Trechos do capítulo que escrevi no II Volume do livro "Histórias de Sobreviventes do Suicídio", do Instituto Vita Alere.
"Quando fui convidada pela Karen Scavacini em 2016 para ser uma
das colaboradoras do Instituto Vita Alere, comecei a me aproximar
das vivências das pessoas enlutadas por suicídio que participavam dos
grupos de apoio e esta tem sido uma das experiências mais transformadoras da minha vida. Ao facilitar, junto à psicóloga Elis Regina
Cornejo, os grupos de apoio do Vita Alere que acontecem na Vila
Mariana (do início de 2017 até dezembro de 2018) e em Santos (de
2017 até o momento), pude perceber as especificidades do luto por
suicídio, mencionadas na literatura, porém muito mais profundas e
complexas na realidade (p. 28).
"Certa vez, ouvimos de um dos participantes a seguinte frase: “Somos
os amigos que não gostaríamos de ter”. Isto porque o fator universal que
os une é ter sofrido o impacto do suicídio de um ente querido. Porém,
uma vez que não é possível desfazer o que aconteceu, a maioria refere
o quanto se beneficia destes encontros nos quais é possível falar sem
medo de julgamentos, em um local no qual todos os sentimentos são
validados e acolhidos. Algumas pessoas que nunca participaram de
um grupo de apoio ao luto podem pensar que ouvir as histórias de
outros enlutados apenas aumentaria o sofrimento de cada um. Mas,
assim como um provérbio chinês ensina: “Uma alegria compartilhada
transforma-se em dupla alegria; uma dor compartilhada transforma-se em
meia dor”. Ao encerrar cada reunião, os participantes devem dizer algo
que expresse como eles estão saindo do encontro, e ouvimos na maioria
das vezes palavras como “Gratidão”, “Aliviada”, “Acolhido” e “Esperança”.
Uma parcela significativa dos participantes frequenta as reuniões
regularmente, portanto vão também criando laços entre si ao longo
dos encontros. Do sentimento de desamparo e tristeza de onde parecia
que não nasceria mais nada, surgem novas possibilidades de apoio,
solidariedade, compaixão e empatia.
Os membros de um grupo coeso sentem afeto, conforto e um
sentido de pertencimento no grupo. Eles valorizam o grupo e sentem que são valorizados, aceitos e amparados pelos outros
membros. (YALOM E LESZCZ, 2006, p. 62).
Tenho observado que ao contar sua história para os outros, a maioria dos enlutados consegue também ouvir-se. E um dos efeitos
mais positivos que identifico no grupo é o momento no qual um
sobrevivente enlutado acolhe a fala de outro e tenta acolhê-lo, sem
julgamento. Ao oferecer o melhor que existe em si mesmo para o
outro, muitas vezes o enlutado consegue posteriormente voltar este
mesmo olhar de compaixão para si mesmo. Também penso que é
uma experiência importante quando o sobrevivente, em meio à sua
dor, sente-se incapaz de ajudar alguém ou de ter algo ainda dentro
de si que possa ser doado ao outro; e, durante o encontro, muitas
vezes percebe que oferecer uma palavra ou um olhar para alguém
são gestos grandiosos, capazes de amenizar o sofrimento que é
compartilhado.
Estas experiências em grupo não poderiam ser vivenciadas na
terapia individual e oferecem uma outra forma de favorecer a elaboração do luto. Mais do que uma vivência terapêutica, trata-se de
uma experiência humana" (p. 61-62).
"Ao compreender que existe
uma parte de seu ente querido que permanecerá sempre viva dentro
de si mesmo, o enlutado vai aos poucos ressignificando sua perda.
Quando o sobrevivente enlutado começa a trazer em seu relato mais
conteúdos sobre o legado de quem partiu (memórias, histórias, saudades e adaptações graduais na vida que continua a seguir seu fluxo)
do que a forma como a morte aconteceu, compreendo que o luto está
sendo elaborado, no ritmo de cada um.
Como Fine (2018), alguns sobreviventes farão as pazes consigo e
com seu ente querido em nome do amor:
Eu nunca saberei o que ele estava pensando, há quanto tempo
tinha planejado sua morte, por que tirara a vida naquele
momento específico e, o que era mais doloroso, o que eu
poderia ter feito de diferente para salvá-lo. Aos poucos, comecei a compreender que, para aceitar sua morte e celebrar sua
vida, eu teria que perdoar nós dois pelo que tinha acontecido.
(FINE, 2018, p. 20).
Para finalizar, o que tenho aprendido com os sobreviventes enlutados
por suicídio é que nós, seres humanos, nos fortalecemos quando apoiamos um ao outro e que o amor realmente é mais forte do que a morte.
Sigo acreditando que o melhor da vida são os encontros" (p. 64).
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