domingo, 24 de abril de 2016

Compreensão do suicídio na visão de três correntes psicológicas: Teoria Psicanalítica, Teoria Sistêmica e Existencial-Fenomenológica

Autores: 
Lenir Rodrigues Minghetti 
Lilia Aparecida Kanan

RESUMO: A elaboração do presente artigo objetivou promover uma discussão de cunho teórico acerca do suicídio. Estudar a morte por suicídio é uma tarefa árdua e difícil, pois é um tema que gera indiscrições, especulações e expectativas e, principalmente a ansiedade do pesquisador em contribuir com o desvelar desta realidade, para expondo-la objetivamente por meio de esclarecimentos, via estudos sistemáticos e científicos para encontrar soluções que amenizem o seu impacto ou evitem a sua concretização. O suicídio, do ponto de vista psicológico, é um fenômeno desafiador para diversas correntes teóricas. Contemos de 10 a 15 idéias na cabeça e, ninguém tem muito mais do que isso no pensamento; e giramos diariamente horas e horas, em função destes 15 pontos. “O que quer dizer que depois de cinco anos de girar em torno disso, ninguém mais agüenta se ouvir”. Deste modo, o indivíduo, chega a um ponto de não agüentar mais as idéias, os pensamentos negativos e acaba com a sua dor, tirando a vida, e assim o suicídio é apensa a confissão de que a existência “não vale à pena”. Deste modo este artigo apresentará entendimentos do suicídio na visão de três correntes psicológicas: teoria psicanalítica, teoria sistêmica e existencial-fenomenológica. Como conclusão é imperativo expor que a psicologia possui recursos técnicos que podem minimizar as reincidências e o impacto social ocasionado por esta demanda.

PALAVRAS-CHAVE: Vida. Morte. Finitude. Psicologia. Existência.

Alguns recortes do trabalho:


"CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA PARA O SUICÍDIO
Dentro de uma visão psicanalítica, o suicídio é uma situação psicótica, que pode ser
observada na dinâmica do sujeito suicida, aparecendo fantasias inconscientes primitivas que corroboram com os fatores desencadeantes do ato suicida. Segundo D’Assumpção (1984), nem toda a pessoa que tenha ou cometa o suicídio é psicótica, mesmo com a sintomatologia carregada de internações, tentativas anteriores, surtos, etc. A psicose atuaria no suicídio em determinados núcleos e componentes psicóticos de personalidade, que podem permanecer inativos e neutralizados, porém em determinados momentos emergem, de modo súbito, brusco e violento, como de modo mais lento e gradual (D’ASSUMPÇÃO et.al, 1984)."

"CONCEPÇÃO SISTÊMICA PARA O SUICÍDIO 
Toda pessoa está diretamente ligada aos outros membros de sua família, sociedade e, deste modo, os problemas individuais não teriam um sentido apenas, mas sim, uma função no contexto mais amplo de onde surgiram. “A perspectiva sistêmica entende o comportamento suicida como uma manifestação de um problema familiar e não exclusivamente como resultado de uma dificuldade individual” (WERLANG et.al., 2004, p.85).

"Segundo Werlang et.al (2004), o processo que leva o indivíduo ao sofrimento psicológico que pode culminar ou não no suicídio, pode ser resultado de uma consciência que não encontra uma alternativa viável para livrar-se da dor. Este processo, geralmente, envolve quatro aspectos: instabilidade familiar, angústia crescente, rompimento dos relacionamentos sociais e insucesso nos esforços para resolução de problemas. "

"CONCEPÇÃO EXISTENCIAL-FENOMENOLÓGICA DO SUICÍDIO
Para Angerami (1997), o suicídio é hoje a expressão radical de uma crise de despersonificação. Esta auto-agressão possui matizes incontáveis. Com seu comportamento, o possível suicida manifesta o veredicto que decretou seu fracasso social; não existindo um lugar para ele, por meio da morte redime seu ser da frustração de ser.

[...]  a morte pode ser uma escolha. O significado dessa escolha é diferente, de acordo com as circunstâncias e com o indivíduo (experiências subjetivas), e muda de acordo com o movimento existencial, pois este não é estático. “Um analista preocupa-se com o significado individual de um suicídio, que não faz parte das classificações. A conclusão ampla que o analista pode tirar desses relatos variados é a seguinte: o suicídio é uma das grandes possibilidades humanas” (TRIPICCHIO, 2010, p.122)."

Leia o artigo na íntegra em:




domingo, 17 de abril de 2016

Suicídio Indígena

O fenômeno suicídio não só mobiliza as emoções coletivas de uma sociedade, como adquire uma dimensão política, ideológica e social em torno da perspectiva de vida, já que muitas vezes diversos fatores de contexto não permitem que essa perspectiva seja desenvolvida plenamente.

O suicídio nas populações indígenas – em especial aquelas que possuem altas taxas, talvez as maiores do Brasil, como os Guarani Kaiowá – é altamente significativo como expressão do mal-estar social, mas essa situação não é exclusiva dos povos indígenas. Esse fenômeno é observado em diversos setores sociais no país. 

O suicídio indígena apresenta taxas elevadas no Canadá, Estados Unidos, Noruega, Austrália, Nova Zelândia e Brasil. A questão é que, na diversidade dos modelos econômicos, políticos e sociais desses países, apresenta-se a característica
comum de que os indígenas se suicidam de dez a vinte vezes mais que a população em geral. É significativo que a maioria destes suicídios se observe na população jovem, predominantemente masculina, mas também é possível enxergar altas taxas de suicídio feminino a partir dos 10 anos de idade.

Na maioria das vezes isso é atribuído a fatores culturais, como um caráter imputado pela sociedade majoritária. No entanto, isso requer uma melhor definição sobre a questão da cultura, que deve ser contextualizada nas condições materiais de vida em que o suicídio acontece com alta incidência.
Isso permite compreender melhor como as culturas interpretam os modos de morrer e sua correlação com as perspectivas de vida em economias de subsistência e de confinamento nas “reservas”. Além disso, é preciso ver a profundidade do fenômeno em termos psicológicos em um tipo de população que não tem uma Psicologia exclusivamente centrada no indivíduo. Esses povos possuem um modo de vida com maior interdependência coletiva, que define uma maneira de se vincular, de como se elaboram as emoções e de como se constroem os fenômenos em torno dos eventos da vida e da morte.

Entre os Guarani Kaiowá, o corpo do suicida deve ser retirado o mais rápido possível para evitar a exposição pública, especialmente das crianças. No caso dos jovens que reproduzem o ato suicida, e ainda que muitos desses jovens não necessariamente compartilhem os paradigmas de sua tradição cultural, é entendido socialmente que existem impulsos de morte estimulados pelo espírito do suicida que visita os familiares – ou fala com os amigos para não ficar na solidão e solicita sua companhia para a passagem a outro mundo. Por esses princípios, os rituais funerários do suicida diferem de outros óbitos considerados como naturais.

A magnitude da perda tem uma intensidade que está relacionada segundo
o vínculo mantido entre o suicida e as pessoas com as quais ele se relaciona,
isto é, a intimidade, intensidade do relacionamento, frequência do contato,
ou os tipos de ambivalência mantidos durante o vínculo. Os modos de morrer
também influenciam o processo de luto, por exemplo:

O impacto de uma morte inesperada ou esperada segundo as manifestações
prévias da pessoa (expressão de ideações de morte, tentativas de suicídio, condutas de risco etc.);

A consideração social de que uma morte é natural ou não natural. Na perspectiva da cultura Guarani Kaiowá, o suicídio é sempre considerado como uma morte não natural já que, na maioria dos casos, é atribuída à intervenção da feiticeira como modelo explicativo. Segundo relatos de sobreviventes às tentativas de suicídio, a morte provocada seria um ato natural de passagem para “a terra sem mal”, o ideal de mundo na cosmovisão dessa cultura;

O método ou o tipo de violência utilizada pode variar entre a utilização de químicos (drogas ou venenos) até as armas de fogo. Entre os Guarani Kaiowá o método mais frequente utilizado é o enforcamento ou a sufocação (estrangulamento das vias aéreas com cadarços, roupas,com a pessoa posicionada de joelhos e as cordas ou outros meios fixados em objetos de baixa altitude).

O impacto da perda acontece de maneira imediata nos familiares e amigos em todas as sociedades. Esse impacto é mais evidente nos óbitos por suicídio comparados com outros tipos de morte. Esse é um fenômeno multiforme, complexo, construído e manifestado social e culturalmente.

Na pósvenção realizada no caso do suicídio indígena ou dos homicídios, devem ser considerados certos aspectos particulares:
A evidência empírica demonstra que a sequência temporal entre os casos acontecidos na mesma família gera um impacto imediato. Consequentemente, consideramos que a pósvenção deva ser realizada no máximo nos 15 dias após o evento. Ainda que em termos gerais se mencione que os indígenas são impulsivos, o processo de construção da morte leva muitos anos, com uma série de sintomas e sinais muito sutis e, muitas vezes, sem nenhum tipo de manifestação significativa;
A escuta é fundamental porque geralmente o jovem indígena tem voz e escuta limitada entre os adultos e tem um limitado apoio sobre o que ele espera;
A pósvenção deve incluir um tipo de apoio físico ou corporal, já que a relação entre a Psicologia e o paradigma cultural da concepção de espírito é de fundamental importância. Essa situação de conflito se expressa no corpo, especialmente na síndrome cultural conhecida como Nhemerõ – termo que pode ser traduzido como “dor de romper o coração”, ou seja, o sofrimento psíquico é simbolizado no órgão que expressa as emoções;
A questão do tempo (o suicídio acontece geralmente durante a noite) e o espaço (aconteceram casos em que o ato suicida é realizado no lugar onde seu irmão ou parente foi assassinado, ou perto do domicílio) representam que o ato de morrer é um ato simbólico que reúne um espaço de morte essencialmente familiar;
As particularidades emocionais observadas em conflitos familiares ou de atos de censura como a humilhação pública do jovem possuem uma ressonância de uma maneira tão significativa que pode ser causa ou motivo de suicídio.


Carlos Coloma in "O Suicídio e os Desafios para a Psicologia"
Conselho Federal de Psicologia. - Brasília: CFP, 2013.


domingo, 3 de abril de 2016

Autópsia psicológica: compreendendo casos de suicídio e o impacto da perda

Tese de Mestrado de Tatiane Gouveia de Miranda
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Tavares
Brasília /DF - 2014

Disponível em:
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/16392/1/2014_TatianeGouveiaMiranda.pdf

"Compreender o impacto da perda e o processo de luto de quem perdeu algum ente por suicídio é um grande desafio com elevada profundidade e complexidade. A literatura é enfática ao pontuar que essa população constitui um grave problema de saúde pública. O maior problema de saúde pública não reside na prevenção do suicídio nem do manejo das tentativas de suicídio, mas no alívio do estresse daqueles que têm suas vidas modificadas pelo suicídio, que contabilizam milhões de pessoas no mundo." (p. 10)

"No contexto do suicídio consumado, uma ferramenta bastante útil para ajudar na compreensão desse fenômeno é a avaliação retrospectiva da personalidade, mais conhecida como autópsia psicológica. Nessa situação, ela auxilia na obtenção de informações sobre o suicídio e, dependendo da sua estrutura, pode aprimorar o conhecimento sobre a vivência dos sobreviventes do suicídio.

A autópsia psicológica, que é um tipo de avaliação psicológica, envolve dois procedimentos principais: 1) entrevistas com informantes, pessoas que possam fornecer dados relevantes, que conheciam a vítima, como esposa ou marido, parentes, amigos, namorados, empregados, profissionais que acompanharam o falecido como psicólogo, psiquiatra, clínico geral, entre outros; e 2) coleta e análise de documentos relevantes, como prontuários, registros clínicos, diários pessoais, nota de suicídio, se houver" (p. 12) 

"Áreas de investigação da autópsia psicológica para Shneidman (1981)
1- Identificação da vítima
2- Detalhes da morte
3- Breve esboço da história da vítima
4- História das mortes que aconteceram na família
5- Descrição da personalidade e do estilo de vida da vítima
6- Padrões típicos de reação ao estresse, a emoções incômodas e períodos de
desequilíbrio
7- Estressores, tensões ou antecipação de problemas recentemente
8- Papel do álcool n estilo de vida e no método do suicídio
9- Natureza dos relacionamentos interpessoais
10- Fantasias, sonhos, pensamentos em relação à morte, acidentes ou
suicídio
11- Mudança nos hábitos ou rotinas antes da morte
12- Informações relativas a aspectos vitais da vítima
13- Avaliação da intenção
14- Avaliação da letalidade
15- Reações dos informantes à morte da vítima
16- Comentários ou particularidades do caso" (p. 33)

Veja que interessante um dos casos apresentados, com toda a construção e articulação da pesquisadora:


"CASO BEN 

Ben morreu em 2013, com 26 anos. Tinha o ensino superior completo, morava com os pais, possuía três irmãos. No período anterior ao suicídio, estava estudando para concurso público. Ben se enforcou em seu quarto, durante o início da manhã de segunda. 
Os entrevistados são a mãe e o pai de Ben. [...]
As entrevistas aconteceram depois de cinco meses da morte do filho. 

[...] CARACTERÍSTICAS DA VÍTIMA E GRAU DE INTIMIDADE ENTRE VÍTIMA E ENTREVISTADOS 
Ben foi descrito como tendo sido uma criança muito alegre, ativa e sorridente. Quando adulto gostava muito de brincar, sendo considerado pelos entrevistados como hiperativo, por sua característica de sempre buscar por atividades que o entretivessem, apresentava dificuldade em ficar sentado e para se concentrar em atividades, como estudar. A mãe relatou que ele reclamava bastante de ter que cumprir suas responsabilidades. Ben tinha habilidades com os relacionamentos interpessoais, era comunicativo e extrovertido. “Ele sempre foi uma criança bem ativa, assim hiperativa, brincalhona ... sempre foi uma pessoa muito alegre, o tempo todo, não tinha hora nenhuma que ele não estivesse alegre com os amigos, com a namorada, com os parentes” (Pai). “Ele sempre foi uma criança de sorrir muito, sabe? Ele sorria muito, mas ele chorava muito, ele reclamava muito, ele brigava mais. Ele gostava muito de festa, de brincar ... E ele gostava muito, muito de brincar, era muito sociável com todo mundo” (Mãe). [...] Quando o pai o descreve como tendo personalidade, o faz no sentido de que Ben fazia o que queria fazer e não aceitava ser contrariado. [...]

FATORES CLÍNICOS DA VÍTIMA 
Afetividade e comportamento 
Nos três meses anteriores ao suicídio, o humor de Ben foi descrito como depressivo e irritável. Também estava mais quieto e preocupado. “A gente via que ultimamente ele estava mais preocupado, mais triste, mas uma coisa assim comum, para pessoas que estão estudando para concurso” (Mãe). [...]

PRECIPITADORES E ESTRESSORES 
Não houve relato de nenhum evento precipitador/estressor imediato que tenha acionado Ben para o suicídio. Havia relatos de uma cobrança de Ben em relação a sua expectativa de passar em um concurso. Ele havia passado o dia anterior em uma festa com amigos. Pode-se perguntar o que ocorrera nesta festa: Ele recebeu algum “fora”? Sentiu-se rejeitado? Teve alguma situação de humilhação? Encontrou algum colega com sucesso ou expectativa positiva de sucesso? [...]

COMPORTAMENTOS SUICIDAS 
No dia anterior ao suicídio, Ben fala ao amigo sobre como deveria ser o seu sepultamento. Ao chegar em casa, ele expressou que estava sofrendo muito e queria que esse sofrimento terminasse, apresentando a fala de que queria dar um tiro na cabeça para pôr fim aos seus problemas. “... ele chegou em casa chorando, chorando ... Ele falou: Não, tem hora que dá vontade de comprar um revólver e dar um tiro na cabeça, que acaba com esses problemas todos. Falei: Que isso cara? Que história maluca é essa? Aí ele... Começamos a conversar outras coisas lá e ele: Não, pai, desvia o rumo da conversa não. Falei: Não estou desviando, eu estou tentando contemporizar, porque você falando um troço desses” (Pai). “Ele falou com um amigo dele ... Pois é no dia do meu sepultamento eu não quero ninguém chorando. Eu quero todo mundo com uma latinha na mão. Uma cerveja na mão. E no outro dia de manhã ele...” (Mãe). “Nesse dia inclusive que ele chegou em casa ele falou: “Olha pai, tem muitos amigos que tem, e colegas que tem inveja de mim, porque eu tenho tudo em casa. Tenho todo apoio, tem tudo” (Pai). Nota-se que Ben já apresentava um planejamento para morrer, ao falar para o amigo sobre como gostaria que fosse o sepultamento. [...] 

MÉTODO DO SUICÍDIO: LETALIDADE, PLANEJAMENTO E INTENCIONALIDADE 
Ben se enforcou em seu quarto. Ele faleceu pela manhã, no período em que a família ainda estava dormindo. “Eu que encontrei. Eu ouvi quando ele levantou, era uma seis e meia da manhã. Aí eu levantei, não quis acender a luz do quarto, e fui até a cozinha ver ele. As horas... Eram 6:35. Eu vi quando ele foi ao banheiro, quando ele foi na cozinha ... Aí quando deu quinze para as sete, eu escutei quando ele fechou a porta, depois eu escutei um outro barulho... deu 7:30 e ele não tinha aparecido na cozinha ainda. Eu falei: Aconteceu alguma coisa, eu vou lá ver o que está acontecendo. Eu falei: Será que ele voltou para a cama e dormiu? Eu cheguei lá, ele estava morto e enforcado” (Mãe). [...]

IMPACTO DA MORTE NOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO 
Falar sobre o suicídio dos filhos foi um momento de muita comoção. Em ambos os relatos houveram pausas, choros contidos e expressos. Observa-se que essa experiência é traumática e terrível, afetando a vida dos envolvidos de diferentes maneiras. “Eu não sei nem se tem como descrever isso aí [o impacto da morte]. É ... de uma hora para outra você vê uma... Você convive... O cotidiano ali ... Aí de uma hora para outra, sem mais nem menos, a pessoa deixa de pertencer ao convívio com a gente. Então, essa experiência é terrível” (Pai). “Tem dia que ás vezes eu acordo assim com nó, parece que já está tranquilo a situação. Mas, tem dia que... Mas é isso aí. E a gente está levando a vida” (Pai). “Olha o que eu quero é não sentir essa saudade, porque no resto eu acho que a gente vai conciliando ... Agora a saudade não tem jeito” (Pai). 125 “Eu ainda tenho muita dificuldade de entrar no quarto dele, olhar pela janela aonde ele amarrou o cinto. Para mim foi muito difícil. Eu não sei assim, se eu estou cultivando muito a perda do Ben, ou se é normal passar pelo o que eu estou passando” (Mãe). [...]

Durante a entrevista, a mãe buscou saber se o que ela estava passando era normal, se naquele momento ela já não deveria estar melhor, o que denota que além da vontade de que a dor diminua, existe a influência da cultura nos rituais e no próprio processo de luto individual. A nossa sociedade demanda que o luto seja rápido. Além disso, o estigma associado ao suicídio faz com que o modo da morte seja ocultado. “O que eu posso dizer é que não é muito fácil encarar e tolerar um pai, uma mãe que perdeu um filho nas condições que nos perdemos. Nas pessoas, a gente sente que as pessoas até evitam” (Mãe). 


“E a gente procurando saber o que foi que a gente fez de errado, o que quê deixou de fazer, né? Então, é esse tipo de coisa que hoje martiriza a gente né” (Pai). “... tudo assim, eu acho que eu tinha que ter feito mais” (Mãe). “... até o que você deixou de dizer, hoje a gente se cobra” (Mãe). “... a gente não alcançou o Ben, as coisas que a gente fez, a gente não alcançou ... a necessidade dele, as angústias dele, sabe? ... Queria ter alcançado” (Mãe). “... eu acho que deveria ter chamado ele para conversar e ter sido mais amiga, sabe? Eu sempre acho que talvez isso tenha sido uma falha” (Mãe). 


REAÇÕES DOS ENTREVISTADOS EM RELAÇÃO À ENTREVISTA E OUTROS COMENTÁRIOS 
A experiência da entrevista despertou variados sentimentos nos entrevistados. Em alguns momentos, os entrevistados ficaram abalados por estarem falando sobre esse tema tão delicado, necessitando que a pesquisadora lidasse com a demanda que surgiu, deixando o roteiro da entrevista. Entretanto, os entrevistados em nenhum momento quiseram parar com a entrevista. Quando indagados, reafirmaram o desejo de continuar. Esse fato evidencia que a entrevista mobilizou temas difíceis e ansiogênicos, mas por outro lado abriu espaço para se falar abertamente sobre o tema, funcionando como oportunidade de catarse e de resolver dúvidas que os angustiavam. Os entrevistados ressaltaram a necessidade de contribuir para auxiliar outros sobreviventes de suicídio. “... eu quero contribuir, porque de repente o que eu estou falando aqui vai servir para outros casos, sabe? Vai ajudar outras pessoas” (Mãe). “Espero que a gente tenha contribuído com o seu trabalho e que isso possa servir para família, né?” (Pai). Alguns outros comentários foram feitos referentes à necessidade de que grupos de suporte para sobreviventes de suicídio fossem criados e que houvesse divulgação na mídia sobre medidas preventivas para o suicídio, alertando possíveis riscos para que as pessoas pudessem identificá-los. “Hoje eu não sei como é que vocês têm grupos de famílias, que estão na mesma situação da gente e que, se vocês tem assim uma... Uma ideia de formar algum grupo, alguma coisa para direcionar e inclusive, sei lá, programas de televisão, esclarecer para famílias, que igual nós fomos ignorantes na condução disso aí, para que elas fiquem alertas para esse tipo de coisa, e de repente correr a tempo né, antes que aconteça isso né” (Pai). A fala desse pai remete a uma questão imprescindível do suicídio: a necessidade de que políticas públicas sejam elaboradas para prevenir o suicídio, ou mesmo a disponibilização de suporte para lidar com esse tipo de perda. Diversos organismos como a Organização Mundial de Saúde reiteram essa necessidade, postulando o suicídio como uma questão de saúde e segurança pública."

Recomendo a leitura do trabalho na íntegra. Texto muito bem escrito, uma pesquisa muito rica.