Carta redigida e lida no enterro de Joel por seu irmão.
"Ele é nosso irmão caçula, ele é nosso irmão mais velho, ele é nossa irmã, mãe e pai. Ele é nosso melhor amigo e um completo estranho. Ele é nosso inimigo e nosso aliado, a raiva e a alegria, a tristeza e a indiferença. Ele é a confusão. Ele é uma tatuagem que nunca poderá ser removida.
[...]
Os caminhos deste mundo são tão cruéis quanto belos, e as balanças do universo são insondavelmente delicadas. A vida não significa nada, e no entanto significa tudo. Fazemos todos parte de um círculo infindável, no qual só há duas garantias, a morte e as mudanças.
Uma das maiores verdades é que a vida é sofrimento. É uma das maiores verdades porque, depois que realmente percebemos essa verdade nós a transcendemos. Depois que aprendemos que a vida é sofrimento e aceitamos esse fato, então a vida não é mais sofrimento. Uma vez aceito isso, o fato que ela é difícil não tem mais importância. Coisas que magoam nos instruem, e apenas pelo conhecimento da dor e da perda é que identificamos o inexplicável fenômeno do amor. O amor é grande demais para ser compreendido, medido ou limitado pela estrutura das palavras.
Não vou tentar descrever os sentimento que minha família e amigos tiveram e têm por meu irmão, nosso irmão, nosso filho. Mas o amor é risco, e o amor é dor. Ame qualquer coisa viva e ela perecerá. O preço do amor é a dor. Se não estivermos determinados a correr o risco de sofrer, então devemos deixar de lado muitas coisas: casar, ter filhos, o êxtase do sexo, a esperança da ambição, amizade, alegria e amor – tudo que dá existência a vida, sentido e significado.
Mude em qualquer dimensão, e a dor, bem como a alegria, serão sua recompensa. Uma vida plena,a qualquer instante, será plena de dor e de alegria. A essência da vida é a mudança. Escolha a vida e o crescimento e você escolhe a mudança, a perspectiva da morte. Não tema aquilo que você não entende.
Se pudermos viver com a informação de que a morte e nossa companhia constante, viajando sobre nosso ombro esquerdo, então ela poderá se tornar nossa aliada, ainda temível, mas sempre uma fonte de sabedoria. Com os conselhos da morte, a consciência permanece no limite de tempo de que dispomos para viver e amar, poderemos sempre ser orientados para aproveitar melhor nosso tempo e viver a vida plenamente.
Quando nos esquivamos da morte, a natureza sempre mutável das coisas, nos nós esquivamos inevitavelmente da vida. Assim, na morte, Joel, nosso irmão, nosso filho e aluno, tornou-se vida, pai, mãe e professor.
Quando estiver triste, olhe no fundo de seu coração e perceba que, na verdade, você está chorando por aquilo que lhe trouxe deleite. A coisa mais difícil de se lidar é a perda.
Erros e enganos existem apenas aos olhos do homem, mas no que concerne ao universo, eles nunca existiram e nuca existirão. Em seu próprio nível, os erros são o que são, mas a última palavra ainda será a do silêncio do universo em seu constante desenvolvimento.
Em sua confusão, talvez Joel não tenha percebido a magnitude de seus atos, mas do caos surge ordem e da confusão harmonia.
Nas palavras de Kahlil Gibran:
Pois, que é morrer senão expor-se, desnudo, aos ventos e dissolver-se ao sol?
E que é cessar de respirar senão libertar o hálito de suas marés agitadas, a fim de que se levante e se expanda e procure a Deus livremente?
É somente quando beberdes do rio do silêncio que podereis realmente cantar.
É somente quando atingirdes o cume da montanha que começareis a subir.
É quando a terra reivindicar vossos membros que podereis verdadeiramente dançar.
(O profeta, trad. De Mansour Chalita, Rio de Janeiro, Acigi, p.78).
A sensação de perda que minha família, minha irmã, minha mãe, meu pai e eu temos é indescritível, assim como a intensidade de nossa paixão. Não espere sentir essa dor para perceber a beleza do que temos e do que nos rodeia. A vida pode ser incrivelmente injusta e há perguntas que nunca serão respondidas. Infelizmente, a história não pode ser revertida. O tempo continua a deslizar rumo ao futuro; as coisas acontecem por motivos que só as forças do universo conhecem; não tente explicá-las, apenas as acompanhe. Supere o amor e a dor, exista em prol do homem.
Estamos orgulhosos de você, Joel. Adeus e até breve.
Aaron."
Carta publicada no livro "Depois do suicídio: apoio às pessoas em luto", de Sheila Clark.
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