Em Santos existem três grupos, dois deles voltados a enlutados de suicídio
Lá está você vivendo sua vida e, de repente, ela chega sem avisar. Ela não leva em conta seus sentimentos, faz pouco dos seus projetos e mostra que você não tem controle sobre nada e nem ninguém. Falar sobre morte é um tabu para 73% dos brasileiros, é o que mostrou uma pesquisa inédita encomendada pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), em setembro de 2018. Oitenta e dois por cento dos entrevistados acham que não há nada mais sofrido do que a dor da perda de alguém.
Embora não seja possível comparar e nem mensurar a dor de pessoas que tenham perdido alguém amado, é comum escutar que o sofrimento é maior quando se trata de um filho. "Não é o curso natural da vida", dizem.
A psicóloga Juliana Matias, de 36 anos, conviveu com essa dor quando seu primogênito Henrique faleceu em 2013, oito dias após o nascimento. “Senti uma tristeza profunda, um vazio imenso. Mas também senti muito amor e gratidão por ser a mãe dele”, conta.
Para lidar com o trauma, Juliana passou a ler muito sobre luto e decidiu fazer terapia. “O enlutado vai sentir a perda até o fim da vida, mas acredito que falar sobre isso minimiza a dor”. E foi para oferecer um espaço às pessoas que também perderam seus filhos, independentemente de como isso ocorreu e da idade que tinham, que em 2017, ela criou junto a outros voluntários, o Grupo Lado a Lado, que promove encontros gratuitos sempre no último sábado do mês, das 10h às 12h, no Estúdio Lobo, na Vila Mathias, em Santos.
As reuniões costumam receber de cinco a dez pessoas, além de Juliana e de outras duas psicólogas com experiência no assunto. “Tem gente que não quer falar, só quer participar e estar junto de quem partilha da mesma dor e tudo bem. É um espaço sem julgamentos. O enlutado pode chorar, rir, colocar para fora suas angústias e falar o que vem à mente. O mais importante é que as pessoas saibam que existe um lugar em que possam buscar apoio”, observa.
A aposentada Cristina Miguel, 63 anos, é uma das mães que frequenta o grupo desde que ele foi criado. “Minha única filha se suicidou em 2013, aos 23 anos. Os encontros me ajudam a falar sobre minha saudade, porque nós, mães que perdemos um filho, seja por qualquer motivo, ainda mais por suicídio, ficamos muito isoladas. Os amigos desapareceram, assim como muitos familiares, então temos umas às outras”, desabafa.
Cristina também participa de um outro grupo de apoio, mas voltado a pais enlutados sobreviventes do suicídio. Juntamente ao oficial de justiça Ivo Oliveira, que em 2014 perdeu a filha de 18 anos, coordena o Luta em Luto, que também acolhe pessoas que convivem com pensamentos suicidas ou que já tentaram tirar a própria vida.
As reuniões ocorrem na primeira segunda-feira de cada mês, das 19h às 21h, na Subsede do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo (Sintrajud), na Vila Belmiro, em Santos.
Ivo também participa de encontros do Centro de Valorização da Vida (CVV), em São Paulo e do Instituto Vita Alere, que promove reuniões em Santos sempre na terceira segunda-feira do mês, das 18h às 20h, no bairro da Encruzilhada.
"Fora dos grupos somos julgados a todo instante. As pessoas perguntam como não percebemos que o familiar estava precisando de ajuda. Lembro que no começo, antes de ir para as reuniões do CVV, eu passava em frente a um viaduto e pensava em encerrar aquela agonia. Mas na volta eu não tinha essa sensação, estava fortalecido. Os grupos são uma forma que encontrei de viver melhor, dando significado à minha vida e à morte da minha filha”, constata Ivo.
Luciana Cescon, psicóloga voluntária responsável por trazer o Vita Alere para Santos em 2017 – o Instituto, fundado em 2013, também atua em São Paulo e no Rio de Janeiro – esclarece a principal diferença entre os grupos e a terapia individual. “Ouvir e acolher o outro ajuda também a se ouvir e a se acolher”.
Luto precisa ser vivido
Angélica Gawendo, psicóloga e professora universitária pós-graduada em Perdas e Lutos, acredita que o luto no mundo atual é um tabu pelo fato de a tristeza e o sofrimento serem vistos como coisas totalmente indesejáveis.
“É claro que o sofrimento não é gostoso, mas pode não ser ruim e nos fazer crescer. O luto é a dor pela perda de alguém que amamos, que tivemos a felicidade de ter na vida por algum tempo. Leva um tempo para a dor se transformar em saudade, só que hoje temos pressa. O luto precisa ser vivido e compreendido”, analisa.
Os grupos de apoio são muito mais procurados por mulheres do que homens, o que mostra que o machismo também influencia na questão. “Embora esteja mudando aos poucos, culturalmente o homem é menos incentivado a demonstrar seus sentimentos”, observa.
É comum que diante da morte seja difícil saber o que dizer ou o que fazer. Os entrevistados nesta reportagem foram unânimes em dizer que se deve ficar ao lado do enlutado, porém, sem julgamentos, dando a liberdade para que ele viva a situação como quiser ou puder. Estar disponível para compartilhar e vivenciar a dor é de grande valia para quem sofre.
Grupos de apoio a pais enlutados
Lado a Lado – último sábado do mês
Horário: 10h às 12h
End: Rua Luis de Camões, 12, Vila Mathias, Santos
Facebook: Grupo de Apoio Lado a Lado
Luta em Luto (sobreviventes do suicídio) – primeira segunda-feira do mês
Horário: 19h às 21h
End: Rua Adolpho Assis, 86, Vila Belmiro, Santos
Facebook: Luta em Luto
Vita Alere (sobreviventes do suicídio) – terceira segunda-feira do mês
Horário: 18h às 20h
End: Rua Barão de Paranapiacaba, 233, 5º andar, Sala B, Encruzilhada, Santos
Facebook: Vita Alere