quarta-feira, 27 de maio de 2015

Tentativas de Suicídio (T.S.) na Criança

"Habitualmente confundidas com as TS do adolescente, as TS da criança são raras, é verdade, mas não excepcionais, uma vez que 10% das TS de crianças e de adolescentes dizem respeito a crianças menores de 12 anos. Quanto menor é a criança, mais o problema da intencionalidade da conduta suicida é uma questão que se coloca. [...]

A significação dessas tentativas é variável, próxima daquele que se encontra em outros períodos: função de evitamento ou de fuga de uma situação desagradável, às vezes, anódina aos olhos do adulto (má nota, reprimenda banal); apelo, quando a criança busca atrair para si uma atenção ou um afeto que ela julga ter perdido (encontra-se um grande número de antecedentes de colocações familiares, de abandono, de rupturas múltiplas) é o que se chamava de maneira pejorativa o suicídio-chantagem: desejo de punição, ainda mais frequente, porque a criança não pôde entrar de maneira satisfatória no período de latência e continua a viver sob o peso da culpa edipiana excessiva. Mais próprio da criança parece ser o desejo de união mágica, além da morte, com a pessoa que a criança recém perdeu ou pensa ter perdido. Pouco antes do suicídio da criança encontra-se também com frequência o falecimento de um dos pais ou de um irmão, uma hospitalização por doença, ou uma partida.

Isso coloca o problema no plano psicopatológico da relação entre conduta suicida e estado depressivo da criança. Se a experiência de uma perda é comum nos antecedentes próximos, seria abusivo e falso assimilar a TS da criança a uma manifestação de um estado depressivo. Seria, além disso, negligenciar a problemática da agressividade em relação ao outro e de seu retorno contra si mesmo sob forma de culpa ou da agressão da imagem do outro que a criança carrega em si mesmo. Agredindo-se, ela agride ao mesmo tempo o outro. Toda mãe teve essa experiência de que, quando seu filho procura agredi-la, é, muitas vezes, através de seu próprio corpo que ele o faz: recusa de comer, por exemplo, mostrando com isso que a imagem de si e a imagem do outro são menos bem diferenciadas do que no adulto, mas também que se ataca simultaneamente, no mesmo movimento, a imagem de si e a imagem do outro que se traz em si mesmo. Há uma dialética muito sutil entre a agressão ao outro e a agressão a si mesmo, dialética constantemente encontrada nas tentativas de suicídio do adulto, mas que existe nas tentativas de suicídio da criança, ainda mais que o outro existe não só pela imagem interiorizada que a criança traz em si mesma, mas também por sua presença física constante face à criança.

No plano etiológico, enfim, a maioria dos autores insiste sobre a raridade dos estados psiquiátricos caracterizados: psicoses, neuroses típicas são excepcionais. Mais seguidamente se acham apenas vagos traços de imaturidade, de labilidade afetiva, de impulsividade, sem que um quadro preciso possa ser isolado."

-  MARCELLI in "Manual de Psicopatologia da Infância de Ajuriaguerra" (p. 161-162).

         

Nenhum comentário:

Postar um comentário