domingo, 31 de maio de 2020

Atendimento do Samu relacionado a suicídio cresce durante a pandemia

"O atendimento a casos de suicídio e de tentativa de suicídio aumentou com a pandemia de coronavírus. Essa é a avaliação dos socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) na capital paulista de acordo com Francis Fujii, seu diretor médico.

Mesmo que já fosse esperado um crescimento nesse tipo de chamado, devido à incerteza trazida pela covid-19 e à solidão favorecida pelo isolamento social, a situação não deixa de preocupar. Especialistas ouvidos lembram, contudo, que distanciamento físico não significa manter silêncio. Ainda mais na era dos aplicativos.

Apesar do Samu não contar com estatísticas sobre o tema, a avaliação de socorristas da capital é confirmada por outras bases do serviço, ouvidas pelo UOL, no litoral e no interior do estado. A reportagem solicitou dados à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, via Lei de Acesso à Informação, e aguarda resposta. O risco de suicídio em uma sociedade sob estresse não é problema de rico, ao contrário do que o equivocado senso comum aponta. "Aqui os casos atingiram principalmente pessoas de classes C e D", afirma um dos socorristas que constatou o aumento da incidência desses atendimentos no litoral.

"Temos ouvido muito sobre a falta de diálogo dentro de casa, situação aprofundada pela crise, com famílias sendo obrigadas a conviver o tempo todo, muitas vezes em residências muito pequenas", avalia. Uma análise publicada no Journal of the American Medical Association - Psychiatry, em abril, nos Estados Unidos, trata dos efeitos colaterais das necessárias medidas de isolamento e distanciamento social por conta da covid-19 que podem aumentar o risco de suicídio. "Mortalidade por suicídio e Covid-19 - uma tempestade perfeita?" aponta, entre eles, o estresse econômico e a incerteza sobre a própria subsistência; a solidão e a desconexão social; a dificuldade no tratamento da saúde mental devido à sobrecarga do sistema pelos pacientes da pandemia; o medo diante de doenças pré-existentes; e o aumento na ansiedade diante da doença. Mas também traz formas de prevenção, lembrando que distanciamento físico não precisa significar suspensão de contatos, e que a conexão social deve ser mantida através de vários meios - do telefone a aplicativos de vídeo. Também sugerem o acompanhamento por teleconferência por parte de profissionais de saúde mental.

O problema não é só a solidão, mas a incerteza A pandemia está quebrando nossas certezas, mostrando que muitas das premissas com as quais construímos nossa vida não se sustentam, como, por exemplo, "se eu fizer as coisas certas, tudo vai dar certo" ou "sou uma pessoa do bem e as coisas não vão me atingir". A realidade contesta essas premissas sem que tenhamos tempo de refletir e reorganizar nossa vida. Isso faz com que muitos sintam dificuldade de cuidar da própria vida ou de enxergar uma luz no final do túnel. Perdemos nortes. Surge desalento.

A avaliação é de Maria Helena Pereira Franco, professora titular de Psicologia Clínica e coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (Lelu), da PUC-SP. Ela recomenda que busquemos nossa rede de apoio, aquela que entendemos que nos sustenta, seja ela qual for. Família, amigos, vizinhos, igreja. "Por que é com ela que a gente pode abrir o coração e pode chorar. Temos que ativar e fortalecer os vínculos que nos são significativos. Sentir-se só é péssimo. E sentir-se só não é uma questão física, você pode estar em casa com muita gente da família e se sentir só", explica. Ela também diz que é necessário aprender novos jeitos de se relacionar com essa rede de apoio. Para tanto, defende conversas em vídeo usando WhatsApp, Zoom, Skype ou qualquer outra plataforma.

Nem sempre há com quem conversar. Nesse casos, serviços como o Centro de Valorização da Vida (CVV) - organização que presta apoio emocional e atua na prevenção ao suicídio - podem ser acionados. Ele atende pessoas que precisem conversar, gratuitamente, 24 horas por dia, com garantia de sigilo. "Uma das principais queixas das pessoas que nos procuram, independente da época da pandemia, é que estavam cercadas de outras pessoas, mas se sentiam sozinhas. Procurar ajuda de alguém neste momento é mais relevante ainda, porque as pessoas podem estar efetivamente sozinhas", afirma Adriana Rizzo, voluntária e porta-voz da organização.

De acordo com ela, as reclamações sobre o coronavírus não têm ocorrido contra a quarentena em si, mas sobre a incerteza e o medo em relação ao futuro. Em termos nacionais, não houve aumento significativo de procura pelo CVV, com os números mantendo frequência mensal de 10 a 12 mil contatos por dia. 

Além de cuidar de si, o que fazer pelos outros.

Ficar de olho em comportamentos diferentes é uma das recomendações da professora da PUC-SP para protegermos quem está em nossa rede. "Combinar no grupo da família que todo mundo que mora sozinho tem que dar bom dia é uma possibilidade. Prestar atenção em comportamentos que sinalizem mudanças e diferenças de hábitos, como deixar de dar notícias. E, a partir daí, estabelecer contato", afirma. "Por isso que é importante a rede de apoio, pois nela há intimidade de perguntar como o outro está."

Adriana Rizzo sugere que permaneçamos atentos às pessoas à nossa volta, lembrando que o nosso "entorno" não é uma questão física, mas social e pode envolver pessoas a milhares de quilômetros de distância. "Se alguém fizer algum comentário que mostre que não está bem, dê atenção a essa pessoa. Não ignore pedidos de ajuda", recomenda. "E lembre-se: não critique, nem julgue pelo que for relatado." Ou seja, não é porque aquele sofrimento parece irrelevante e despropositado para você que é para outro. Empatia é a palavra, coloque-se no lugar dos outros.

Isso é corroborado por Maria Helena Pereira Franco, que pede para demonstrarmos cuidado e atenção, sem julgar ou avaliar. "Olha, eu tô ligando para você porque faz tempo que não te ouço. Como você está? Quer falar mais sobre isso que você acabou de me dizer? Ou seja, ofereça uma escuta. Alguém que escute e ecoe algumas das falas ajuda muito nessa hora", afirma. "Ouça as dificuldades, o medo do outro. E não diga, faça isso ou faça aquilo." O CVV tem cerca de 4 mil voluntários e a ligação pode ser feita de um telefone celular mesmo sem crédito ou através de telefones públicos sem custo através do número 188 (24 horas) ou pela rede".



domingo, 24 de maio de 2020

CARTILHA: Suicídio na pandemia COVID-19

Pesquisadores colaboradores do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes/Fiocruz) disponibilizam a 16ª cartilha da série “Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid-19”. A mais recente publicação tem como objetivo auxiliar profissionais de saúde a identificarem sinais de alerta e atuarem na prevenção do suicídio. O documento, elaborado em parceria com pesquisadores do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Fiocruz) e do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio, está disponível para download em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/05/cartilha_prevencaosuicidio.pdf.

Alguns trechos:

"Os impactos da pandemia de COVID-19 na saúde mental podem apresentar desde reações normais e esperadas de estresse agudo por conta das adaptações à nova rotina, até agravos mais profundos no sofrimento psíquico" (p. 02).

"Cabe lembrar que o suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial e o possível aumento no seu número de casos, em uma situação de pandemia, pode estar relacionado a diferentes fatores como: medo, isolamento, solidão, desesperança, acesso reduzido a suporte comunitário e religioso/espiritual, dificuldade de acesso ao tratamento em saúde mental, doenças e problemas de saúde, suicídios de familiares, conhecidos ou profissionais de saúde (Reger, Stanley & Joiner, 2020). De forma geral, podemos entender que se a presença de um transtorno mental é identificada como um importante risco para o suicídio, o agravamento de seus sintomas em vigência da pandemia se configura como um risco ainda maior. Estressores financeiros e outros precipitadores de suicídio, como aumento do uso de álcool e outras drogas e violência doméstica, também tendem a se elevar neste momento de pandemia (GUNNELL et al., 2020)" (p. 03).

"As pessoas que perdem um ente querido por suicídio podem sofrer cobrança social, preconceito, estigma e discriminação. Os familiares também podem ficar apreensivos com a possibilidade de que um suicídio ocorra na família novamente. Sentimentos conflituosos sobre a perda podem aparecer e dificultar o processo de luto, como por exemplo, sentir raiva e ao mesmo tempo amor" (p. 13).

"Abaixo apresentamos um resumo das melhores práticas segundo a Cartilha da OMS (2017), do Ministério da Saúde (2017), do Instituto Vita Alere (2019) e da Orygen (2018): 
O que NÃO fazer: • Não destacar esse tipo de notícia (por exemplo, colocando na primeira página); • Não divulgar o lugar, a carta de despedida e o método utilizado no suicídio; • Colocar o suicídio como resultado único da pandemia; • Jamais compartilhar fotos ou vídeos de um suicídio; • Não romantizar ou falar como se fosse legal, um ato corajoso ou de covardia; • Não relacionar o suicídio com crime, loucura ou falta de fé; • Não colocar o suicídio como bem sucedido ou dar a entender que a pessoa encontrou a paz; • Não determinar um culpado ou um único motivo; • Não julgar, não fazer piadas ou estigmatizar; • Não mostrar o suicídio como uma saída.
O que fazer: • Compreender que o suicídio é complexo e multifatorial; • Sensibilizar as pessoas para o tema, gerando empatia; • Informar sempre onde buscar ajuda; • Lembrar dos que ficaram e respeitar o luto; • Usar e divulgar fontes de informação confiáveis; • Interpretar de forma cuidadosa e correta as estatísticas; • Ter um cuidado extra ao se tratar de suicídio de celebridades; • Se possível, falar das possíveis consequências físicas no caso de tentativas de suicídio não fatais; • Abordar os sinais de risco e alerta (mas sem reducionismos - identificar o risco pode ser algo complicado); • Mostrar que existe tratamento e que há outras alternativas ao suicídio" (p. 18-19).





domingo, 17 de maio de 2020

"O maior ato de amor que já existiu
É quando você abraça o mundo de quem já desistiu"

domingo, 3 de maio de 2020

Direitos Humanos para Pessoas com Risco de Suicídio

Muito se fala sobre direitos humanos, ou seja, os direitos relacionados à garantia de uma vida digna a todas as pessoas. Por vezes, este tema é cercado por discussões, especialmente no que diz respeito ao poder judiciário. Mas você sabia que existe um relatório sobre os direitos humanos para pacientes com risco de suicídio?

Em 2017, o Observatório de Direitos dos Pacientes publicou um relatório que trouxe exemplos de violação dos direitos humanos desta população, considerando que as pessoas que fizeram uma tentativa de suicídio encontram-se em uma situação de vulnerabilidade e que muitas vezes os serviços de saúde não estão adequadamente preparados para atenderem a esta demanda.

Direito à vida:
No que diz respeito ao direito à vida, à informação e à saúde: o estudo apontou que ainda hoje existem profissionais que se negam a atender os pacientes que tentaram suicídio ou aqueles que só oferecem os cuidados às sequelas físicas pós-tentativa (o apoio emocional por vezes é deixado de lado); ainda há notificações inadequadas, tanto da tentativa quanto dos casos de suicídio consumado (lembramos que a notificação de tentativa de suicídio é compulsória desde 2014, porém as pesquisas indicam que os números aos quais temos acesso ainda são subnotificados). E ainda sinaliza que há uma falta de informações sobre o encaminhamento em saúde: depois de uma tentativa de suicídio, a pessoa deveria ser encaminhada e acompanhada por um serviço de Saúde Mental.

Direito ao tratamento humanizado:
No que se refere ao direito de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante: os dados da pesquisa apontaram que ainda são realizadas condutas clínicas desnecessárias de modo a causar mais sofrimento (procedimentos agressivos, como por exemplo usar uma cânula mais grossa do que o necessário para uma lavagem intestinal ou uma agulha mais grossa para injeção de medicamentos) e discursos de culpabilização e ameaça aos pacientes. Por exemplo, em uma pesquisa realizada por Vidal e Gontijo (2013) com mulheres que tentaram suicídio e relatam como foram atendidas em um serviço de urgência, observamos que muitas vezes este primeiro acolhimento não é realizado de forma adequada. Uma das entrevistadas refere o seguinte:

Eles  falaram  assim  “não  é  possível,  tanta  coisa  pra  gente  fazer e socorrer e fulano tentando morrer… e tem que fazer lavagem, que frescurada, aí é que dá vontade de matar mesmo”.  As  pessoas  acham  que  é  sem-vergonhice.  Eles  não vêem o que se passa na nossa mente. (VIDAL E GONTIJO, 2013, p. 111).

Direito à privacidade e à liberdade:
Na questão do direito à privacidade e à liberdade: a pesquisa demonstrou que muitas vezes ocorre a exposição do corpo ou do prontuário do paciente com comportamento suicida, como se ele se tornasse um espetáculo; restrição da comunicação, contenção no leito indiscriminada e medicação excessiva como formas de punição, ainda que inconsciente.

Direito de não ser discriminado:
E, por fim, no que se refere ao direito a não ser discriminado: muitas vezes o profissional adota um tom desrespeitoso ao abordar o paciente, ou utiliza julgamentos morais e religiosos no atendimento a pessoa com comportamento suicida. Infelizmente, ainda são comuns os relatos de pessoas que ouviram de profissionais de saúde falas como “Remédio não mata, da próxima vez se atira de um lugar bem alto, que aí sim você morre de uma vez”.

Terezinha Máximo, no texto “Maus tratos nos PSs e UTIs, diz o quanto estas condutas trazem também sofrimento aos familiares:

O não julgar e o fazer o possível para salvar vidas,  teoricamente é lindo, mas na prática não é bem assim. Principalmente quando  o paciente  atenta contra a própria vida, para algumas  pessoas da área da saúde, ele não merece muitos cuidados, afinal eles querem cuidar de quem quer viver, um suicida só dá trabalho, não merece tanta atenção e para o plano de saúde só gera custos, mas se esquecem que essas pessoas estão enfermas, depressão é um problema de saúde mas  para muitos, infelizmente, não é, pois o paciente  não apresenta uma ferida aberta, dor na alma não sai em nenhum exame.

Acredito que o caminho para transformar essa realidade vai além da discussão do tema nas graduações em saúde e passa principalmente pela sensibilização dos profissionais para o sofrimento do outro, pela atitude de acolhimento e pelo cuidado sem julgamento. É importante também que as pessoas que tentaram suicídio e seus familiares tenham conhecimento de seus direitos, dos direitos humanos para pessoas com risco de suicídio e não sejam silenciadas pelo tabu que ainda cerca o comportamento suicida.

Texto de: Luciana França Cescon – Psicóloga da Equipe do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio

Referências

MÁXIMO, T. C. G. Maus-tratos nos PS e UTIs. Disponível em:  https://nomoblidis.com.br/maus-tratos-nos-ps-e-utis/.

OBSERVATÓRIO DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS DOS PACIENTES. Relatório sobre Direitos Humanos dos Pacientes em Risco de Suicídio. Disponível em:   https://www.observatoriopaciente.com.br/2017/10/05/sumario-executivo-relatorio-sobre-direitos-humanos-dos-pacientes-em-risco-de-suicidio/.

VIDAL, C. E. L. & GONTIJO, E. D. Tentativas de suicídio e o acolhimento nos serviços de urgência: a percepção de quem tenta. Rev. Cad. Saúde Coletiva, 2013. Rio de Janeiro, 21 (2): 108-11