domingo, 3 de maio de 2020

Direitos Humanos para Pessoas com Risco de Suicídio

Muito se fala sobre direitos humanos, ou seja, os direitos relacionados à garantia de uma vida digna a todas as pessoas. Por vezes, este tema é cercado por discussões, especialmente no que diz respeito ao poder judiciário. Mas você sabia que existe um relatório sobre os direitos humanos para pacientes com risco de suicídio?

Em 2017, o Observatório de Direitos dos Pacientes publicou um relatório que trouxe exemplos de violação dos direitos humanos desta população, considerando que as pessoas que fizeram uma tentativa de suicídio encontram-se em uma situação de vulnerabilidade e que muitas vezes os serviços de saúde não estão adequadamente preparados para atenderem a esta demanda.

Direito à vida:
No que diz respeito ao direito à vida, à informação e à saúde: o estudo apontou que ainda hoje existem profissionais que se negam a atender os pacientes que tentaram suicídio ou aqueles que só oferecem os cuidados às sequelas físicas pós-tentativa (o apoio emocional por vezes é deixado de lado); ainda há notificações inadequadas, tanto da tentativa quanto dos casos de suicídio consumado (lembramos que a notificação de tentativa de suicídio é compulsória desde 2014, porém as pesquisas indicam que os números aos quais temos acesso ainda são subnotificados). E ainda sinaliza que há uma falta de informações sobre o encaminhamento em saúde: depois de uma tentativa de suicídio, a pessoa deveria ser encaminhada e acompanhada por um serviço de Saúde Mental.

Direito ao tratamento humanizado:
No que se refere ao direito de não ser submetido a tratamento desumano ou degradante: os dados da pesquisa apontaram que ainda são realizadas condutas clínicas desnecessárias de modo a causar mais sofrimento (procedimentos agressivos, como por exemplo usar uma cânula mais grossa do que o necessário para uma lavagem intestinal ou uma agulha mais grossa para injeção de medicamentos) e discursos de culpabilização e ameaça aos pacientes. Por exemplo, em uma pesquisa realizada por Vidal e Gontijo (2013) com mulheres que tentaram suicídio e relatam como foram atendidas em um serviço de urgência, observamos que muitas vezes este primeiro acolhimento não é realizado de forma adequada. Uma das entrevistadas refere o seguinte:

Eles  falaram  assim  “não  é  possível,  tanta  coisa  pra  gente  fazer e socorrer e fulano tentando morrer… e tem que fazer lavagem, que frescurada, aí é que dá vontade de matar mesmo”.  As  pessoas  acham  que  é  sem-vergonhice.  Eles  não vêem o que se passa na nossa mente. (VIDAL E GONTIJO, 2013, p. 111).

Direito à privacidade e à liberdade:
Na questão do direito à privacidade e à liberdade: a pesquisa demonstrou que muitas vezes ocorre a exposição do corpo ou do prontuário do paciente com comportamento suicida, como se ele se tornasse um espetáculo; restrição da comunicação, contenção no leito indiscriminada e medicação excessiva como formas de punição, ainda que inconsciente.

Direito de não ser discriminado:
E, por fim, no que se refere ao direito a não ser discriminado: muitas vezes o profissional adota um tom desrespeitoso ao abordar o paciente, ou utiliza julgamentos morais e religiosos no atendimento a pessoa com comportamento suicida. Infelizmente, ainda são comuns os relatos de pessoas que ouviram de profissionais de saúde falas como “Remédio não mata, da próxima vez se atira de um lugar bem alto, que aí sim você morre de uma vez”.

Terezinha Máximo, no texto “Maus tratos nos PSs e UTIs, diz o quanto estas condutas trazem também sofrimento aos familiares:

O não julgar e o fazer o possível para salvar vidas,  teoricamente é lindo, mas na prática não é bem assim. Principalmente quando  o paciente  atenta contra a própria vida, para algumas  pessoas da área da saúde, ele não merece muitos cuidados, afinal eles querem cuidar de quem quer viver, um suicida só dá trabalho, não merece tanta atenção e para o plano de saúde só gera custos, mas se esquecem que essas pessoas estão enfermas, depressão é um problema de saúde mas  para muitos, infelizmente, não é, pois o paciente  não apresenta uma ferida aberta, dor na alma não sai em nenhum exame.

Acredito que o caminho para transformar essa realidade vai além da discussão do tema nas graduações em saúde e passa principalmente pela sensibilização dos profissionais para o sofrimento do outro, pela atitude de acolhimento e pelo cuidado sem julgamento. É importante também que as pessoas que tentaram suicídio e seus familiares tenham conhecimento de seus direitos, dos direitos humanos para pessoas com risco de suicídio e não sejam silenciadas pelo tabu que ainda cerca o comportamento suicida.

Texto de: Luciana França Cescon – Psicóloga da Equipe do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio

Referências

MÁXIMO, T. C. G. Maus-tratos nos PS e UTIs. Disponível em:  https://nomoblidis.com.br/maus-tratos-nos-ps-e-utis/.

OBSERVATÓRIO DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS DOS PACIENTES. Relatório sobre Direitos Humanos dos Pacientes em Risco de Suicídio. Disponível em:   https://www.observatoriopaciente.com.br/2017/10/05/sumario-executivo-relatorio-sobre-direitos-humanos-dos-pacientes-em-risco-de-suicidio/.

VIDAL, C. E. L. & GONTIJO, E. D. Tentativas de suicídio e o acolhimento nos serviços de urgência: a percepção de quem tenta. Rev. Cad. Saúde Coletiva, 2013. Rio de Janeiro, 21 (2): 108-11


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