domingo, 15 de março de 2020

História de sobreviventes do suicídio - Volume 2

"O suicídio segue como um tabu em nossa sociedade, sendo um tema pouco falado nas rodas de conversas entre amigos e familiares. Entretanto, esse silêncio em torno do tema não tem contribuído para a diminuição de novos casos. Ao contrário disso, sabe-se que não falar sobre o assunto implica diretamente em barreiras para a sua prevenção e não faz com que o suicídio deixe de ocorrer.
Representando um problema de saúde pública em nosso país, a cada 45 minutos uma pessoa coloca fim em sua própria vida. No mundo, o suicídio é responsável por uma morte a cada 40 segundos. E para cada suicídio ocorrido, cerca de 135 pessoas são impactadas de diferentes maneiras. Esses dados mostram a magnitude e importância de falarmos abertamente sobre este tema.
Neste segundo volume do Histórias de Sobreviventes do Suicídio apresentamos novas histórias de pessoas que lidaram com o comportamento suicida em algum momento de sua vida, de pessoas que perderam alguém querido por suicídio e de pessoas que perderam alguém por suicídio em sua prática profissional.
São as mais distintas histórias de pessoas que tiveram suas vidas marcadas pelo suicídio. Histórias que por vezes foram silenciadas, estigmatizadas e sufocadas devido o tabu e que, neste livro, encontraram espaço para sua expressão em forma de conto, poema ou crônica.
Estes fragmentos de vida, costurados aos capítulos introdutórios sobre estes temas carregam a potência de contribuir para o processo tanto das pessoas pessoas que escreveram suas histórias quanto de seus leitores, semeando esperança, compreensão e empatia.
Texto de Elis Regina Cornejo
Este livro traz histórias emocionantes e reais de pessoas que precisaram lidar ou lidam com o comportamento suicida, que perderam alguém ou trabalham com o tema. São os vencedores do II Concurso Literário Memória Viva, do Instituto Vita Alere. O livro pode ser baixado por pdf ou comprado impresso por R$20,00. Esse valor ajuda na impressão do livro e na divulgação do próximo concurso. Quanto mais pessoas falando sobre o assunto mais podemos mudar a forma como as pessoas veem, entendem e lidam com o suicídio.
Para fazer o download gratuito da versão em PDF do livro ou solicitar a versão impressa: 
Compartilho uma das histórias do livro:
"O peso da mala - Juliane M. C. Pazzanese
Quando eu tinha 12 anos ouvi pela primeira vez a palavra suicídio: uma colega de um colega se enforcou no quarto, disseram que quando a mãe a encontrou tocava, repetidamente no computador, a música Vejo flores em você da banda IRA. Passei a ouvir a música buscando um entendimento.
No ano seguinte um aluno da escola pulou do sétimo andar onde morava. Disseram que ele ligou para despedir do seu melhor amigo, que veio correndo, mas o encontrou já morto perto da portaria do prédio. Disseram também que ele deixou três cartas, uma para a mãe, uma para o pai e uma para a namorada. Sempre me perguntei o que tinha escrito, se haveria alguma explicação.
Algum tempo depois uma senhora pulou do alto do prédio que morava, na minha rua, trancou as crianças em casa e pulou. E eu passava em frente ao prédio e me questionava o motivo. Aos 14 anos pensei que o suicídio era uma solução, mas descobri que minha dor psíquica e emocional era menor do que a dor de cortar os pulsos, muito menor. Fui buscar entender onde havia falhado fazendo psicoterapia. Durantes as muitas sessões que aconteciam com o som do meu silêncio eu observava a janela do consultório que a psicóloga me atendia, no décimo sexto andar, e me perguntava se pular teria sido menos dolorido, se eu teria me arrependido no meio do caminho também.
Na psicoterapia descobri um olhar diferente para minha dor e para minhas perguntas. Muitos anos depois, me tornei psicóloga e fui atender.
No caminho me deparei com sobreviventes do suicídio, muitos deles. Coordeno um grupo de enlutados atualmente. Quase ninguém abertamente sobre o ocorrido. Alguns de fato relatavam como acidente. Outros levaram anos para falar sobre isso. E o que eu vejo ainda hoje neles: questionamentos. A grande maioria se questiona o porquê, se poderia ter sido evitado, onde falharam. Pelo caminho que fiz, eu acabei deixando para trás essa mala com questionamentos. Ela era muito pesada para ser carregada: A sociedade pede respostas, mas elas nem sempre existem ou nem sempre são claras e isso me causava uma sensação de impotência, de culpa. E isso é o que sinto que sobra para quem fica.
Em junho mais um adolescente pulou do prédio. Não fiz questionamentos acerca de sua decisão. Pensei em quem fica. Mês passado uma senhora pulou de um prédio próximo ao meu. Não passo mais na porta me perguntando seus motivos. Compreendi que os motivos são tão íntimos que eu jamais os entenderia.
Hoje questiono a prevenção: Até que ponto somos capazes de enxergar o que aquela pessoa estava tentando nos dizer? Reconheço a importância do esforço para capacitar profissionais e abrir os olhos da população, digo população, pois somos seres sociais e quem se mata não se mata sozinho: leva um pouco de cada pessoa que passou em sua vida e deixa um pouco na vida de um que teve contato com ele"(p. 111-112).




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