domingo, 11 de fevereiro de 2018

A notícia, que de tão absurda pensei que fosse do "Sensacionalista" na primeira vez em que li: 

"Jovem comete suicídio em Curitiba após ser incentivado aos gritos de 'pula, pula!'
Depois de 50 minutos de negociações com o corpo de bombeiros, jovem de 17 anos se dispôs a descer da passarela de onde ameaçava se jogar. No entanto, um coral de ‘pula, pula’ encorajou o garoto, que abriu os braços e se atirou.
Um adolescente de 17 anos subiu em uma passarela da BR-116, em Curitiba, na manhã da última terça-feira, 6, com o intuito de cometer suicídio.

O Corpo de Bombeiros foi acionado até o local e iniciou uma negociação para que o jovem descesse. Diversas pessoas passaram a acompanhar o trabalho dos bombeiros.


Depois de cerca de 50 minutos, o garoto esboçou a vontade de descer do local, que possui altura de pouco mais de seis metros, segundo os bombeiros. No entanto, um coral de ‘pula, pula’ encorajou o jovem, que abriu os braços e se jogou".




E uma reflexão de Pablo Villaça:




"Quero que façam um exercício de imaginação comigo: coloquem-se no lugar, digamos, de um jovem de 17 anos de idade. Um adolescente inseguro, fragilizado, que - como tantos na mesma faixa etária - não sabe exatamente qual é seu papel neste mundo e enxerga com ansiedade crescente o peso da vida de adulto se aproximando. Há também o desequilíbrio químico que altera o padrão de funcionamento de seus neurotransmissores - substâncias como noradrenalina, serotonina, dopamina, que ele desconhece, mas que são instrumentais na maneira como ele se vê e ao mundo ao seu redor.

Há outras possibilidades que podemos acrescentar à realidade do garoto: bullying. Problemas de autoimagem. Solidão.

São muitas, as variações da dor. E ele provavelmente experimentava diversas delas: quando acreditava estar aprendendo a lidar com uma, outra o atingia pelas costas.

Nas redes sociais, seus colegas de escola postavam sobre festas, namoros, viagens. Pareciam ter vidas perfeitas - e ele era jovem demais para perceber que o Instagram é uma vitrine que anuncia produtos falsos em busca de likes. Faltava-lhe maturidade para compreender que, antes e depois do disparo da câmera, o autor da foto era alguém como ele, frequentemente perdido e confuso - e que a confiança e alegria extremas duravam apenas o átimo de segundo necessário para que imagem fosse capturada.

Aos poucos, o jovem foi sendo devorado pela dúvida e pela angústia. Ia dormir toda noite ansioso por saber que no dia seguinte teria que encarar as pessoas e o mundo. Este sofrimento, porém, mal se manifestava externamente, impedindo que aqueles que o cercavam notassem o que ocorria por trás de seus modos aparentemente habituais.

Até que, certo dia, algo arrebentou dentro dele. Uma última amarra que o prendia à sua autopreservação inata se desfez. Não conseguia encontrar forças para seguir como se toda aquela agonia fosse normal; e, se fosse, ele não queria mais senti-la.

Caminhou rumo ao viaduto que já havia atravessado inúmeras vezes, mas desta vez parou de andar no meio do caminho. Num impulso, sentou-se na balaustrada e atirou as pernas para o outro lado. Olhou para o asfalto, seis metros abaixo, e observou os carros que passavam sob seus pés em alta velocidade. Respirou fundo para reunir a coragem necessária para soltar a coluna que mantinha seu equilíbrio.

Mas um dos motoristas também viu o garoto. E, alarmado, pegou o celular e acionou a polícia, que, por sua vez, alertou o corpo de bombeiros.

Vinte minutos depois, enquanto o jovem ainda buscava uma forma de se obrigar a largar o apoio e a vida, duas pessoas se aproximaram cuidadosamente. Bombeiros; um homem e uma mulher. Com voz suave, tentando esconder a apreensão que sentiam, chamaram a atenção do rapaz. Perguntaram o que o afligia. Como poderiam ajudar.

A princípio, ele gritou para que se afastassem. Temeu que o agarrassem à força. Que o impedissem de fazer o que custara tanto a decidir. Contudo, também sentiu alívio. Sentiu certo calor ao constatar que alguém se preocupava com seu bem-estar - mesmo que por obrigação profissional. Eles perguntaram, como se realmente estivessem curiosos, se ele tinha hobbies, se gostava de cinema, se assistia a alguma série. Game of Thrones? Que coincidência, a moça uniformizada também! Ele não tinha curiosidade para saber como tudo terminaria? Qual era seu personagem favorito? Já tinha lido os livros?

No fundo, ele sabia que era uma estratégia para mantê-lo ali. Mas não podia negar que era bom estar falando com alguém sobre trivialidades que despertavam seu interesse e também sobre tudo que pesava em sua mente. Talvez... talvez.

Talvez.

Ele olhou para baixo e não conseguiu se imaginar destroçado no concreto. Não, mais importante: ele não quis imaginar. Não naquele dia. Não por enquanto.

Girou cuidadosamente o corpo para voltar para o lado seguro da balaustrada. E, neste instante, ouviu gritos. Muitos. Olhou para os lados e só então percebeu a pequena multidão que se juntara para acompanhar aquela cena dramática que surgira sem aviso em seus cotidianos desinteressantes. Várias daquelas pessoas berravam algo e, o mais estranho, pareciam estar rindo. O que elas estavam dizend...

"Pula!"

Elas estavam pedindo que ele saltasse. Que soltasse as mãos e se atirasse rumo à morte. E riam. Vários celulares estavam erguidos em sua direção, filmando o momento mais horrível de sua vida como se fosse mero entretenimento. Ele se transformara em um animal de circo, em uma aberração, em alguém cuja dor era aparentemente hilária. Conseguiu se ver viralizado no YouTube, convertido em meme, distribuído no Facebook como piada.

E então conseguiu se ver também no asfalto.

E pulou.

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Por motivos óbvios, o que aconteceu em Curitiba me feriu intensamente. Pensar em uma multidão pedindo que alguém salte de um viaduto, que se mate, é um atestado de como afundamos como espécie. A empatia parece estar dando lugar ao sadismo.

Se eu tivesse 17 anos em vez de 43, se estivesse num viaduto em vez de no Twitter, poderia ter permitido que o grito desumano de um estranho funcionasse como gatilho. Por sorte, não tenho, não estava e não permiti.

O tal Marcelo Nardi, que desejou que eu me matasse, segue ativo nas redes. (Falei sobre isso aqui, caso alguém tenha perdido: https://facebook.com/pablovillaca01/photos/a.252033761568524.45011.248620111909889/1323459777759245/?type=3)

E me sinto na obrigação de continuar a denunciá-lo não só pelo que fez, mas pelo que representa.

E quero dizer também aos companheiros afligidos pela depressão que nunca é tarde para voltar ao lado seguro da balaustrada. E que os gritos de uma multidão de animais devem sempre ser ignorados.

Vocês não estão sozinhos".

Pablo Villaça

https://www.facebook.com/pablovillaca01/posts/1326645597440663


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