiátricos  mais  comuns  incluem  depressão,  transtorno  bipolar,  alcoolismo  e  abuso/dependência de outras drogas e transtornos de personalidade e esquizofrenia. Pacientes com múltiplas comorbidades psiquiátricas têm um risco aumentado, ou seja, quanto mais diagnósticos, maior o risco". (p. 17)

"Destacam-se outros fatores de risco:
• Desesperança, desespero, desamparo e impulsividade: Sentimentos  de  desesperança,  desamparo  e  desespero  são  fortemente  associados  ao  suicídio. 
É preciso  estar  atento, pois a desesperança pode persistir mesmo após a remissão de outros sintomas depressivos.
Impulsividade,  principalmente  entre  jovens  e  adolescentes, figura como importante fator de risco. A combinação de impulsividade, desesperança e abuso de substâncias pode ser particularmente letal" (p. 18)

"Eventos adversos na infância e na adolescência:
Maus tratos, abuso físico e sexual, pais divorciados, transtorno  psiquiátrico  familiar,  entre  outros  fatores,  podem  aumentar  o  risco  de  suicídio.  Na  assistência  ao  adolescente, os  médicos, os professores e os pais devem estar atentos  para  o  abuso  ou  a  dependência  de  substâncias associados  à  depressão,  ao  desempenho  escolar  pobre,  aos conflitos familiares, à incerteza quanto à orientação sexual,  à  ideação  suicida,  ao  sentimento  de  desesperança e à falta de apoio social.
 
Um fator de risco adicional de adolescentes é o suicídio de  figuras  proeminentes  ou  de  indivíduo  que  o  adolescente  conheça  pessoalmente.  Existe,  também,  o  fenômeno  dos  suicidas  em  grupo  ou  comunidades  semelhantes que emitem o estilo de vida.
 
• História familiar e genética: O  risco  de  suicídio  aumenta  entre  aqueles  com  história  familiar  de  suicídio  ou  de  tentativa  de  suicídio.  Estudos  de  genética  epidemiológica  mostram  que  há  componentes genéticos, assim como ambientais envolvidos. O risco  de  suicídio  aumenta  entre  aqueles  que  foram  casados com alguém que se suicidou". (p. 21)

"Fatores protetores: São menos estudados e geralmente são dados não muito consistentes, incluindo: autoestima elevada; bom suporte familiar;  laços  sociais  bem  estabelecidos  com  família  e  amigos;  religiosidade  independente  da  afiliação  religiosa  e  razão  para  viver;  ausência  de  doença  mental;  estar  empregado;  ter  crianças  em  casa;  senso  de  responsabilidade  com  a  família;  gravidez  desejada  e  planejada;  capacidade  de  adaptação  positiva;  capacidade  de  resolução  de  problemas  e  relação  terapêutica  positiva,  além  de  acesso  a  serviços  e  cuidados  de  saúde  mental".  (p. 24)

"A  OMS  aponta  três  características  psicopatológicas  comuns no estado mental dos suicidas. São elas:
 
1.  Ambivalência: o  desejo  de  viver  e  de  morrer  se  confundem no sujeito. Há urgência em sair da dor e do sofrimento com a morte, entretanto há o desejo de sobreviver a esta tormenta. Muitos não aspiravam realmente morrer, apenas queriam sair do sentimento momentâneo de infelicidade, acabar com a dor, fugir dos problemas, encontrar descanso ou final mais rápido para seus sofrimentos. Se for dado  oportunamente  o  apoio  emocional  necessário  para  reforçar o desejo de viver, logo a intenção e o risco de suicídio diminuirão.
 
2. Impulsividade:  o suicídio, por mais planejado que seja, parte de um ato que é usualmente motivado por eventos negativos.  O  impulso  para  cometer  suicídio  é  transitório  e  tem  duração  de  alguns  minutos  ou  horas.  Pode  ser  desencadeado  por  eventos  psicossociais  negativos  do  dia  a  dia e por situações como: rejeição; recriminação; fracasso; falência;  morte  de  ente  querido;  entre  outros.  Acolher  a  pessoa  durante  a  crise  com  ajuda  empática  adequada  pode interromper o impulso suicida do paciente.
 
3.  Rigidez: quando  uma  pessoa  decide  terminar  com a  sua  vida,  os  seus  pensamentos,  sentimentos  e  ações  apresentam-se  muito  restritivos,  ou  seja,  ela  pensa  constantemente sobre o suicídio e é incapaz de perceber outras maneiras  de  enfrentar  ou  de  sair  do  problema.  Estas  pessoas  pensam  rígida  e  dramaticamente  pela  distorção  que  o  sofrimento  emocional  impõe.  Todo  o  comportamento  está inflexível quanto à sua decisão: as ações estão direcionadas ao suicídio e a única saída possível que se apresenta é a morte; por isso é tão difícil encontrar, sozinho, alguma alternativa.
 
O  funcionamento  mental  gira  em  torno  de  três  sentimentos:   intolerável   (não   suportar);   inescapável   (sem   saída);  e  interminável  (sem  fim).  Existe  uma  distorção  da  percepção  de  realidade  com  avaliação  negativa  de  si  mesmo, do mundo e do futuro. Há um medo irracional e uma  preocupação  excessiva.  O  passado  e  o  presente  reforçam seu sofrimento e o futuro é sombrio, sem perspectiva e com ausência de planos. Surge a ideação e a tentativa  de  suicídio,  que  pode  culminar  com  o  ato  suicida.  O  peso  da  decisão  de  morrer  repousa  na  interpretação  dos  eventos  e  a  maioria  das  pessoas,  quando  saudável,  não  interpreta  nenhum  evento  como  devastador  o  suficiente para justificar o ato extremo. (p. 24-26)


 Fonte:  Associação Brasileira de Psiquiatria. Suicídio: informando para prevenir   Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio. – Brasília: CFM/ABP, 2014.

Material disponível em:
 

 

domingo, 17 de setembro de 2017

Artigo: Tentativas de suicídio e o acolhimento nos serviços de urgência: a percepção de quem tenta

Resumo

A maioria dos casos de tentativa de suicídio é atendida em serviços médicos de emergência, o que deveria ser uma excelente oportunidade para que os profissionais de saúde realizassem alguma intervenção preventiva e terapêutica. No entanto, nem sempre essa oportunidade é aproveitada pela equipe, que geralmente exibe condutas caracterizadas por hostilidade e rejeição. Este trabalho pretende investigar, a partir da percepção do usuário, como se dá o acolhimento ao indivíduo que tenta suicídio e sugerir estratégias que possam favorecer o vínculo com a equipe de saúde. Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, desenvolvido com pacientes ambulatoriais referenciados pelo serviço de urgência de Barbacena, Minas Gerais. Foram entrevistadas 28 mulheres com histórico de tentativa de suicídio. A identificação e a classificação das unidades de análise fizeram emergir três categorias: discriminação, negação do ato, encaminhamento. Cada categoria foi submetida à análise qualitativa. A baixa capacitação das equipes de atendimento e as deficiências estruturais dos serviços induzem os profissionais a se posicionarem de maneira impessoal e com dificuldade de atuação de forma humanizada. A análise dos dados indica a necessidade de melhorar a formação dos profissionais da saúde, em especial os que trabalham nos serviços de pronto atendimento.

Palavras-chave: tentativa de suicídio; pesquisa qualitativa; saúde mental; medicina de emergência.

 "Eles  falaram  assim  “não  é  possível,  tanta  coisa  pra  gente  fazer e socorrer e fulano tentando morrer... e tem que fazer lavagem, que frescurada, aí é que dá vontade de matar mesmo”.  As  pessoas  acham  que  é  sem-vergonhice.  Eles  não vêem o que se passa na nossa mente". (P8)

"No  hospital  eu  lembro  que  o  médico  chegou  perto  de  mim, bateu no meu ombro, falou que eu não tinha nada, que eu era uma moça bonita, pra viver minha vida, que era pra arrumar um namorado
". (P7)


 "As enfermeiras falavam 'toma chumbinho, água de bateria, não adianta vir pra cá, tomar remédio, só dá trabalho pra gente'. Eu me sentia um rato quando tentava, quando elas me falavam ficava pior ainda. Por que elas não falaram que eu precisava era de um psiquiatra? Elas falavam 'vai pra casa e dorme bastante, isso não é nada, isso vai passar' ”.

"Lesões   autoprovocadas   sem   intenção   suicida   também   são  atendidas  em  serviços  de  urgência.  A  incidência  desses  agravos  tem  aumentado  nos  últimos  anos e  esse  comportamento  pode  ser  um  fator  de  risco  para  ideação  suicida. Independente  do  grau  de  intenção  suicida,  os  pacientes  que  exibem comportamento    autoagressivo    representam    um    grande desafio para a equipe de atendimento e podem gerar atitudes ambivalentes na condução do tratamento".

"A  reação  das  pessoas,  dos  médicos,  quando  eu  tomava  remédio e ia pro hospital, sempre que eu chegava, as enfermeiras  e  o  médico  falavam  ‘tem  juízo  não?  vaso  ruim  não quebra, entra na frente de um trem [...] remédio não mata não, remédio melhora". (P12)

"Mas aqui não tem nada pra ajudar os deprimidos, aqueles que tentam. Lá no postinho também é assim, parece que a receita já ta pronta. O médico não quer escutar a gente".

"A equipe reage com descaso, deve ser por eles acharem que é errado tentar, deixam a gente jogado, ficam fazendo comentário entre eles, ficam rindo, no dia que fizeram a lavagem eles falaram 'tá doendo? na hora de tomar os remédios não doeu, né?' "

"Avaliar um paciente suicida comumente desperta fortes sentimentos no médico examinador, especialmente ansiedade  por  um  erro  de  conduta  e  temor  das  consequências.  O  profissional  pode  experimentar  também  sentimentos  de  impotência e mobilizar emoções de caráter negativo".


Link do trabalho completo: http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v21n2/02.pdf

 

domingo, 10 de setembro de 2017



eu sei como dói.
sei que dói e não é de agora.
sei que você já suportou muito e tanto, que às vezes se pergunta “tô suportando tudo isso pra quê?”, porque dentro de ti, já não faz mais sentido.
mesmo que ora ou outra aquela chama ainda acesa (porém pequena) de esperança em alguma coisa mostra que ainda existe
[a gente nem sempre tem esperança na melhora,
às vezes é só num dia melhor,
num momento bom,
às vezes ela aparece naquele riso inesperado,
naquela palavra amiga,
naquele conforto velado,
naquele texto que parece que nos lê ou que foi escrito por mãos parecidas com as nossas de tão parecido com a gente que é,
naquela música que nos acalma, que nos abraça quando ninguém mais faz isso,
naquele pôr do sol que vemos quando lembramos que basta olhar pro céu pra vermos algo novo e bonito].
eu sei que é difícil viver com um parasita dentro da gente que nos faz ver a vida de um jeito distorcido e te faz querer fugir de tudo, mesmo que a dor esteja em você.
e eu sei, eu sei que você chora muito que tem dias que quer chorar e não consegue mais, como se as lágrimas tivessem acabado, o que dói mais do que chorar descontroladamente.
eu sei que deitar a cabeça no travesseiro à noite não te dá sossego, sei que o monstro que te atormenta vem com mais frequência nesse horário e não te deixa dormir, não te dá paz.
sei que as outras pessoas não parecem confiáveis, que o mundo não parece mais mundo, é só um lugar que você está e não quer estar.
eu sei como às vezes parece que o universo quer que a gente desista.
e desistir é tão mais fácil, né? é tão mais fácil só pôr um fim,
mas você é tão forte por não desistir, eu juro pra você que vejo tua força exalando de você até mesmo quando tu chora.
tu não é fraco, tu não é só uma tristeza, tu não é só uma decepção.
tu é tantas & tantas coisas boas, feito até do que ainda não tem nome mas é tão bom te ter no mundo.
eu sei, assim como muita gente sabe, porque eu juro pra você que: tu nunca está sozinho, a tua dor faz parte da nossa.
e o mundo não é horrível como parece, as situações que são.
nem todas as pessoas são as mesmas que te machucaram.
e nenhuma dor dura pra sempre. a sua pode estar durando muito, mas ela vai terminar, você mesmo vai acabar com ela.
não permita que a dor acabe com você,
porque meu bem, a sua batalha está perdurando tanto porque tu é mais forte que ela, não é você quem está desistindo, é você quem está persistindo (mesmo que dentro de você haja um sentimento de derrota, é a sua auto-destruição que não deixa você ver o quão guerreiro tu é, mas toda vez que te vejo vivo, te vejo um vitorioso).
você é mais real do que essa dor que se alojou dentro de você e se espalhou por todos os cantos do teu ser, porque ela PRECISA de você pra existir, VOCÊ NÃO PRECISA DA DOR PRA EXISTIR.
eu tenho fé em você, eu acredito na tua batalha.
tudo bem perder lutas diárias, mas não desista de você. 


- Via Desbotando Tumblr

 

Não é o jogo da baleia azul que está matando os adolescentes, é nossa insensibilidade.




O suicídio já mata mais que homicídios, desastres e HIV em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. Isso quer dizer que o seu assassino mais provável é você mesmo.
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Entre os jovens, a incidência é maior: Na faixa etária de 15 a 29 anos, apenas acidentes de trânsito superam o suicídio. Neste grupo, as mais afetadas são as mulheres (não por acaso, o gênero que é treinado para a dependência emocional).
Sintomaticamente, o jogo da Baleia Azul é viral. São 50 desafios que envolvem automutilação e atividades arriscadas em geral. O último desafio é tirar a própria vida: só assim, eles dizem, você ganha o jogo.
“Ganhar o jogo”, para muitos de nossos adolescentes, é se livrar da obrigação de continuar vivendo – e se isso não te choca, bem, eu desisto.
Por que, afinal, é mais provável que as pessoas queiram se matar quando são jovens?
Porque os velhos já se conformaram.


Quanto mais jovem se é, mais coisas são uma questão de vida ou morte. Quando se é jovem, absolutamente tudo parece irreversível.
Na adolescência, então, é sempre tudo ou nada, então não é exatamente estranho querer abandonar um mundo que não te entende e, sobretudo, um mundo que você também não entende.
Deve ter acontecido na sua família. Ou na família de um amigo. Ou com o amigo de um amigo. Ou com o próprio amigo. Não é difícil que você conheça uma história de suicídio ou de tentativa de suicídio: acontece todo dia.
Aconteceu comigo. Na época, morri de vergonha. A única frustração foi não ter conseguido – porque eu não tinha medo de morrer, eu tinha medo de viver.
Disseram que eu só queria chamar atenção. Era falta de Deus. Falta de amor. Falta de porrada. Na verdade, não era nada disso: era depressão. E se eu não tivesse uma família e amigos que compreendem a depressão – compreendiam mesmo antes de 13 reasons why, por exemplo – talvez eu nem estivesse aqui.
Talvez eu nem tivesse descoberto que as prioridades mudam, o sol abre novamente, os anos passam e doenças psíquicas são perfeitamente – embora não facilmente – tratáveis.
Talvez eu nunca tivesse saído daquela fase em que você desiste facilmente porque afinal não há muitas razões para não desistir: você ainda não tem quase nada, você ainda não sabe quase nada, você ainda não é quase nada – e a vida te bate mesmo assim.
A questão do suicídio (entre os adolescentes, sobretudo) é urgente e inadiável. Não dá mais para trata-la como piada, embora tantos insistam. O jogo da baleia azul não é o problema: é apenas uma parte ínfima – quase desprezível – do problema.
Aliás, encaremos os fatos: o problema é que somos uma geração fodida (e enquanto não houver uma verdadeira mudança de paradigmas, as próximas gerações serão cada vez mais fodidas).
A nossa geração ainda se importa pouco com doenças psíquicas, ainda trata como loucos os psicoatípicos, comove-se  com uma série bem feita mas é incapaz de se comover perante o sofrimento dos outros – o sofrimento real.
A nossa geração tem desaprendido muito sobre amor e compreensão: amar é, cada vez mais, para os fracos. Mães e pais despreparados estão, cada vez mais, surtando – por não saberem o que fazer, berram ou simplesmente ignoram.
O que antes eram paixões adolescentes fulminantes, agora são crushes: o bom e velho amor platônico com uma nova roupagem.
Vivemos tempos em que todo mundo tem a obrigação tácita de querer pouco ou nada, todo mundo tem que se bastar, ir em frente, ignorar as próprias dores, se valer sozinho.
Para uma geração que quase vive virtualmente, é pedir demais. A conta não bate.
Há – e que haja! – quem me acuse de exagerada e conspiracionista, mas não é sintomático que, justo nessa geração desapegada, bem-resolvida e feliz sob os filtros do Instagram, a Netflix seja um sucesso absoluto?
Não é sintomático, no mínimo, que a juventude do século XXI esteja trancada em casa maratonando séries no sábado à noite porque já não tem paciência (ou habilidade, nunca saberemos) para relações interpessoais?
Não é sintomático, sobretudo, que a série mais assistida da história da Netflix seja justamente uma série sobre suicídio?
Os nossos jovens estão se suicidando, e cada vez mais, porque a gente não presta atenção neles. A gente também não presta atenção na gente. Estamos preocupados em fazer piada de suicídio na internet e, quem sabe, ganhar uns likes. Na geração dos egos inflados, não sobra espaço pra mais nada.
Não é o desafio da baleia azul que está matando os nossos adolescentes. É a nossa insensibilidade.

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/nao-e-o-jogo-da-baleia-azul-que-esta-matando-os-adolescentes-e-nossa-insensibilidade-por-nathali-macedo/


domingo, 3 de setembro de 2017


Causa de uma morte a cada 40 segundos no mundo, o suicídio começa a perder o status de tabu e passa a ser discutido como questão de saúde pública


reportagem KARINA SGARBI E MISAEL LIMA
arte ALAN MACHADO
A primeira vez foi em 2012. Remédios, muitos deles, hospital, mentiras para esconder – foi apenas um comprimido a mais, confusão na hora de tomar. A vida segue, mas é como se não fizesse diferença, continua a doer. Três anos se passam e tudo volta. Mais forte, mas agora nem mesmo as justificativas que já tinham alcançado sucesso anteriormente são capazes de esconder a verdade.
Fica claro como a luz do dia: trata-se de tentativa de suicídio, pela segunda vez. E não há garantia de que isso deixe de se repetir, conforme a escritora de 41 anos, moradora da região, que conta como é a vida de quem não tem vontade de viver. “Quando tu tá mal, não quer encontrar tratamento. Hoje eu estou OK, tomando medicamentos, mas sinto que eu não mereço mais estar viva”, relata.
Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo. No Brasil, em 2013, esta foi a causa de 69.783 óbitos, sendo 3.850 deles no Estado. O tema é tabu na sociedade, na mídia, nas escolas, nas famílias, e ganhou espaço desde o início do mês, com a série 13 Reasons Why, da Netflix, e com o jogo Blue Whale, ou Baleia Azul, que desafia jovens a cumprirem tarefas, sendo que a última delas é tirar a própria vida.
“Não digo que a série foi perfeita ao abordar o assunto, mas isso não exclui o impacto que iniciou uma boa discussão sobre suicídio. Ela trouxe luz ao assunto e isso sim é importante”, afirma a psicóloga Éllen Martins, que trabalha com a prevenção de suicídio. O vazio, a dor, um sofrimento sem fim que nem mesmo quem sente consegue explicar. Para quem sobreviveu a duas tentativas, nem sempre há uma razão que motive o suicídio. “Quando eu tentei, as duas vezes, nunca deixei carta porque achava que não precisava, porque eu não tinha uma razão para fazer aquilo. Era porque eu não queria mais existir e eu não tinha que explicar isso a alguém”, conta a escritora. Diagnosticada com depressão desde 2009, ela relata que há dias em que não passa uma hora sem que pense no assunto, já que, como escreveu num de seus livros, “a infelicidade não tem cura”. “Tu não querer viver não é o mesmo que querer morrer. Não é algo fácil chegar e dizer que vou acabar com a minha vida. Cada um carrega o seu sofrimento”, afirma.

Que série e que jogo são esses?

Lançada em 31 de março pela Netflix, a produção 13 Reasons Why é baseada em um livro de mesmo nome. Na história, o adolescente Clay Jensen volta da escola e encontra uma caixa com fitas gravadas pela amiga Hannah Baker, que cometeu suicídio duas semanas antes. Nas gravações ela explica as 13 razões pelas quais decidiu tirar a própria vida. Blue Whale ou Baleia Azul é um suposto jogo do qual se tem pouca informação ainda. Teria surgido na Rússia, com 50 desafios repassados em grupos do Facebook e WhatsApp, onde o último consiste em se jogar de um prédio. Em todo o mundo, diversos casos – tanto de suicídio quanto de tentativas – estão sendo investigados por possível relação com o desafio, mas ainda não há confirmações.




Mestre em disfarce



Nem sempre a dor é aparente. “A gente se torna mestre em disfarce, porque na verdade quando as pessoas perguntam se tá tudo bem, elas não querem saber se tá bem ou não realmente”, comenta a escritora. Seu diagnóstico foi feito ao consultar um psiquiatra antes de uma cirurgia. “Começa por aí, tu nem sabe que tem a doença. A pessoa com depressão tem momentos bons, momentos felizes, mas na maior parte do tempo é uma angústia, um sofrimento que não dá pra explicar”, relata. A primeira tentativa de tirar a vida ocorreu em 2012. “Quando eu tentei, não deu certo, eu me apavorei e fui para o médico. Disse para a minha mãe que tinha tomado medicamento para dor, uma dose a mais, e ela não soube que era uma tentativa de suicídio”, conta.
Depois disso, no mesmo ano, ela foi ficou internada em uma clínica por 29 dias, recebendo atenção adequada e cumprindo o tratamento. Em 2015, houve nova tentativa, desta vez no trabalho. “O sentimento que eu tinha era de desesperança, de que nada ia melhorar e que, se é pra ser assim, não tem razão continuar aqui.”
Ela chegou a ser xingada por um psiquiatra durante o atendimento. “Ele perguntou por que eu não tinha me jogado de um prédio, se queria morrer”, lembra. Hoje, mesmo recebendo ajuda, sente a questão do suicídio presente, mas afirma que poder compartilhar o que sente tem trazido um alívio. “Eu vejo que hoje eu consigo falar muito sobre isso, porque percebi que quando começo a falar e a pessoa ouve sem julgar, eu me sinto amparada”, diz.

"O sofrimento é muito particular"



Mediadora do grupo de estudos sobre Suicídio do Núcleo de Atendimento Psicológico (NAP), que começará as atividades em 31 de maio, a psicóloga Janete Maria Ritter destaca que os sinais que indicam a tendência ao suicídio variam de pessoa para pessoa. “A manifestação do sofrimento é muito particular. Pode-se observar se há mudança de comportamento muito brusca, isso independente da idade. Quando tem alguém que muda o comportamento muito bruscamente é um sinal de alerta”, comenta.
Ela destaca ainda que essa dor pode não ter uma explicação. “Acho que é preciso falar cada vez mais sobre suicídio. Se eu percebo que alguém falou, numa roda de amigos, que não tem vontade de viver, por exemplo, é importante perguntar o que quer dizer com isso. Não perguntamos porque não queremos saber a resposta. E isso tem que ser feito num tom de ouvir, não de julgar, e com interesse”, orienta.
A psicóloga Éllen Martins critica o tabu que envolve o tema. “O mito mais comum é de que falar de suicídio induz ao suicídio, o que não é verdade. Quanto mais informação houver sobre os meios de prevenção, mais pessoas podem ser ajudadas”, afirma.

  Uma capivara para enfrentar a baleia

Com o rápido crescimento dos desafios da Baleia Azul, o blog Capinaremos criou um desafio para valorizar a vida. O grupo Capivara Amarela no Facebook, criado pelo gaúcho Sandro Sanfelice, já reúne mais de 5 mil pessoas com desafios e curadores que auxiliam aqueles que sofrem com males como depressão e ansiedade e que já cogitaram a possibilidade de tirar a própria vida. “Ela é basicamente o oposto da Baleia Azul, um jogo do bem, também composto por 50 desafios diários, mas com o objetivo de fazer com que a pessoa tenha outra perspectiva da vida. Temos desafios iniciais dentro da zona de conforto do participante, os intermediários que buscam criar laços sociais com outras pessoas, como passeios e jantares e os finais, que são de introspecção e empatia com o outro, ver que o mundo é um coletivo”, comenta. Ele afirma que o grupo tem o apoio de profissionais da área e se utiliza de materiais do CVV, e que, de forma alguma, substitui a busca por um profissional especializado. “O curador não trata ninguém, ele está mais para um ombro amigo, alguém para ser empático”, explica. “Atualmente, já temos mais de 500 curadores cadastrados. E cerca de 700 desafiantes. Com a ajuda de profissionais da área, elegemos 100 desafios ‘oficiais’”, detalha.