domingo, 7 de junho de 2020

Clube dos Enlutados __________ Terezinha Máximo

"Há alguns dias uma pessoa me perguntou se eu havia entendido o ato da minha filha, e se eu acreditava que iria algum dia conseguir superar a morte dela. E que se a Marina tivesse morrido de outra forma se seria mais fácil aceitar o fato.
Fiquei em silêncio por alguns instantes e respondi que entendia o ato como desespero, mas que não a julgava por isso e que não seria mais fácil aceitar a morte se ela ocorresse de outra forma, hoje tenho certeza disso, pois a saudade dela é a mesma.
O emaranhado de sentimentos que fica após se perder um filho deve ser comum em todos os pais, mas por suicídio há alguns agravantes e que definitivamente não se supera a perda de um filho, o natural são os filhos enterrarem seus pais e não o contrário. 
Esse diálogo mexeu comigo, pois às vezes eu sinto que algumas pessoas acham que o ser humano é descartável, como a morte é a única certeza na vida e que ela ocorrendo,  em um curto espaço de tempo quem fica esquece, não se fala no assunto, como se a pessoa que se foi, fosse apagada da mente e da vida de quem fica em um passe de mágica, e que não é assim.
E isso me fez lembrar que no começo do meu luto eu havia escrito, só que não publiquei,  sobre os meus primeiros contatos com a morte,  na minha infância, pois devido a cultura de não se falar em morte, tentei resgatar e colocar em ordem minhas ideias com relação ao fato,  a primeira vez que vi uma pessoa morta e a primeira vez que fui a um cemitério e que justamente foram mortes de pessoas jovens e que me marcaram para sempre.  
No final dos anos 70, um vizinho foi atropelado em uma tarde de domingo por um motorista bêbado, era uma criança, 7 ou 8 anos não me lembro ao certo, pois eu devia ter uns 5 ou 6 anos. Ele era amigo do meu irmão mais velho, tinham a mesma idade, ia no portão de casa chamar meu irmão para brincar praticamente todos os dias. Ele era o filho caçula, tinha uma irmã mais velha já moça e o irmão também bem mais velho. 
Naquela época, os velórios aconteciam em casa e não havia a preocupação em não deixar as crianças verem o caixão e o morto. A cena do menino morto nunca esqueci, mas prefiro não contar os detalhes. 
Lembro que o atropelador ficou impune. Depois da morte do menino, quase não via mais a mãe dele na rua, mas sempre quando ela encontrava o meu irmão o chamava para conversar. Nós nos mudamos da rua onde morávamos, mas continuamos no mesmo bairro e toda vez que ela encontrava com a minha mãe ou comigo perguntava do meu irmão. Eu achava estranho e acredito que a minha mãe também. 
A primeira vez que fui à um cemitério, creio ter sido na mesma época, só lembro que era final de ano, perto do natal.  O filho de amigos dos meus pais havia morrido afogado na praia, era jovem, bonito e com um futuro promissor pela frente, além dos pais ele deixou uma porção de irmãs e me lembro da choradeira que foi. Um dia ouvi dizer que os pais iam ao cemitério toda semana e em uma dessas visitas o pai passou mal diante do túmulo, foi hospitalizado mas faleceu dias depois.
Eu era muito criança, não tinha uma real ideia do que era a morte, só fui compreender quando meu avô paterno faleceu, mas isso é uma outra história.
O  que quero aqui explicar que hoje eu sei o que aquelas mães sentiram e sentem, consigo dimensionar o sofrimento. Perder um filho é a pior dor que alguém pode sentir e continuar a viver depois de ter que enterrar um filho é muito difícil, independente se for por acidente, doença ou suicídio, a dor da perda é grande, a ausência é sentida todos os dias, passe o tempo que passar.
Hoje eu consigo entender o motivo da mãe do amigo do meu irmão querer falar com ele toda vez que o via,  pois sentia nele um pouco da presença do filho, imaginava como o filho poderia estar, e consigo sentir e entender a tristeza dos pais que visitavam o túmulo do filho e que a tristeza pode ter agravado uma saúde já debilitada e frágil do pai.
E consigo ligar a pergunta sobre a superação e a causa da morte a uma fala de uma amiga enlutada que um dia disse que nós pais que perdemos nossos filhos por suicídio fazemos parte de um clube, o clube dos enlutados, um clube da tristeza, onde o título cai no nosso colo, neste clube não há distinção, nele não há classe social, religião, etnia, somos todos iguais,  e que uma vez nele não se sai, é um título vitalício, não há opção de passar adiante, não tem como doar, ceder, ninguém quer um título deste clube e tão pouco saber como funciona e só quem perdeu um filho sabe realmente como é e que podemos tentar explicar mas somente quem passou pelo mesmo sabe do que estamos falando e sentindo. 
Quem não faz parte deste clube sempre irá imaginar que a superação é questão de tempo, que a ausência pode ser suprida por outro filho, um bichinho de estimação, mudança de residência, cidade, estado e até de país. Não entende que cada ser humano é único e o que um filho representa na vida dos pais nada e ninguém substituirá". 
- Terezinha Máximo



Nenhum comentário:

Postar um comentário