Nota sobre a Lei 13.819/19, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação
e do Suicídio, publicada no Diário Oficial Federal em 24/04/2019 e sobre o estudo “O
suicídio e a automutilação tratados sob a perspectiva da família e do sentido da vida”
divulgado pelo Ministério das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos - Brasília: 2019
Por: Equipe do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio - 07/05/2019
Apoiamos as iniciativas que venham colaborar com a promoção da saúde mental,
intervenção na automutilação e na prevenção do suicídio e achamos fundamental que essas
questões sejam vistas e tratadas sob o viés da saúde pública, onde o suicídio deve ser
entendido como um problema de todos.
Não temos dúvidas quanto à importância e necessidade de um Plano Nacional e da
discussão aberta sobre os assuntos que tangem esse tema, e estamos esperançosos por
finalmente termos algo mais tangível nessa área tão urgente nos dias de hoje. Porém,
propomos algumas reflexões que consideramos essenciais para sua implementação e podem
contribuir com a ampliação dessa discussão:
● A promoção da saúde mental deve ser um objetivo amplo e irrestrito, fundamental
para estendermos o olhar para além do suicídio completo, buscando dissipar o
estigma que ainda existe em torno do assunto. Entendemos que deve ser resgatada
a discussão do conceito ampliado de saúde, a fim de que seja contemplada a
dimensão social no processo de saúde e doença. Dessa forma, consideramos
importante ressaltar que, para além de “garantir o acesso à atenção psicossocial das
pessoas em sofrimento agudo ou crônico” (inciso IV do Artigo 3º), o oferecimento de
suporte e o acompanhamento da saúde psíquica da família é fundamental para um
bom prognóstico dos casos que envolvam comportamentos suicidas, devendo esta
ser vista como fazendo parte da unidade de cuidados, não como culpada pelo
sofrimento da criança e do adolescente.
● Entendemos como positiva a discussão proposta pelo estudo em relação a
necessidade de melhorias nos dados epidemiológicos e da importância das
notificações, assim como da atualização das certidões de óbito após o fechamento do
inquérito que atestar o suicídio como causa de morte. A melhora desses dados é
essencial para no planejamento estratégico do plano nacional.
● Levando-se em conta que o desenvolvimento das ações preventivas deve ser contextualizado ao local em que serão implementadas, sob pena de não se mostrarem eficazes, é necessário que haja um aprofundamento dos dados coletados e divulgados pelo Ministério da Saúde (MS), no Boletim Epidemiológico de Setembro de 2018, por apresentar informações mais atualizadas do que as apresentadas pelo
Mapa da Violência, de 2014.
● A fim de que a lei possa contemplar o que ela se propõe, ponderamos que existem
definições importantes e que necessitam de uma conceituação mais transparente e
nítida. No inciso III do Artigo 3º, por exemplo, consideramos que é preciso conhecer a quais “fatores determinantes e condicionantes da saúde mental” a lei se refere, uma vez que estamos diante de fenômenos que são regidos pela complexidade e pela multifatorialidade, nas quais as relações de causa e consequência não são possíveis de serem encontradas.
● Apesar de fazerem parte da mesma tipologia de violência, o comportamento suicida e a autolesão são fenômenos que se diferenciam em alguns aspectos, o que nos leva a afirmar que, requerem diferentes ações para sua devida promoção de cuidado e prevenção.
●Considerando que o comportamento suicida também tem sido observado significativamente nos contextos universitários, chama a nossa atenção que o Ensino Superior não tenha sido contemplado no Plano, bem como a inclusão de disciplinas dessa temática nos cursos de graduação das áreas da saúde, educação e comunicação. É urgente que os futuros profissionais sejam capacitados e sensibilizados nessas questões.
● Diante da proposta do desenvolvimento de inteligência emocional, consideramos relevante sinalizar o quanto são distintas as realidades apresentadas pelas escolas públicas e privadas, nos preocupando a viabilidade de uma única proposta para abarcar esses dois universos tão diferentes.
● A dimensão psicológica das políticas públicas deve ir muito além da notificação, considerando os aspectos psicossociais envolvidos no bem-estar, autonomia e acesso às necessidades essenciais na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e na Atenção Básica à Saúde.
● Compreendemos que, no que se refere às notificações das violências autoprovocadas, por parte das escolas, estas deverão ser capacitadas e sensibilizadas como um todo, sendo um ponto especial dessa proposta o cuidado com a saúde mental dos educadores.
● Uma vez que fica estabelecido no inciso II do Art. 6° que as suspeitas ou confirmações de violência autoprovocada nas instituições escolares deverão ser notificadas compulsoriamente ao conselho tutelar, cabe delimitar qual será o papel do conselho tutelar nesse contexto e de que maneira poderá fornecer proteção a um indivíduo que é o autor e vítima da própria violência. A escolha da notificação ao conselho tutelar tende a judicializar e criminalizar o comportamento suicida e a autolesão, indo na contramão da compreensão que temos destes fenômenos. Assim, ressaltamos que será necessária a capacitação e a sensibilização dos conselheiros para esse tema de modo que a família não seja culpabilizada ou punida pelo comportamento suicida e de autolesão de seu ente, e de maneira que o indivíduo não tenha o seu sofrimento exposto.
● A proposta do trabalho voluntário como suporte principal para casos de depressão
parece desconsiderar que casos mais severos de saúde mental muitas vezes são caracterizados por falta de motivação, isolamento, desânimo e apatia, necessitando de um cuidado primário para que o sujeito possa, posteriormente, voltar-se para o outro. O acesso ao tratamento dos transtornos mentais e ações primárias, secundárias e terciárias de prevenção devem ser desenvolvidas uma vez que, segundo o Boletim Estratégico do Ministério da Saúde (2018), a existência de um CAPS (Centro de Apoio Psicossocial) no município pode reduzir em 14% o risco de suicídios.
● A instituição da cobertura de atendimento pelos planos de saúde nos casos de violência autoprovocada e tentativas de suicídio deve facilitar o acesso ao tratamento quando necessário, a sensibilização e capacitação dos profissionais da área da saúde, bem como a continuidade na ajuda, devem ser incluídas nessa proposta para que haja o acolhimento, atenção e cuidado específico nesses casos, tanto na rede privada, como na rede pública.
● A identificação dos grupos da população vulneráveis ao suicídio, como a população LGBTQI+, os militares, os idosos e os indígenas, por exemplo, devem receber atenção e planejamentos específicos. Salientamos que os fatores de risco e proteção, embora tenham questões coletivas, se entrelaçam com as singularidades dos sujeitos. Por exemplo, embora a religião seja fator de proteção em muitos casos, dependendo da forma como ela é aplicada ou suas crenças relacionadas aos transtornos mentais e ao suicídio, pode se tornar fator de risco para algumas populações ou promover
preconceito e julgamento ao invés de acolhimento para os sobreviventes enlutados.
● O estudo inclui a importância da mídia e da internet na prevenção do suicídio, indo ao
encontro do que as pesquisas na área sugerem, de que falar sobre o assunto nesses
meios, com os devidos cuidados respeitados, ajuda na prevenção do suicídio.
● Por estarmos falando de fenômenos complexos, consideramos ser necessária a
utilização de diferentes perspectivas dentro da área da suicidologia e de diferentes
áreas do conhecimento, a fim de se alcançar uma melhor compreensão e de se
estabelecer intervenções adequadas para os comportamentos suicidas e a autolesão.
O tipo de cuidado que se deve oferecer para esses casos não deve ficar restrito e
reduzido a uma única teoria, por mais que endossamos a necessidade de refletirmos
sobre o sentido de vida. São necessárias muitas ações para se lidar com indivíduos e
famílias com comportamento auto lesivo e/ou comportamento suicida, precisando
estar envolvidos profissionais de diferentes áreas, todos com capacitação adequada
para realizar uma abordagem técnica e sensível do tema.
● E por último, ressaltamos que um importante fator de proteção, constante dos estudos
das principais organizações internacionais, tal como a Organização Mundial da
Saúde, diz respeito ao indivíduo em sofrimento psíquico não ter acesso a métodos
que possam ser utilizados para colocar fim à própria vida. Sendo as armas de fogo
um dos meios mais letais e de mais difícil socorro, e por diversos estudos científicos
demonstrarem o impacto no número de casos em locais onde a posse de armas é
liberada, nos posicionamos contra quaisquer decisões que vão ao encontro da
facilitação da circulação destas.
Finalizamos salientando que a instituição da Política Nacional e de estudos em relação
ao tema são passos fundamentais para que o suicídio seja tratado como uma questão de
saúde pública e para que possa ser encarado com a devida importância que o tema suscita.
Reflexões são necessárias para que muitas mãos possam colaborar para a prevenção do
suicídio.
- Equipe Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio
https://vitaalere.com.br/nota-lei-prevencao-ao-suicidio-2019/
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