domingo, 31 de janeiro de 2021

Sobre a quebra de sigilo do psicólogo no comportamento suicida

Estou fazendo uma especialização em Psicologia Forense e Jurídica desde agosto, em uma parceria da Prefeitura de Santos com a Unyleya.

O módulo deste mês é Ética em Psicologia (disciplina que ministrei na UNIP no ano passado!) e uma das tarefas foi escolher um dos princípios fundamentais do Código de Ética em Psicologia e relacioná-lo à prática, experiência profissional ou a um dos campos de atuação do psicólogo da preferência do aluno.

Meu texto foi o seguinte:

"O tema que escolho para esta atividade é a quebra de sigilo, de acordo com o que está preconizado no artigo 10º do Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005):

Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.

Entre os diversos desafios que a quebra de sigilo impõe ao psicólogo, destaco um tema que aparece muito na minha prática profissional: o risco de suicídio. Muitas vezes, o psicólogo se vê dividido entre respeitar o pedido do paciente para não revelar uma ideação suicida, por exemplo, e ao mesmo tempo, sabe que comunicar o risco a um familiar é uma conduta adequada, não apenas eticamente, mas ainda como fator de proteção – quando os familiares sabem do risco, podem aproximar-se ainda mais da pessoa com comportamento suicida, oferecendo suporte.

De acordo com Botega (2015, p. 165):

'A crise suicida é uma condição clínica muito grave, em que a segurança do paciente toma precedência sobre a confidencialidade. Temos que, desejavelmente, obter sua anuência e comunicar um familiar ou uma pessoa que lhe seja significativa. Essa comunicação é feita com o intuito de se criar uma rede de proteção da qual participam pessoas próximas ao paciente. Entrar em contato com um familiar ou responsável é mandatório não apenas no caso de adolescentes. Se o paciente não concordar com essa proposta, ainda assim temos que nos comunicar prontamente com um familiar ou amigo seu e falar sobre o risco de suicídio'.

Por outro lado, Zana e Kovács (2013, p. 904) defendem que:

'Quando se considera haver risco para suicídio, o Psicólogo pode, com consentimento do cliente, informar a família. Porém, é importante destacar que a quebra do sigilo nestes casos é um direito, não um dever'.

Acredito que estas duas posições mostram as implicações éticas que nossas atitudes exigem de nós, psicólogos. A posição de Kovács assinala que o profissional não tem apenas um dever ético, mas deve também ter o direito de avaliar o momento em que essa quebra de sigilo será feita. Não é indicado passar por cima da vontade do paciente, sem ter um diálogo sobre os motivos para que essa comunicação aconteça (e não se trata apenas de “garantir para o nosso Conselho que agimos de forma correta e ter respaldo legal caso o paciente faça uma tentativa. Trata-se de vínculo, de trabalho terapêutico e de trazer esperança também).

Como foi visto ao longo da disciplina, a ética (e a bioética) tenta expressar e integrar (na medida do possível) os contrastes entre as normas sociais e as especificidades individuais. Às vezes, determinar o certo e o errado não é uma tarefa tão simples, pois existem múltiplos fatores em jogo.

Pessoalmente, uso a consciência ética tanto para justificar meu pedido de quebra de sigilo quanto para tentar sensibilizar o paciente a autorizá-la: ao propor que ele reflita em como se sentiria se soubesse que um ente querido comunicou a alguém que pensa em se matar ... Gostaria de ser informado e tentar ajudar, de alguma forma? Até hoje, todas as vezes que propus esse dilema, consegui chegar a um combinado com o paciente, onde ele escolhia uma pessoa de sua confiança para compartilhar essa questão. Nem sempre foi um familiar ... Em uma ocasião, foi uma amiga. O importante é ajudar a formar essa rede de apoio e também passar para o nosso paciente a certeza de que ele não está sozinho.

O trabalho do psicólogo, nesse caso, também não é apenas comunicar a alguém sobre o risco: é levar informação para essa pessoa, é acolher as angústias e dúvidas que podem surgir, é fazer o encaminhamento para que ela também seja acompanhada, se for necessário (e quase sempre é).

Para mim, a ética perpassa muito pela ideia de conseguir se colocar no lugar do outro".

Referências

BOTEGA, N. Crise suicida. Porto Alegre: Artmed, 2015.

ZANA, A. R. de O. & KOVÁCS, M. J. O psicólogo e o atendimento a pacientes com ideação ou tentativa de suicídio. Estud. pesqui. psicol., Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 897-921, 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v13n3/v13n3a06.pdf.

Texto de minha autoria





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