Por: Juliana Bencke
Data: 03/06/2017
Data: 03/06/2017
"As mudanças no corpo, os desafios da
formação da própria personalidade e um misto de ansiedade e dúvidas
sobre o futuro fazem, da adolescência, uma fase de descobertas e
desafios. Nesse labirinto permeado por dúvidas e paixões, o vínculo
afetivo com familiares, amigos ou pessoas que sirvam de referência ao
jovem é fundamental para garantir que ele siga no caminho da vida de
forma saudável.
Além das características próprias da
adolescência, questões culturais e socioeconômicas, relações familiares
conflituosas e a falta de perspectiva fazem muitos jovens se 'perderem
no labirinto' e acreditarem que a solução é pôr fim à própria vida.
O resultado é um problema crescente, que
preocupa profissionais da área de saúde mental: desde o início do ano,
cinco adolescentes de 13 a 18 anos tentaram o suicídio em Venâncio
Aires, segundo dados da Vigilância Epidemiológica do município. Além
disso, um menino de 16 anos tirou a própria vida, em abril, e outros
buscaram na automutilação o alívio de uma dor psicológica - casos que
sequer chegam a ser contabilizados.
Em meio a esse contexto, especialistas
apontam a importância do vínculo familiar, do apoio social e da adoção
de hábitos positivos para a saúde mental, desde a infância, para a
prevenção do suicídio. 'Para que eu me sinta bem, é preciso alguém que
me dê valor, que me faça existir através de um olhar, um gesto de amor. É
isso que legitima o sentimento de pertencimento ao mundo', exemplifica o
doutor em Psicologia Luiz Carlos Teixeira Bohrer, do Centro de
Referência Especializado em Assistência Social (Creas). Segundo ele,
proteger a vida dos adolescentes exige que se (re)construa esses
vínculos, se não por meio da família, de outras formas.
Desespero
A psicóloga Gabriela Ballardin Geara, do
Centro de Atenção Psicossocial (Caps II) também destaca a importância
do apoio familiar e social para combater o suicídio - fruto de muito
sofrimento. "Costumamos falar em quatro D's para descrever os
sentimentos ligados a esse sofrimento: depressão, desamparo,
desesperança e desespero", comenta.
De acordo com ela, a depressão é uma
psicopatologia que causa tristeza e baixa autoestima no paciente,
gerando a sensação de que ele não tem valor. O desamparo, por sua vez,
está ligado ao isolamento social. "Quanto mais isolada a pessoa estiver,
mais fácil fica para planejar e executar o suicídio. Por isso que o
amparo social é tão protetivo", esclarece.
A desesperança está ligada a uma visão
pessimista da vida, de que as coisas não têm jeito e não há perspectiva
de futuro. "O desespero é soma de todo os D's anteriores. Quando a
pessoa vê que está sozinha, sente-se mal e pensa que o futuro não vale a
pena, desespera-se e busca o suicídio", observa a profissional.
Se nem sempre é possível evitar o início
da depressão, os outros fatores podem ser enfrentados com o apoio de
amigos e familiares e o tratamento adequado. 'A pessoa pode até estar
deprimida, mas, se tiver amparo social, ajuda da família, uma rede de
amigos e a visão de que o futuro vai ser bom, isso a protege. Só se
chega ao desespero quando há a soma dos outros fatores, que cria a
ilusão de que o suicídio pode resolver alguma coisa.'
Presença familiar
O envolvimento da família também é
fundamental no tratamento após uma tentativa de suicídio. Quando
adolescentes que tentaram tirar a própria vida são internados no
Hospital São Sebastião Mártir (HSSM), o acompanhamento incluiu o resgate
do histórico familiar e de vida do jovem. 'Buscamos entender a
construção disso, o que aconteceu para chegar a esse ponto', afirma a
psicóloga Susan Artus Dettenborn, gerente assistencial da instituição.
A psicóloga do hospital, Ana Lúcia
Oliveira, complementa que, por trás dos casos, sempre estão relações
familiares conturbadas. 'Tratar o adolescente sem envolver a família é
impossível', enfatiza.
Ajuda gratuita
O Centro de Valorização da Vida (CVV)
oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo de forma
voluntária e gratuita todas as pessoas que querem desabafar. A conversa
ocorre com sigilo total e pode ser feita por telefone, e-mail, chat e
Skype, 24 horas por dia. Ligue 188 ou acesse cvv.org.br.
Coloque em prática
- Prevenir o suicídio não significa ter
que falar sobre suicídio, constantemente, mas que se invista em saúde
mental - uma preocupação que deve começar na infância.
- Hábitos simples e gratuitos ajudam a
promover a saúde mental, como aproveitar momentos em família, brincar
com os filhos, ler, conversar, se divertir, descansar, praticar
exercícios físicos, deitar na grama, dançar, aproveitar o sol e ter uma
alimentação saudável.
- O diálogo e o respeito entre pais e
filhos é fundamental para auxiliar crianças e adolescentes. Os pais
devem ser presentes e estar atentos ao comportamento dos filhos e a
possíveis mudanças.
- Crianças devem aprender a lidar com a
frustração desde cedo, para que, quando cheguem na adolescência,
consigam 'elaborar' suas frustrações e elas não signifiquem o 'fim do
mundo'. Também é fundamental entender que a vida 'não é um comercial de
margarina' e que a 'felicidade plena' exposta nas redes sociais, muitas
vezes, não condiz com a realidade.
- Os pais devem respeitar a
individualidade dos filhos, mas precisam estar atentos, devem monitorar o
uso da internet e das redes sociais, conhecer os amigos virtuais dos
filhos e ver suas publicações. O Kurupira WebFilter é um programa
gratuito que limita o acesso a sites e a execução de aplicativos.
*Dicas elaboradas com o apoio das psicólogas Gabriela Ballardin Geara, Camile Luiza da Rosa, Ana Lúcia Oliveira e Susan Artus Dettenborn; da assistente social Ana Paula Bittencourt Pereira; da bióloga e psicopedagoga Mariana Faria Corrêa; e da enfermeira Regina Freitas Marmitt, coordenadora do Caps II.
Por trás do sofrimento, aspectos culturais e socioeconômicos
Embora o Creas não atenda,
especificamente, casos de tentativa de suicídio e automutilação entre
jovens, as situações acabam chegando ao serviço, o qual realiza
atendimento a famílias com situações de violação de direitos. 'É um
problema crescente no município. Temos muita dificuldade por não saber
ao certo para onde encaminhar esses adolescentes, devido à falta de um
Caps Infantil em Venâncio Aires', comenta a coordenadora Bárbara Lúcia
Hickmann.
De acordo com os profissionais do Creas,
por trás de tentativas de suicídio e automutilação estão casos de
violência intrafamiliar: negligência, abuso, agressão e abandono - seja
ele material ou afetivo. 'É comum o sentimento de menos valia nesses
adolescentes, além de transtornos depressivos ', observa o doutor em
Psicologia Luiz Carlos Teixeira Bohrer.
O trabalho com grupos de meninas é uma
das estratégias de intervenção do Creas, para que elas consigam
responder de forma saudável a situações de sofrimento e conflitos
familiares. 'É um trabalho preventivo, à medida que pode-se evitar uma
tentativa de automutilação ou suicídio. Elas também acabam sendo
multiplicadoras, porque intervêm na realidade social delas, na família,
na escola', enfatiza Bohrer.
Os profissionais do Creas esclarecem que
a falta de vínculo afetivo entre pais e filhos, que faz com que a
família deixe de ser um referencial para os jovens, também recebe
influência de condições socioeconômicas como desemprego ou subempregos.
'Quando os pais não conseguem suprir
financeiramente as necessidades familiares ou estão sujeitos a condições
de trabalho extremas, precisam se preocupar muito com o sustento e
chegam em casa com carga emocional muito pesada, essas crianças entram
em risco, porque não se consegue mais exercer a função protetiva da
família', salienta a assistente social Juliana Arnt Abichequer
Rheinheimer.
Na opinião de Bohrer, também não se pode
esquecer a influência do contexto cultural de Venâncio Aires com
histórico de casos de suicídio - ligados, muitas vezes, às próprias
famílias dos adolescentes. 'Há alguns anos, antes do Baleia Azul, havia
muitos casos no interior de pactos entre os adolescentes com desafios de
automutilação e tentativas de suicídio', lembra a psicóloga Caroline de
Freitas.
No início de abril, a psicóloga Camile
Luiza da Rosa e a bióloga e psicopedagoga Mariana Faria Corrêa deram
início ao projeto Meninas Livres. O objetivo? Promover, por meio de
encontros semanais entre meninas, o diálogo sobre questões ligadas à
adolescência.
De lá para cá, todas as quartas-feiras,
das 19h30min às 21h, elas se encontram com as adolescentes para discutir
assuntos como empoderamento, sexualidade e segurança na internet.
'Víamos as meninas sem muito espaço para falar questões específicas
dessa fase, discutir sobre 'coisas de menina'', conta Mariana.
Ao longo dos encontros, naturalmente,
assuntos como o jogo Baleia Azul e casos de suicídio registrados na
cidade passaram a fazer parte da conversa. A partir disso, o grupo deu
início ao desafio da Baleia Livre, no qual as meninas foram incentivadas
a fazer ações simples positivas, como abraçar amigos, fazer declarações
de amor por si mesmas e marcar um encontro com alguém que não viam há
bastante tempo.
Além de reforçar a autoestima das
adolescentes e o vínculo com amigos, o trabalho desenvolvido no Meninas
Livres se estende para além do grupo. Seja em casa ou na escola, as
garotas buscam reforçar os vínculos e apoiar-se em suas dúvidas e
dificuldades.
Para Mariana e Camile, o trabalho
confirma a possibilidade de atuar de maneira preventiva, em busca de
saúde mental. 'Ao se conhecerem e conhecerem outras pessoas, as meninas
ampliam sua rede de apoio e cuidado. É importante elas saberem que
sempre têm em quem se apoiar. Que há amigos com quem podem contar e
conversar sem julgamentos', comenta a bióloga".
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