domingo, 30 de outubro de 2016
http://www.b9.com.br/67133/podcasts/mamilos/mamilos-82-suicidio/
Pecado, egoísmo, exibicionismo, fraqueza, tabu. O suicídio é uma tragédia secreta de números impressionantes. Desde 2014, setembro foi eleito o mês de prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo. Um mês para falar, discutir e aprender a acolher esse que talvez seja um dos nossos maiores tabus. Até porque, sofrimento, dor, desesperança e medo não desaparecem quando empurrados para baixo do tapete. Falar é um passo importante para o processo de cura e para ressignificar o sentimento de quem ficou para trás, sem nem saber como nomear a sua dor.
Para conduzir a conversa com muita sensibilidade trouxemos o psiquiatra Fe Duarte e a voluntária do CVV Pinheiros Silvia Conceição. E contamos com participações muito especiais: Elaine Alves, psicóloga, pós doutorando do Instituto de Psicologia da USP, Tiago Zortea, psicólogo e pesquisador na Universidade de Glasgow, Paula Fontenelle, jornalista e autora do livro “Suicídio, futuro interrompido” e Larissa Vasques, mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília e voluntária da CVV.
Essa é uma conversa que entendemos que gere resistência, porque ninguém quer ter. Mas que é necessária e foi feita com muito cuidado para representar as vozes dos sobreviventes. E pra ser um farol em tempos escuros, sempre a um clique de quem precisar.
Vem de coração aberto, taca-lhe o play nesse Mamilos.
domingo, 23 de outubro de 2016
Primeiros socorros em Saúde Mental
"[...] a ASEC publica esta semana a tradução de um guia, baseado no programa Mental Health First Aid (Primeiros Socorros em Saúde Mental), com passos para os “primeiros socorros” de pessoas com transtornos mentais ou em situação de crise emocional. Você também pode ser um “socorrista em saúde mental” com estes passos e ajudar alguém próximo!
DIGNIDADE EM SAÚDE MENTAL
Por: Betty Kitchener, presidente da “Mental Health First Aid Internacional”
Para tornar a dignidade em saúde mental uma realidade, cada membro da sociedade precisa trabalhar coletivamente para tornar a saúde mental visível e não algo para se envergonhar. As pessoas precisam saber que as doenças mentais são doenças assim como as demais. E precisam saber como reconhecer problemas de saúde mental em uma pessoa e como oferecer-lhes ajuda. Elas não precisam ser profissionais de saúde mental para ter essas habilidades de primeiros socorros.
Na Austrália, o programa de Mental Health First Aid (MFHA – Primeiros Socorros em Saúde Mental) foi desenvolvido para ensinar as pessoas leigas a reconhecer e ajudar outras pessoas que estão desenvolvendo problemas de saúde mental ou que estão em uma situação de crise emocional. O plano de Ação MHFA dá orientações sobre como as pessoas podem fazer isso. Este Plano de Ação, o conteúdo de um curso presencial de 12 horas e de um curso misto (educação à distância e presencial) foi baseado em extensa pesquisa, que estabeleceu um consenso entre as opiniões especializadas de pacientes com doença mental, seus familiares e profissionais de saúde mental.
(…)
AÇÃO 1: Aproxime-se da pessoa, avalie e dê assistência à qualquer crise
A primeira tarefa é aproximar-se da pessoa, estar atento a quaisquer crises e ajudar a pessoa a lidar com elas. Os pontos chave são:
Converse com a pessoa sobre as suas preocupações
Encontre um tempo e espaço adequados em que ambos se sintam confortáveis
Se a pessoa não iniciar uma conversa com você sobre como está se sentindo, você deve dizer algo a ela
Respeite a privacidade e confidencialidade da pessoa.
Um socorrista de saúde mental precisa estar atento e ajudar com qualquer eventual crise, tal como:
A pessoa tenta prejudicar-se (por exemplo, por tentativa de suicídio, usando substâncias para se intoxicar ou se lesionando sem intenções suicidas);
A pessoa experimenta sofrimento extremo (por exemplo, um ataque de pânico, um evento traumático ou um estado psicótico grave);
O comportamento da pessoa é muito perturbador para os outros (por exemplo, eles se tornam agressivos ou perdem contato com a realidade).
Se o socorrista não acredita que a pessoa esteja em crise, ele pode perguntar como a pessoa está se sentindo e há quanto tempo se sente assim.
AÇÃO 2: Ouça sem julgamentos
É importante ouvir sem julgamentos em todos os momentos quando atuando como socorrista em saúde mental. Ao ouvir, qualquer julgamento sobre a pessoa ou a sua situação precisa ser colocado de lado, e não expresso. A maioria das pessoas que estão experimentando emoções e pensamentos angustiantes querem ser ouvidos empaticamente antes que sejam oferecidos opções e recursos que possam ajudá-los. Ao ouvir sem julgamentos, o socorrista precisa adotar certas atitudes e empregar habilidades de escuta não verbais que:
Permitam que o ouvinte possa realmente ouvir e entender o que está sendo dito a eles, e
Tornem mais fácil para a outra pessoa sentir que pode falar livremente sobre seus problemas sem ser julgada.
AÇÃO 3: Dê apoio e informação
Uma vez que uma pessoa com um problema de saúde mental se sentiu ouvida, pode ser mais fácil para o socorrista oferecer apoio e informação. O apoio oferecido neste momento inclui suporte emocional, tal como empatia com o que a pessoa sente e oferecer a esperança de recuperação, e ajuda prática com as tarefas que podem parecer insuperáveis no momento. O socorrista também pode perguntar para a pessoa se ela gostaria de algumas informações sobre problemas de saúde mental.
AÇÃO 4: Incentivar a pessoa a buscar ajuda profissional adequada
O socorrista também pode informar a pessoa acerca de todas as opções disponíveis para ajuda e apoio. Uma pessoa com problemas de saúde mental geralmente têm uma melhor recuperação com a ajuda profissional adequada. No entanto, eles podem não saber sobre as várias opções que estão disponíveis para eles, tais como medicação, aconselhamento ou terapia psicológica, apoio aos membros da família, assistência com objetivos vocacionais e educacionais, e assistência com renda e alojamento.
AÇÃO 5: Incentivar outros suportes
Incentivar a pessoa a usar estratégias de autoajuda e buscar o apoio da família, amigos e outros. Outras pessoas que sofreram problemas de saúde mental também podem fornecer ajuda valiosa na recuperação da pessoa.
Há evidência significativa de que MHFA pode ensinar às pessoas habilidades para ajudar os outros e tornar-se mais receptivos e menos estigmatizante em suas atitudes. Uma meta-análise dos principais ensaios de avaliação demonstra que MHFA aumenta o conhecimento dos participantes acerca da saúde mental, diminui suas atitudes negativas e aumenta os comportamentos de apoio para com os indivíduos com problemas de saúde mental. O programa MHFA parece recomendável para ação de saúde pública.
Como resultado, o programa se espalhou por toda a Austrália e outros 23 países: https://mhfa.com.au/our-impact/international-mhfa-programs
O que precisamos é que todas as pessoas em comunidades ao redor do mundo tenham as habilidades para reconhecer e ajudar as pessoas que estão desenvolvendo problemas de saúde mental, e não pensar que apenas profissionais de saúde mental podem ajudar. Obter ajuda nas fases iniciais de qualquer doença geralmente dá um resultado muito melhor. Os cursos de primeiros socorros são comuns em muitos países. Nós precisamos da mesma oferta de cursos de primeiros socorros em saúde mental.
Os cidadãos podem criar uma comunidade com mais apoio e carinho para com as pessoas com problemas de saúde mental, intervindo precocemente de modo que a pessoa consiga obter um bom suporte e acelere sua recuperação. Isto irá contribuir para o avanço da causa da “Dignidade em Saúde Mental” globalmente.
É importante cuidar de si mesmo
Depois de fornecer primeiros socorros em saúde mental para uma pessoa que está em perigo, você pode sentir-se desgastado, frustrado ou mesmo irritado. Você também pode precisar lidar com os sentimentos e as reações que você deixou de lado durante o encontro. Pode ser útil encontrar alguém para conversar sobre o que aconteceu. Se fizer isso, porém, você precisa se lembrar de respeitar o direito da pessoa à privacidade; se você falar com alguém, não compartilhe o nome da pessoa que você ajudou, ou quaisquer detalhes pessoais, que poderiam torná-los identificáveis para a pessoa que você escolher para compartilhar."
http://www.asecbrasil.org.br/blog/primeiros-socorros-em-saude-mental/
domingo, 16 de outubro de 2016
O último adeus _______________ Cynthia Hand
Sinopse:
“Desculpa, mãe, mas eu estava muito vazio.” – Tyler
A autora de fantasia que está encantando leitores com a força de sua escrita lança seu primeiro romance contemporâneo – uma trama comovente e impactante situada nos dias de hoje. Depois de sucessos internacionais como a saga Sobrenatural, Cynthia Hand demonstra todo o seu talento numa história sobre perda, culpa e superação. O Último Adeus é narrado em primeira pessoa por Lex, uma garota de 18 anos que começa a escrever um diário a pedido do seu terapeuta, como forma de conseguir expressar seus sentimentos retraídos. Há apenas sete semanas, Tyler, seu irmão mais novo, cometeu suicídio, e ela não consegue mais se lembrar de como é se sentir feliz. O divórcio dos seus pais, as provas para entrar na universidade, os gastos com seu carro velho. Ter que lidar com a rotina mergulhada numa apatia profunda é um desafio diário que ela não tem como evitar. E no meio desse vazio, Lex e sua mãe começam a sentir a presença do irmão. Fantasma, loucura ou apenas a saudade falando alto? Eis uma das grandes questões desse livro apaixonante. O Último Adeus é sobre o que vem depois da morte, quando todo mundo parece estar seguindo adiante com sua própria vida, menos você. Lex busca uma forma de lidar com seus sentimentos e tem apenas nós, leitores, como amigos e confidentes.
Cynthia Hand divide seu tempo entre o sul da Califórnia, onde vive com o marido e o filho, e o sudeste de Idaho, perto das Montanhas Teton. Escritora best-seller do New York Times, Hand dá aulas de escrita criativa na Universidade de Pepperdine. Na mesma linha de Os 13 Porquês (Jay Asher) e Se eu Ficar (Gayle Forman), O Último Adeus é o seu primeiro romance contemporâneo. “Um romance emocionalmente complexo e poderoso que permanece com os leitores muito tempo após fecharmos o livro. Brilhante e ao mesmo tempo de estilhaçar de dor, com vida e esperança.”
Atenção. Contém spoilers.
Indicado por uma amiga, este é um dos livros mais interessantes sobre o processo de perda dos sobreviventes. Com certeza, parte da sua força e da sua delicadeza surgem da experiência pessoal da escritora:
"Meu irmão se matou em 1999. Ele tinha 17 anos e estava no terceiro ano do ensino médio; eu tinha 20 anos e estava no terceiro ano da faculdade. Eu sinto saudade dele todos os dias. Estes são os fatos.
Dito isso, quero deixar claro que este romance é uma obra de ficção. Meus fatos não são o que acontecem nestas páginas. [...]" (p. 348).
Um trecho a respeito de uma consulta de Alexis com seu psicoterapeuta:
"Dave é um cara legal. Não sei ainda para que ele é realmente bom, além de ser uma maneira errada de a minha mãe sentir que está fazendo algo por mim nesse momento de necessidade. Como se a vida não fosse ficar uma droga agora, independentemente do que aconteça. Mas não importa. Meu irmão morreu. Não estou falando muito, e não estou saindo com meus amigos, e não estou sendo a Lexie normal que todos esperam.
Então, está claro que eu deveria fazer terapia.
Assim, eu fico na sala de Dave por trinta minutos até conseguir pensar em algo produtivo a dizer. Até agora, ele está bem com isso - deixa que eu fale quando estiver pronta [...]
Certo. Tivemos uma discussão na semana passada.
Porque eu contei a ele sobre o buraco em meu peito. Sobre como tenho a impressão de que vou morrer nas vezes em que o buraco aparece. Que estou morrendo de medo que esses momentos aconteçam cada vez mais, e de que eles durem cada vez mais tempo, até que eu só sinta o buraco, e então, talvez ele me engula para sempre.
Pensei que tinha sido corajoso da minha parte me confessar. Eu estava tentando me abrir para ele. Eu estava tentando fazer o que se tem que fazer.
Eu queria que Dave me dissesse era que o buraco é horrível, sim, totalmente horrível, mas que é normal, e que vai melhorar, não piorar, e que não vou morrer, pelo menos ainda não. Vai doer por um tempo, mas eu vou viver.
E então, eu tentaria acreditar nele.
Mas o que ele disse foi: 'Podemos receitar um remédio para você'.
[...]
Eu disse: 'Você quer me dar antidepressivos?'
Ele falou que os antidepressivos com terapia tradicional formavam uma combinação muito eficiente.
Eu perguntei: 'Você acha que estou deprimida?'
Ele tossiu. 'Acho que você passou por algo muito difícil, e o remédio pode facilitar um pouco as coisas'.
'Compreendo. Você já leu o livro Admirável Mundo Novo, do Huxley?', perguntei.
Ele piscou algumas vezes. 'Não, acho que não.'
'É sobre uma sociedade no futuro na qual haverá uma droga chamada soma que deixa todo mundo feliz', expliquei. 'Essa droga conserta tudo. Não está satisfeito com o trabalho? Não tem problema. Se usar soma, nada te perturba. Sua mãe morreu? Tome soma, e tudo vai ficar ótimo.'
'Alexis', disse Dave. 'Estou tentando ajudar. O que você está falando sobre esse buraco mais parece uma descrição de ataque de pânico ...'
'Mas aí está', falei. 'Aquela sociedade futurística na qual todo mundo é drogado para ser feliz, o tempo todo, independentemente do que aconteça, é horrível - monstruosa, até -, é como o fim da humanidade. Porque temos que sentir coisas, Dave. Meu irmão morreu, e eu tenho que sentir'.
(p. 42-45).
Outro trecho impactante, que mostra a complexidade das marcas que ficam nos sobreviventes, é quando Alexis conversa com sua mãe em uma viagem para Graceland. Lexie foi aceita no MIT e propõe que a mãe se mude com ela para um novo lugar.
"Se minha mãe fosse para Massachussets comigo, não seria como eu pensei, com as conversas de fim de noite no quarto e passeios com grupos de amigos. Mas poderia ser melhor: porque, assim, minha mãe não estaria sozinha, e poderíamos escapar de Nebraska e do que aconteceu na nossa garagem. Não teríamos que voltar nunca mais. Poderíamos começar do zero. Nós duas.
'Minha vida acabou', diz ela de novo.
[...]
'Sua vida não acabou. Isso é babaquice'.
Ela arregala os olhos. 'Alexis. Olha como fala'.
'É babaquice', repito para enfatizar, e dessa vez, consigo dizer com convicção. [...] Se tem alguém que vai viver até os cem anos é você. Então, pare de dizer que sua vida acabou. Não está nem na metade. E sim, seu filho morreu, e é terrível, e dói, mas não é sua culpa. E sabe de uma coisa? Todo mundo morre e todo mundo perde pessoas amadas - todo mundo - e isso não é desculpa para você morrer ... Amo você, e preciso que você seja minha mãe, e preciso que você tenha uma vida. Então, supere.'" (p. 240)
Um evento como esse de fato pode afetar muito as famílias. E a personagem fala de diferentes vivências ... da complexidade de sentimentos que podem surgir ... de diferentes formas ...
Em seguida, ela tenta expressar seus sentimentos em relação ao irmão.
"Espero. [...] Até jantarmos. Até minha mãe dormir. Então, desço para o quarto de Ty. [...]
Ele não está aqui. Mas quero que esteja.
' Quero conversar com você' digo. 'Ty'.
'Vamos. Não podemos fugir, certo? Era o que você estava tentando me dizer hoje? Que você sempre vai ficar aqui, no banco de trás. Seu cheiro. Sua sombra. Sua memória. [...]
'Você é egoísta', digo à escuridão. 'Sabia disso? Você é a pessoa mais egoísta que conheço. Você nem pensou em como isso afetaria a mamãe, não é? [...] " (p. 244)
Outra face do sentimento da personagem é de culpa pelo que aconteceu. Na noite em que seu irmão se matou, Alexis estava com o namorado e recebeu uma mensagem de texto do irmão. E não respondeu. E passou a se culpar por isso. E terminou o namoro em seguida.
E durante o processo de luto, quase no final do livro, ela escreve uma carta para Steven, seu ex-namorado.
"Preciso contar sobre aquela noite. Sei que você já sabe os detalhes. Você estava lá. Mas preciso que veja as coisas pela minha perspectiva, para que entenda por que fiz o que fiz.
[...]
Puxei sua cabeça para beijá-lo de novo, mas meu telefone vibrou de repente.
Eu o peguei e olhei.
Era uma mensagem de texto.
Não contei a você de quem era. Não disse 'É o meu irmão.' Não contei o que estava escrito.
Durante todo esse tempo, nunca contei a ninguém.
Mas vou contar agora.
Estava escrito: Ei, mana, pode conversar?
Aqui é a parte em que a realidade se mostra para mim, a parte em que desliguei o celular e o afastei de mim, e voltamos a nos beijar.
Mas existe uma versão alternativa do que aconteceu naquela noite. Sempre haverá, para mim. [...] Nessa realidade - que eu sei que não é uma realidade, mas uma fantasia, um desejo, uma oração que não foi ouvida - Ty me conta o que preciso saber. Que ele está triste. Que está preso no presente. Que não consegue ver além. Que perdeu o futuro.
Então, digo a ele que ele é forte o bastante para superar a tristeza.
Digo a ele que não quero viver neste mundo louco sem ele, e digo que preciso dele.
[...]
Digo que o amo.
E o fato de eu dizer essas coisas basta para matar os demônios dele.
E ele sobrevive àquela noite.
Ele vive.
No entanto, em vez disso, desliguei o telefone e beijei você. [...]
Olhei para você e pensei: Isso é culpa sua. [...]
Se eu não estivesse tão envolvida nas emoções que sentia por você, nas emoções impraticáveis, eu teria respondido à mensagem.
[...]
Agora, compreendo que ninguém poderia ter salvado o Ty, além dele mesmo. Não há mais ninguém a culpar. Nem você. Nem eu. Ty tinha as rédeas nas mãos.
Compreendo isso agora, racionalmente.
Meu coração ainda quer a máquina do tempo. Terei que fazer meu coração nos perdoar por aquela noite.
Consigo perdoar você com muito mais facilidade do que consigo perdoar a mim mesma" (p. 329-336)
Quase no final, Lexis tem um último sonho com seu irmão, Tyler. Eles jogam uma partida de cartas.
'Então, o que você quer, se ganhar?', pergunta ele.
Olho em seus olhos castanhos. Quero responder àquela mensagem a tempo, penso. Quero salvar você. Mas acima de tudo está: 'Quero ter uma chance de dizer adeus. Não consegui. Você não me deu isso'. (p. 343).
Enfim, uma leitura sensível e que traz muitas reflexões.
domingo, 9 de outubro de 2016
Quem avisa não está blefando
Se alguém fala em se matar, é preciso dar atenção e não deixar a pessoa sozinha, dizem especialistas
PUBLICADO EM 04/09/16 - 03h00
JOANA SUAREZ
Se uma pessoa falar que vai se matar, acredite, apoie e não a deixe sozinha. Essa foi, talvez, a lição mais repetida à reportagem por psicólogos, psiquiatras e pessoas que perderam parentes. Expressões como “quem fala não faz” ou “cão que ladra não morde” são mitos sociais que andam lado a lado com o tabu do suicídio. A amiga de Raquel*, 45, falou tantas vezes que se mataria nos últimos anos que ninguém acreditava que isso ocorreria: Jaqueline* tentou quatro vezes com remédios, drogas e se jogando do carro, até que, há poucos meses, na quinta tentativa, ela conseguiu. “Não deu tempo de acudi-la”, expôs Raquel.
Jaqueline morreu um mês e meio antes de completar 42 anos. Quando jovem, sofria com sua indefinição sexual e começou a usar drogas, conta Raquel. Ela chegou a ter uma vida estável, mas perdeu tudo. O tratamento para depressão não progredia. Raquel a ouvia por horas, até de madrugada. “É um negócio que suga a gente, eu só podia ouvir, mas não podia sentir por ela. A família já não tinha mais paciência. Se eu conhecesse mais sobre isso, talvez pudesse ter feito alguma coisa”, desabafa Raquel, acrescentando, emocionada, ainda “esperar as ligações” de Jaqueline.
O psiquiatra Humberto Corrêa afirma que o suicida quase sempre conta que está pensando em se matar, e é um erro não prestar atenção às ameaças e aos sinais. Segundo ele, “mais ou menos 20% da população, em algum momento da vida, vai pensar em suicidar-se, mas não quer dizer que vá fazê-lo”.
Para o professor de psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Nilson Berenchtein Netto, existem pessoas que vivem as mais diversas situações, mas só encontram como alternativa tirar a própria vida. “Quais são as condições de vida e de saúde delas?”, questiona.
A transexual Fernanda Tolotto, 26, não queria “viver o resto da vida” de um jeito que ela não se reconhecia. Em 2009, ela tentou se enforcar, mas o telhado arrebentou. Em 2012, cortou os pulsos. Nas duas vezes, havia sido iludida de que conseguiria fazer a cirurgia de redesignação sexual. Ela continua na fila de espera da operação, fazendo tratamento hormonal e terapia psicológica. “Meu sonho é sair da sala de cirurgia uma nova pessoa. Mas jamais tentarei me matar de novo”.
Já Kátia*, 34, decidiu suicidar-se por acreditar que não suportaria o fim do primeiro relacionamento homossexual, que a fez mudar radicalmente de vida. Ela abandonou o noivo para investir na mulher pela qual se apaixonou, mas o “sonho” durou seis meses. “No dia do término, tudo perdeu o sentido em fração de segundos. Num ato impensado, comprei veneno de rato e fui para a igreja, desafiando Deus por ter me deixado viver aquilo. Foi minha primeira relação de amor, meu primeiro orgasmo”. Kátia foi socorrida pela amiga com quem falava ao telefone na hora. Passado o susto, a família a levou para tratamento diário em clínica psiquiátrica durante um mês, período que ela define ser uma lacuna na vida, pois não se lembra de nada. “Tenho muita mágoa, mas entendo eles terem feito isso”.
Após dez anos daquela decisão, Kátia, que já tinha recuperado sua rotina, enfrenta a morte de seu pai, um grande amigo. O pensamento suicida foi, então, retomado, mas agora, em suas palavras, seria uma “autoeutanásia”. “Eu tinha uma dor incurável. Comecei a planejar cada passo da minha morte, até que encontrei, por acaso, a psicóloga com quem me consultava antes. Olhei para ela e falei: ‘eu preciso de você’”. Ano passado, Kátia tatuou no braço: Acredite-se.
*Nomes fictícios
Saiba mais
Segunda. Nesta segunda (5), O TEMPO traz outra reportagem sobre o tema, falando mais de prevenção, percurso suicida, rede de tratamento e onde buscar ajuda.
Repetição. Uma das razões pela qual se deixou de escrever e noticiar suicídios é o risco de repetição. No século XVIII, um romance do alemão Goethe (“Os sofrimentos do jovem Werther”) trazia um protagonista suicida que teria “inspirado” a morte de diversos jovens, provocando o “efeito Werther”.
Análise. Especialistas, porém, avaliam que abordar o suicídio, as formas de prevenção e os números alarmantes é necessário e não determina outras mortes. “Na verdade, é uma censura. É como impedir que se fale sobre sexualidade na epidemia da Aids”, afirma a psicóloga Fernanda Marquetti.
História
A morte autoprovocada era vista como o pior dos pecados – nos antepassados, proibia-se que o suicida fosse enterrado em cemitérios cristãos. Também chegou a ser considerada crime de assassinato, com punições como confiscar os bens da pessoa que morreu, arrastar em praça pública e condenar quem tentava se matar. Foi santo Agostinho que, no século IV, criou a palavra suicídio (homicídio de si). Apenas no século XX, a Igreja Católica passou a aceitar o suicida por acreditar que ele se arrependia no último momento e era doente mental. As mudanças, porém, ainda não foram suficientes para afastar a rejeição em torno do assunto.
Diferenças
Estimativas mundiais mostram que os homens representam a maioria das mortes autoprovocadas, mas são as mulheres que mais tentam. A explicação se dá porque eles costumam usar meios mais agressivos, e elas buscam tratamento, falam mais o que sentem. Para Fernanda Marquetti, esses dados indicam que o suicídio está relacionado a uma série de circunstâncias socioculturais. “As diferenças de como homem e mulher se matam envolvem o relacionamento masculino e feminino no mundo”. Ela cita também que as mortes podem estar relacionadas a situações extremas de sofrimento no trabalho, como ocorre na China, onde há jornadas exaustivas.
VERTENTES
Sintoma psiquiátrico ou questão social?
Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 98,5% das vítimas de suicídio tenham transtornos mentais – depressão, uso de drogas, esquizofrenia ou psicose. Sobre o restante (1,5%), não se chegou a uma conclusão. Estudiosos da psiquiatria e da psicanálise investigam fatores genéticos e biológicos para explicar as mortes autoprovocadas. “O suicídio vem sempre de uma doença mental. Mais ou menos 35% dos casos estão ligados a transtorno bipolar e a depressão”, afirma o psiquiatra Humberto Corrêa. Para ele, o tratamento rápido com medicamentos evitaria as mortes.
Outra corrente de especialistas aposta no fator social do suicídio, em que os remédios apenas mascaram o problema e não mudam a realidade que produz na pessoa o desejo de se matar. “Dizer que as pessoas estão se matando porque são loucas, é resolver o problema de uma forma individual, e, assim, a indústria farmacêutica lucra, essa que, inclusive, produz medicamentos que têm como efeito colateral a ideação suicida”, afirma o psicólogo Nilson Berenchtein Netto. Contra o que ele chama de “ideologia em cápsulas” e “naturalização do transtorno psíquico”, Netto propõe “criar outra forma de sociedade, que não seja baseada no capitalismo, na exploração e na propriedade privada”.
Na mesma linha, a professora de psicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que atua na rede de saúde mental Fernanda Marquetti arrisca dizer que, por ser visto como sintoma de doença psiquiátrica, a maior parte dos suicidas recebe esse diagnóstico, por isso o dado de 98,5%, coletado em hospitais.
“Mas o suicídio está no mundo. Pesquisas fora do hospital mostram que são pessoas comuns, donas de casa, trabalhadores. É uma manifestação de sofrimento humano, não de transtorno. Alguém que vive numa favela, trabalha oito horas, gasta cinco (horas) no ônibus, começa a beber e tenta suicídio, estava deprimido? Há uma banalização da depressão”, questiona. “Se tomar antidepressivo fosse eficaz, essa pessoa nunca tentaria suicídio”, conclui. (JS)
http://www.otempo.com.br/cidades/quem-avisa-n%C3%A3o-est%C3%A1-blefando-1.1365421
domingo, 2 de outubro de 2016
Depressão: um assunto muito sério
"Depressão não é tristeza, melancolia, desânimo, mal-estar. É tudo isso junto e uma profunda dor causada pela falta de perspectiva de que algo de bom vai acontecer e melhorar nossas vidas. Depressão é mais comum do que se imagina e tem tratamento. Não adianta dizer a um deprimido para reagir, sair da cama, sair das drogas, fazer algo para se sentir feliz. Estas pessoas precisam de ajuda profissional e, se possível, espiritual para controlar este processo de faltas: de hormônios que provocam prazer e tornam a vida produtiva e sociável, de uma sensação de amparo e proteção espiritual.
Eu tenho depressão desde criança. Ela é controlada porque busquei ajuda em todos os campos disponíveis e hoje convivo com ela de maneira amistosa: tenho uma vida produtiva, feliz, incomum, mas normal. Eu tenho ajuda espiritual, profissional e tenho a arte. Eu tenho amigos que me percebem porque me amam. Eu perdi amigos para a depressão. Eu perdi uma irmã também. Tenho perdido leitores. O índice de suicídio me assusta, mas me é altamente compreensível, pois, às vezes, nem a família sabe identificar ou lidar com esta doença. A gente não fica deprimido porque terminou um namoro: a gente fica triste. A gente não fica deprimido porque perdeu um emprego: a gente fica preocupado ou desorientado. A gente fica deprimido por uma profunda sensação de inadequação ao mundo, uma sensação de que não participamos ou pertencemos a nada. Certos fatores são apenas desencadeadores de uma dor muito mais grave: a existencial.
Vejo pessoas que estão tristes dizerem-se deprimidas e vice-versa. É preciso identificar e dar o nome certo a cada coisa. O fato de confundirmos estes sentimentos causa certa banalização da depressão. Vejo pessoas precisarem de ajuda urgente e darem cabo à própria vida porque ninguém as olhou atentamente a tempo de lhes oferecer uma ajuda adequada. Depressão é um luto por si mesmo em vida.
Enfim, este texto é apenas um pedido para que estejam atentos aos amigos, familiares, ao Outro com mais amorosidade e interesse profundo. Às vezes, identificada a doença, um deprimido não vai segurar na sua mão e caminhar até um profissional com você, talvez seja preciso que por um momento você o carregue no colo até que ele possa caminhar sozinho novamente. A questão é: quanto lhe custa a vida de alguém que você tem apreço?
Desejo boas notícias."
- Marla de Queiroz
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