quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Avaliação retrospectiva: autópsia psicológica para casos de suicídio - Blanca Guevara Werlang

"O mundo em que vivemos está voltado para o progresso e para a produtividade. Neste contexto, a morte por suicídio estabelece um contra-senso, um paradoxo. É algo que choca e impressiona mais, porque coloca em evidência uma situação psicológica mais difícil de se aceitar - que é o fato do indivíduo optar livremente pela própria morte." (p. 196)

"O principal problema [...] é saber como predizer que indivíduos, potencialmente suicidas, vão transformar suas fantasias e/ou ideações em atos concretos. [...]
Entretanto, segundo a literatura, há uma possibilidade de chegar à compreensão do suicídio (ato de se matar intencionalmente) através de exames retrospectivos. [...]" (p. 196)

"A avaliação retrospectiva possibilita, então, observar pistas diretas ou indiretas relacionadas àquele comportamento letal que estava por vir, permitindo, através do método que se convencionou chamar de autópsia psicológica, compreender os aspectos psicológicos de uma morte específica, esclarecendo o modo da morte, refletindo a intenção letal ou não do falecido.

A autópsia psicológica foi desenvolvida no final da década de cinquenta, nos Estados Unidos, no Centro de Prevenção ao Suicídio (CPS) em Los Angeles. [...]
Portanto, em casos duvidosos, realizava-se o método de autópsia psicológica para se obter informações psicológicas valiosas para classificar com maior precisão o registro de suicídio no certificado de óbito, preenchendo uma lacuna, uma falha, na certificação da causa de morte." (p. 197)

"Assim, entendendo o suicídio como o ato de se matar intencionalmente e a autópsia psicológica como uma forma de avaliar, após a morte, o que estava na mente da pessoa antes da morte, pode-se conceitualizar a autópsia psicológica como um tipo de estratégia de avaliação retrospectiva, que tem como finalidade reconstruir a biografia da pessoa falecida por meio de entrevistas com terceiros (cônjuge, filhos, pais, amigos, professores, médicos, etc) e da análise de documentos (pessoais, policiais, acadêmicos, hospitalares, auto da necropsia, etc)". (p. 197)

"Há, pois, quatro questões básicas a serem respondidas na autópsia psicológica: 'Por quê?', 'Como?', 'De quê?' e 'O quê?'. E há quatro constructos subjacentes à estratégia da autópsia psicológica: motivação, intencionalidade, letalidade e precipitadores e/ou estressores.

  • Quanto ao foco de investigação
- Motivação (Por quê?)
Identificação das razões psicológicas para morrer, na área da conduta, do pensamento, do estilo de vida e da personalidade como um todo.

- Intencionalidade (De quê?)
Papel consciente do próprio indivíduo no planejamento, na preparação e na objetivação da ação destrutiva.

- Precipitadores e/ou estressores (O quê?)
Fatos ou circunstâncias que acionariam o último empurrão para o suicídio.

- Letalidade (Como?)
Identificação da escolha do método e grau do autodano.

  • Quanto às áreas exploradas
Funções cognitivas
Características de personalidade
Transtornos psicopatológicos e respectivo tratamento
Uso ou abuso de substâncias
Relações interpessoais
Padrões de ajustamento e dados policiais
História familiar
Problemas de saúde e/ou tratamentos médicos
Dados acadêmicos e profissionais
Aspectos socioeconômicos e ambientais

  • Quanto à época de coleta de informações
Vida pregressa
Últimos anos
Últimos meses
Últimas semanas
Últimos dias
Últimas horas

  • Quanto aos objetivos
Identificar:
- O modo de morte, por motivos forenses
- O grau de intencionalidade e a letalidade
- Indícios premonitórios do suicídio em verbalizações e comportamentos
- Fatores de risco de suicídio
- Fatores psicodinâmicos
- Eventos precipitadores do suicídio

Implementar:
- Apoio aos familiares
- Pesquisa para entendimento do suicídio



"Pode-se, de certa forma, dizer, como expressa Selkin (1994), que a 'autópsia psicológica é para a suicidologia como uma entrevista é para o desenvolvimento da ciência da psicologia' (p. 74). Dessa forma, a autópsia psicológica tem demonstrado ser útil como instrumento de pesquisa e avaliação clínica". (p. 201)



       
Referência:
Blanca Guevara Werlang 
"Avaliação retrospectiva: autópsia psicológica para casos de suicídio"
In: Psicodiagnóstico V - Jurema Alves da Cunha e colaboradores   



  

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