domingo, 18 de junho de 2017

Vínculo afetivo: o fio condutor da vida

Por: Juliana Bencke
Data: 03/06/2017



"As mudanças no corpo, os desafios da formação da própria personalidade e um misto de ansiedade e dúvidas sobre o futuro fazem, da adolescência, uma fase de descobertas e desafios. Nesse labirinto permeado por dúvidas e paixões, o vínculo afetivo com familiares, amigos ou pessoas que sirvam de referência ao jovem é fundamental para garantir que ele siga no caminho da vida de forma saudável. 
Além das características próprias da adolescência, questões culturais e socioeconômicas, relações familiares conflituosas e a falta de perspectiva fazem muitos jovens se 'perderem no labirinto' e acreditarem que a solução é pôr fim à própria vida.

O resultado é um problema crescente, que preocupa profissionais da área de saúde mental: desde o início do ano, cinco adolescentes de 13 a 18 anos tentaram o suicídio em Venâncio Aires, segundo dados da Vigilância Epidemiológica do município. Além disso, um menino de 16 anos tirou a própria vida, em abril, e outros buscaram na automutilação o alívio de uma dor psicológica - casos que sequer chegam a ser contabilizados. 

Em meio a esse contexto, especialistas apontam a importância do vínculo familiar, do apoio social e da adoção de hábitos positivos para a saúde mental, desde a infância, para a prevenção do suicídio. 'Para que eu me sinta bem, é preciso alguém que me dê valor, que me faça existir através de um olhar, um gesto de amor. É isso que legitima o sentimento de pertencimento ao mundo', exemplifica o doutor em Psicologia Luiz Carlos Teixeira Bohrer, do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas). Segundo ele, proteger a vida dos adolescentes exige que se (re)construa esses vínculos, se não por meio da família, de outras formas.
Desespero
A psicóloga Gabriela Ballardin Geara, do Centro de Atenção Psicossocial (Caps II) também destaca a importância do apoio familiar e social para combater o suicídio - fruto de muito sofrimento. "Costumamos falar em quatro D's para descrever os sentimentos ligados a esse sofrimento: depressão, desamparo, desesperança e desespero", comenta. 
De acordo com ela, a depressão é uma psicopatologia que causa tristeza e baixa autoestima no paciente, gerando a sensação de que ele não tem valor. O desamparo, por sua vez, está ligado ao isolamento social. "Quanto mais isolada a pessoa estiver, mais fácil fica para planejar e executar o suicídio. Por isso que o amparo social é tão protetivo", esclarece. 
A desesperança está ligada a uma visão pessimista da vida, de que as coisas não têm jeito e não há perspectiva de futuro. "O desespero é soma de todo os D's anteriores. Quando a pessoa vê que está sozinha, sente-se mal e pensa que o futuro não vale a pena, desespera-se e busca o suicídio", observa a profissional. 
Se nem sempre é possível evitar o início da depressão, os outros fatores podem ser enfrentados com o apoio de amigos e familiares e o tratamento adequado. 'A pessoa pode até estar deprimida, mas, se tiver amparo social, ajuda da família, uma rede de amigos e a visão de que o futuro vai ser bom, isso a protege. Só se chega ao desespero quando há a soma dos outros fatores, que cria a ilusão de que o suicídio pode resolver alguma coisa.'

Presença familiar
O envolvimento da família também é fundamental no tratamento após uma tentativa de suicídio. Quando adolescentes que tentaram tirar a própria vida são internados no Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), o acompanhamento incluiu o resgate do histórico familiar e de vida do jovem. 'Buscamos entender a construção disso, o que aconteceu para chegar a esse ponto', afirma a psicóloga Susan Artus Dettenborn, gerente assistencial da instituição.
A psicóloga do hospital, Ana Lúcia Oliveira, complementa que, por trás dos casos, sempre estão relações familiares conturbadas. 'Tratar o adolescente sem envolver a família é impossível', enfatiza.

Ajuda gratuita
O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária e gratuita todas as pessoas que querem desabafar. A conversa ocorre com sigilo total e pode ser feita por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas por dia. Ligue 188 ou acesse cvv.org.br.

Coloque em prática
- Prevenir o suicídio não significa ter que falar sobre suicídio, constantemente, mas que se invista em saúde mental - uma preocupação que deve começar na infância. 
- Hábitos simples e gratuitos ajudam a promover a saúde mental, como aproveitar momentos em família, brincar com os filhos, ler, conversar, se divertir, descansar, praticar exercícios físicos, deitar na grama, dançar, aproveitar o sol e ter uma alimentação saudável.
- O diálogo e o respeito entre pais e filhos é fundamental para auxiliar crianças e adolescentes. Os pais devem ser presentes e estar atentos ao comportamento dos filhos e a possíveis mudanças. 
- Crianças devem aprender a lidar com a frustração desde cedo, para que, quando cheguem na adolescência, consigam 'elaborar' suas frustrações e elas não signifiquem o 'fim do mundo'. Também é fundamental entender que a vida 'não é um comercial de margarina' e que a 'felicidade plena' exposta nas redes sociais, muitas vezes, não condiz com a realidade. 
- Os pais devem respeitar a individualidade dos filhos, mas precisam estar atentos, devem monitorar o uso da internet e das redes sociais, conhecer os amigos virtuais dos filhos e ver suas publicações. O Kurupira WebFilter é um programa gratuito que limita o acesso a sites e a execução de aplicativos.

*Dicas elaboradas com o apoio das psicólogas Gabriela Ballardin Geara, Camile Luiza da Rosa, Ana Lúcia Oliveira e Susan Artus Dettenborn; da assistente social Ana Paula Bittencourt Pereira; da bióloga e psicopedagoga Mariana Faria Corrêa; e da enfermeira Regina Freitas Marmitt, coordenadora do Caps II.
Por trás do sofrimento, aspectos culturais e socioeconômicos
Embora o Creas não atenda, especificamente, casos de tentativa de suicídio e automutilação entre jovens, as situações acabam chegando ao serviço, o qual realiza atendimento a famílias com situações de violação de direitos. 'É um problema crescente no município. Temos muita dificuldade por não saber ao certo para onde encaminhar esses adolescentes, devido à falta de um Caps Infantil em Venâncio Aires', comenta a coordenadora Bárbara Lúcia Hickmann. 
De acordo com os profissionais do Creas, por trás de tentativas de suicídio e automutilação estão casos de violência intrafamiliar: negligência, abuso, agressão e abandono - seja ele material ou afetivo. 'É comum o sentimento de menos valia nesses adolescentes, além de transtornos depressivos ', observa o doutor em Psicologia Luiz Carlos Teixeira Bohrer. 
O trabalho com grupos de meninas é uma das estratégias de intervenção do Creas, para que elas consigam responder de forma saudável a situações de sofrimento e conflitos familiares. 'É um trabalho preventivo, à medida que pode-se evitar uma tentativa de automutilação ou suicídio. Elas também acabam sendo multiplicadoras, porque intervêm na realidade social delas, na família, na escola', enfatiza Bohrer. 
Os profissionais do Creas esclarecem que a falta de vínculo afetivo entre pais e filhos, que faz com que a família deixe de ser um referencial para os jovens, também recebe influência de condições socioeconômicas como desemprego ou subempregos. 
'Quando os pais não conseguem suprir financeiramente as necessidades familiares ou estão sujeitos a condições de trabalho extremas, precisam se preocupar muito com o sustento e chegam em casa com carga emocional muito pesada, essas crianças entram em risco, porque não se consegue mais exercer a função protetiva da família', salienta a assistente social Juliana Arnt Abichequer Rheinheimer. 
Na opinião de Bohrer, também não se pode esquecer a influência do contexto cultural de Venâncio Aires com histórico de casos de suicídio - ligados, muitas vezes, às próprias famílias dos adolescentes. 'Há alguns anos, antes do Baleia Azul, havia muitos casos no interior de pactos entre os adolescentes com desafios de automutilação e tentativas de suicídio', lembra a psicóloga Caroline de Freitas. 

No início de abril, a psicóloga Camile Luiza da Rosa e a bióloga e psicopedagoga Mariana Faria Corrêa deram início ao projeto Meninas Livres. O objetivo? Promover, por meio de encontros semanais entre meninas, o diálogo sobre questões ligadas à adolescência. 
De lá para cá, todas as quartas-feiras, das 19h30min às 21h, elas se encontram com as adolescentes para discutir assuntos como empoderamento, sexualidade e segurança na internet. 'Víamos as meninas sem muito espaço para falar questões específicas dessa fase, discutir sobre 'coisas de menina'', conta Mariana. 

Ao longo dos encontros, naturalmente, assuntos como o jogo Baleia Azul e casos de suicídio registrados na cidade passaram a fazer parte da conversa. A partir disso, o grupo deu início ao desafio da Baleia Livre, no qual as meninas foram incentivadas a fazer ações simples positivas, como abraçar amigos, fazer declarações de amor por si mesmas e marcar um encontro com alguém que não viam há bastante tempo. 
Além de reforçar a autoestima das adolescentes e o vínculo com amigos, o trabalho desenvolvido no Meninas Livres se estende para além do grupo. Seja em casa ou na escola, as garotas buscam reforçar os vínculos e apoiar-se em suas dúvidas e dificuldades. 

Para Mariana e Camile, o trabalho confirma a possibilidade de atuar de maneira preventiva, em busca de saúde mental. 'Ao se conhecerem e conhecerem outras pessoas, as meninas ampliam sua rede de apoio e cuidado. É importante elas saberem que sempre têm em quem se apoiar. Que há amigos com quem podem contar e conversar sem julgamentos', comenta a bióloga".



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