domingo, 21 de abril de 2019

Quando um ente querido faz uma tentativa de suicídio

Reconheça seus próprios sentimentos
Quando alguém que você ama tenta tirar sua vida, pode evocar uma série de emoções fortes. 
Você pode sentir raiva, tristeza ou medo. 
Você pode estar ansioso com o futuro dessa pessoa querida. 
Você pode sentir como se você mesmo tivesse sofrido um trauma. 
É importante que você busque apoio e tome medidas para cuidar de si mesmo.

A recuperação é um processo
Meu ente querido está em casa no hospital. Isso significa que ele está melhor?
Incentive seu ente querido a continuar em acompanhamento (psicológico e psiquiátrico) e a comunicar quaisquer pensamentos de suicídio a eles.
Seja paciente e gentil. Não desanime com o que pode parecer um contratempo ou um progresso lento.
O processo de recuperação é diferente para cada um. A recuperação geralmente se estende por muito tempo além da hospitalização, e envolverá o apoio de profissionais, bem como amigos e familiares. 
Os primeiros seis meses após a hospitalização são especialmente críticos para a tentativa de suicídio da recuperação do sobrevivente, e o risco de suicídio permanece elevado durante todo o primeiro ano.

Esteja com ele
Um dos presentes mais poderosos que você pode oferecer neste momento é a sua presença. 
Mesmo quando você não sabe o que dizer, apenas esteja lá com seu ente querido. Nas primeiras semanas, ele precisa muito de apoio, e não de julgamentos ou críticas. 
Esta presença pessoalmente é melhor, mas há muitas maneiras de se conectar com a tecnologia - skype, telefone, mensagens de texto, redes sociais.
Durante a crise, seu ente querido pode pensar que está completamente sozinho ou  que é um fardo para você e para os outros que o amam. Mostre o quanto ele é importante e que existe esperança de que ele se sentirá melhor.

Um plano de segurança
Fale abertamente com seu ente querido. 
Pergunte a ele do que ele precisa e ajude-o a criar um bom plano de segurança - uma lista de estratégias que pode ser usada quando ele perceber que não está bem.

Um plano de segurança pode incluir:
  • Quais são os sinais de que ele não está bem?
Exemplos: Sente vontade de machucar-se; pensa em fazer uso de substâncias ilícitas para "aliviar a dor"; pensa que é um fracasso; isola-se; chora...
  • Estratégias que ele pode realizar sozinho para se sentir melhor
Exemplos: Passear com seu cachorro; ouvir suas músicas preferidas; fazer um exercício de respiração ou relaxamento ...
  • Pessoas para quem ele pode pedir ajuda
Exemplos: Nome e telefone de um familiar ou amigo de confiança; telefone ou site do CVV (Centro de Valorização da Vida - 188 ou www.cvv.org.br).
  • Onde buscar ajuda especializada   

Exemplos: Telefone do terapeuta; do psiquiatra; do CAPS ou hospital mais próximo.

Como você pode ajudar
Incentive seu ente querido a conversar com seu terapeuta / psiquiatra sobre o desenvolvimento de um plano de segurança. 
Incentive-o a cuidar de sua saúde, com uma alimentação saudável e exercícios, bem como sono regular.
Ajude-o a identificar maneiras de apoiar sua recuperação, como reduzir sua carga de trabalho, permitir que outras pessoas ajudem com as responsabilidades diárias e socializá-las com pessoas que dão suporte (como grupos de apoio).
Incentive-o a se envolver em atividades de autocuidado e relaxamento, como meditação, passar tempo na natureza e ouvir músicas que ajudem a regular seu humor.
Pergunte aos profissionais  como você pode ajudar a tornar seu ambiente mais seguro e tome medidas para reduzir o acesso a meios letais, como remover ou armazenar com segurança armas de fogo e medicamentos.

Texto adaptado do original: "When a Loved One Has Made an Attempt"




domingo, 14 de abril de 2019

Artigo: Arriscar morrer para sobreviver Olhar sobre o suicídio adolescente

 ESTRATÉGIA DE DESESPERO VS ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA

"Os comportamentos de risco surgem como meio de afirmação, por perturbação ou para ir mais além. Procuram-se sensações cada vez mais fortes, vertiginosas, onde a emocionalidade se joga nos limites da vida, despertando reações profundas, contraditórias, tanto de pavor como de prazer quase absoluto, na ausência, quase total, de referenciais consigo mesmo e com a vida (Rodrigues, 1997). 

Luta-se por uma identidade, arrisca-se, às vezes com enorme perigo. Sendo o risco juvenil glorificado, as condutas auto-destrutivas revelam tentativas de dominar a morte, com o sonho íntimo da(na) imortalidade. Assim, o gesto suicida é, em simultâneo, um grito desesperado e um anelo de sobreviver (e.g., Blackburn, 1982; Hanus, 1998; Oliveira, 2001; Sampaio, 1991, 2000; Schneidman, 1981). 

«A autodestruição surge após múltiplas perdas, fragmentos de dias perdidos ao longo dos anos, rupturas, pequenos conflitos que se acumulam hora a hora, a tornar impossível olhar para si próprio. O suicídio é uma estratégia, às vezes uma tática de sobrevivência quando o gesto falha, tudo se modifica em redor após a tentativa. E quando a mão, certeira, não se engana no número de comprimidos ou no tiro definitivo, a angústia intolerável cessa naquele momento e, quem sabe, uma paz duradoura preenche quem parte. Ou, pelo contrário e talvez mais provável, fica-se na dúvida em viver ou morrer, a cabeça hesita até ao último momento, quer-se partir e continuar cá, às vezes deseja-se morrer e renascer diferente» (Sampaio, 2000, p. 152)".

http://www.scielo.mec.pt/pdf/aps/v19n4/v19n4a03.pdf


domingo, 7 de abril de 2019

Saiba por que devemos parar de dizer que alguém “cometeu suicídio"

As palavras têm mais força do que muita gente pensa, e elas são mais importantes ainda quando se trata de saúde mental. Frases aparentemente inofensivas que dizemos no dia a dia podem causar problemas para pessoas vulneráveis. Um exemplo disso é “cometeu suicídio.”  Essa é uma expressão que muitas pessoas ainda utilizam naturalmente, tanto na imprensa quanto em conversas comuns, mas que pode ser mais prejudicial do que aparenta.

Embora o termo possa parecer inofensivo, ele é, na verdade, carregado de culpa e estigma. Tanto é assim que as diretrizes de relatórios delineadas por organizações de mídia e saúde mental são estritamente contra o seu uso.

“O termo ‘cometeu suicídio’ é prejudicial porque para muitas pessoas, se não a maioria, evoca associações com ‘cometeu um crime’ ou ‘cometeu um pecado’ e nos faz pensar em algo moralmente repreensível ou ilegal”, explica Jacek Debiec, professor do departamento de psiquiatria da Universidade de Michigan, nos EUA, especializado em estresse pós-traumático e transtornos de ansiedade, em matéria do portal Huffington Post.

A frase “cometer suicídio” também ignora o fato de que o suicídio é muitas vezes a consequência de uma doença não tratada, como depressão, trauma ou outro problema de saúde mental. Deve ser considerado da mesma forma que qualquer condição de saúde física, diz Reidenberg. “Você não pode cometer um ataque cardíaco. Em vez disso, você pode ouvir alguém dizer que “morreu de um ataque cardíaco”. Morrer por suicídio é o mesmo. Ao colocar a palavra ‘cometeu’, isso discrimina ainda mais aqueles que perderam a batalha contra uma doença”, complementa na mesma matéria Dan Reidenberg, diretor executivo da organização Suicide Awareness Voices of Education.

Reidenberg acrescentou que a melhor frase a ser usada é “morreu por suicídio”, uma vez que envia a mensagem de que a morte foi causada pela condição de saúde mental. 
Os especialistas defendem que isso é importante a longo prazo. Pode soar exagero se concentrar em apenas duas palavras, mas as escolhas de palavras – intencionais ou não – têm implicações muito mais amplas. Usar o vocabulário correto da saúde mental é crucial para eliminar estereótipos negativos ligados à doença mental e às conseqüências desses estereótipos agora e no futuro – pesquisas mostram que quando há estigma, as pessoas evitam procurar ajuda, o que poderia salvar vidas.

“O fato de que estamos tendo problemas em escolher palavras ao falar sobre suicídio reflete nossos problemas mais profundos com a compreensão da saúde mental em geral. A linguagem que usamos reflete nosso sistema de valores, conscientes e inconscientes. Usar uma linguagem preconceituosa ou degradante nos impede de reconhecer problemas de saúde mental, procurar ajuda e fornecer ajuda”, explica Debiec.

“As palavras têm consequências. Eu encorajo as pessoas que pensam que a linguagem em torno da saúde mental não é importante para pensar sobre suas próprias experiências quando sentem que o julgamento ou as palavras de alguém os ferem injusta e profundamente”, sugere Debiec.

Reidenberg enfatiza que é hora de começarmos a considerar o suicídio como um subproduto perigoso de uma condição de saúde que pode – e deve – ser evitada. “Isso, claro, requer tratamento. Mas também inclui prestar atenção às nossas palavras, para que aqueles que vivem com problemas de saúde mental sintam que não serão alienados por se manifestarem e procurarem apoio”, salienta.

Pessoas em primeiro lugar
O Instituto Internacional de Gerenciamento de Riscos (IRMI) vai além e sugere outras mudanças na forma de tratar pessoas que sofrem com o suicídio. “Usar “suicídio” como substantivo para descrever uma pessoa (“o suicida foi levado para o necrotério”) é considerado desumanizante e reducionista. Quando identificamos uma pessoa apenas por sua doença mental (“Ele é bipolar”), diminuímos a integridade desse indivíduo. Não diríamos: “Ele foi um ataque cardíaco”. Em vez disso, precisamos definir uma pessoa pela sua vida, não pela maneira da morte, e dizer: “Ele foi uma pessoa que morreu de suicídio; ele também adorava jogar golfe, preparar cerveja e escalar montanhas”. Ou: “Ela é uma professora, escritora e amante de animais que vive com uma condição bipolar”. Então, vamos colocar as pessoas em primeiro lugar e focar na sua resiliência. Em vez de ‘tentativa de suicídio’, podemos dizer ‘ele é uma pessoa que viveu uma tentativa de suicídio’”, sugere texto publicado no site da instituição.

“O teste decisivo para falar sobre suicídio é substituir a palavra “câncer” pela palavra “suicídio” para ver se a sentença ainda faz sentido ou se tem uma conotação negativa. Nós não diríamos “cometeu câncer” ou “câncer bem-sucedido” – simplesmente diríamos “morte por câncer” ou “morreu de câncer”. Assim, quando se trata de suicídio, devemos dizer ‘morte por suicídio’ ou ‘morreu de suicídio’”, complementa o texto.

Dan Heidenberg salienta o impacto do suicídio na sociedade americana. “O suicídio é uma grave crise de saúde pública. Mais pessoas morrem por suicídio do que por homicídios, acidentes de carro e câncer de mama. O suicídio é um problema real que deve ser levado a sério o tempo todo”, destaca. Ele afirma esperar que mais pessoas tenham mais compaixão com relação ao suicídio no dia a dia, e não apenas após um suicídio de alguém famoso.

No Brasil, as mortes por suicídio têm uma média menor do que a mundial, mas ainda assim são altas. Segundo matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 2018, há um suicídio a cada 45 minutos no país, enquanto no mundo alguém morre por suicídio a cada 40 segundos.

Na mesma matéria, o psiquiatra Jorge Jaber, membro fundador e associado da International Society of Addiction Medicine, especialista no tratamento de dependentes químicos salienta que o suicídio é a causa de morte mais facilmente evitável entre todas as doenças. “Enquanto doenças infecciosas, cardiovasculares e tumores precisam de grande aporte médico e cirúrgico de alto custo, o impedimento médico do suicídio pode ser atingido com remédios bem mais baratos e somente conversando com o paciente”.

“Vamos continuar trabalhando para evitar que tragédias aconteçam, celebrar aqueles que ainda estão vivos e fazer tudo o que pudermos para derrubar o estigma que cerca a saúde mental e o suicídio. É somente falando sobre isso que vamos conseguir que as pessoas se abram antes que uma tragédia aconteça”, defende Heidenberg.

Deixar a frase “cometer suicídio” cair em desuso é parte desse esforço e pode ser um pequeno passo, mas já é um avanço caso ajude que mais pessoas procurem ajuda com o fim do estigma. [Huffington Post, Estadão, IRMI]".

https://hypescience.com/por-que-devemos-parar-de-usar-a-frase-cometeu-suicidio/?fbclid=IwAR3WbGgooBVCmQd7cPCV4QL4y611F92t3QntKNh9gJevnXIJnPoP5qLQXZc