domingo, 14 de janeiro de 2018

Carta ao amigo que se matou ______________ Luis Nassif


Hoje foi um dia muito triste para mim. Fiquei sabendo que um grande amigo morreu de depressão. No dia 14 de novembro, não aguentou o tranco e deu fim à vida, num mergulho de 223 metros de altura. O corpo só foi encontrado 40 dias depois, na véspera do Natal. Imagino o terrível Natal e fim de ano para a família dele. Depois de 40 dias de buscas, foram mais dois dias até que se conseguisse fazer a identificação. Por algum motivo ou outro, as minhas irmãs só me avisaram hoje.

Não foi a primeira vez. Ele já havia tentado o suicídio há uns três anos, ligando o carro dentro de uma garagem fechada. Foi levado às pressas para o pronto-socorro e sobreviveu. Assim, de longe, parecia que ele havia melhorado.

Nos últimos tempos, a gente se falava muito pouco. Coisas da vida. Não havíamos brigado. Simplesmente, a distância física e o tempo trataram de nos afastar daquele contato do dia-a-dia.

Era um sujeito brilhante. Tinha uma facilidade impressionante para aprender idiomas. E era divertidíssimo. Ainda ontem, conversando com um amigo em comum, lembrávamos das palhaçadas e das brincadeiras de 20 anos atrás. Como se fosse ontem... Mal sabíamos que ele já havia chegado ao ponto final.

É o segundo amigo que perco para a depressão. Muita gente acha que depressão é "frescura". Não é. É uma doença muito grave. O doente não pode parar de se medicar. A pessoa, em razão do remédio, recupera e mantém o equilíbrio emocional. Aí, com o tempo, acha que já está curada e pára de tomar o remédio. Algum tempo depois, fatalmente, a depressão volta. E, na hora da crise, a pessoa não vê nenhuma outra saída, a não ser acabar com a própria vida. O Paulinho se foi faz três anos (é isso, Tomás?). Dia 14 de novembro, foi-se o Andrew. O cemitério onde ele foi enterrado acaba de ser inaugurado. Na verdade, ele foi a primeira pessoa a ser enterrada. Como eu, Andrew era ateu, mas, nessa hora, a vontade da família falou mais alto. Porém, durante o enterro, ele ainda deu um jeito de ter a palavra final, teimoso que era: como era a inauguração do cemitério, houve um problema com o tamanho do caixão. Era maior do que a cova. Resultado: todos que ali estavam, que conheciam o Andrew, começaram a rir. O clérigo ficou sem entender nada. Pelo que entendi (o meu filho estava muito inquieto e quem conversou com a ex-esposa dele, que também é nossa amiga, foi a minha esposa), tiveram de "aparar" o caixão, para que coubesse, e ele acabou sendo enterrado dois dias mais tarde.

Quando isso acontece, quando a gente perde um amigo que acabou ficando distante, a gente tem uma vontade de falar com todos os nossos amigos distantes de uma só vez. De poder mandar um abraço do tamanho do mundo. De dizer a todos o quanto eles foram e são importantes para nós, apesar do afastamento por conta das circunstâncias da vida.

***

Andrew, sei que você não vai ler estas linhas nunca, mas elas me ajudam a lidar com a realidade. Hoje, a R. e eu ficamos aqui em casa, vendo fotos e mais fotos. Rimos e choramos lembrando das palhaçadas e dos bons momentos que pudemos passar juntos. Quando ligamos para a sua mãe, não consegui falar. Comecei a chorar. Foi a R. que acabou falando com ela. O D. não entendeu nada: "Mamãe, por que você tá chorando? Papai, por que você tá chorando?" Logo em seguida, já estávamos rindo, e ele parava de perguntar. Amanhã, vamos visitar os meus pais. A minha mãe já está sabendo, pois falamos com ela hoje. O meu pai ainda não sabe. Acho que ele também vai sentir muito. Volta e meia, ele falava sobre você: "Sabe quem ia gostar disso aqui? O Andrew."

Um abraço do seu irmão mais velho.



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