domingo, 29 de dezembro de 2019

11 maneiras de fugir da depressão no final do ano

"1. Planeje com antecedência. Reserve algumas horas para pensar como você vai cuidar de si mesmo durante o período. Pense em coisas agradáveis, como ler um livro ou tirar alguns cochilos e escreva as idéias em um calendário. Tente conciliar as atividades com as compras de natal e as atividades na cozinha, mas não deixe a agenda de lado: essas atividades precisam ser tratadas como prioridade também.

2. Evite os conflitos familiares. Manter a sanidade em algumas famílias pode ser uma tarefa difícil. No entanto, se você vai encontrá-los e sabe que os conflitos vão surgir, prepare-se para responder de forma neutra, como "vamos falar disso em outro momento" ou "eu entendo a sua posição". Depois, fuja para o banheiro, se ofereça na cozinha ou até para cuidar das crianças. E, se for demais, tenha um bom amigo para ligar e desabafar.

3. Esqueça a perfeição. Muitas pessoas se desesperam quando não conseguem ter uma casa de cinema para o natal, ou um banquete digno da realeza, ou presentes que não são bons o suficiente. Esse cenário ideal não existe. São as pequenas coisas, como detalhes particulares da sua casa ou rituais em família, que torna tudo especial e feliz.

4. Aprenda a sofrer. Se você está lidando com a perda de alguém querido, talvez seja o momento de conversar com alguém sobre os seus sentimentos ou mesmo procurar ajuda em grupos de apoio ou terapia. Não é incomum sentir raiva pela pessoa ter partido ou culpa por aproveitar as festas. Isso só mostra que você é humano e reflete o seu momento.

5. Arrume tempo para dormir. As festas de final de ano podem facilmente interferir na sua rotina de sono. Mas alguns estudos indicam que há ligação entre a falta de sono e a depressão. Portanto, você precisa ter cuidado dobrado com isso. Tente acordar e se deitar no mesmo horário todos os dias; evite refeições pesadas e atividades físicas horas antes de dormir; e livre-se da TV ou qualquer outra distração no quarto.

6. Peça ajuda. Seja para amigos próximos ou família, não pense duas vezes ao pedir para uma pessoa dar apoio, desde realizar tarefas simples do dia a dia até tomar um chá e ouvir o seu desabafo.

7. Priorize os exercícios físicos. Mexer-se deve ser mantido no topo da lista de prioridades. Além de ajudar a queimar as calorias extras (a comilança vai rolar solta nessa época do ano!), exercícios físicos ajudam a melhorar o humor. E não precisa ser nada radical: 35 minutos de caminhada forte, cinco dias por semana (ou 60 minutos três vezes por semana), já são suficientes.

8. Reveja sua exposição ao sol. Muitas pessoas podem sofrer com a pouca exposição solar. A doença, que é sazonal, acomete principalmente pessoas no hemisfério norte, pois lá as festas de final de ano acontecem no inverno, quando o sol fica menos tempo no alto. De qualquer forma, se achar que está sofrendo com o problema, converse com seu médico sobre como se tratar.

9. Mantenha o foco no que importa. O mais importante do natal não são os presentes, mas os problemas financeiros podem fazer você acreditar nisso. Controle o estresse organizando a troca de presentes entre amigos e familiares (estipular um valor como limite pode ser interessante). Você pode também cozinhar algo para presentear alguém ou mesmo criar rituais novos para a família passar o tempo.

10. Não desconte na comida ou no álcool. Para algumas pessoas, se permitir exagerar na bebida ou na comida é quase uma tradição das festas de final de ano. Melhor se controlar. Além de fazer mal ao corpo, você vai se sentir culpado depois. Prepare-se para as festas alimentando-se de forma saudável na semana anterior aos feriados. E nada de afogar as mágoas no copo cerveja ou na taça de vinho: o álcool pode intensificar suas emoções e deixar tudo ainda pior quando seu efeito passar.

11. Diminua os compromissos. Se você não aguenta mais se encontrar com as mesmas pessoas nas festas, tudo bem cancelar alguns compromissos para sentir-se melhor. As pessoas esquecem que natal é apenas um dia - são só 24 horas. Procure encontrar atividades que melhorem o seu estado de espírito, como viajar, trabalho voluntário ou fazer companhia a alguém sozinho em algum abrigo. Focar em outras pessoas pode aliviar os sintomas da depressão".





domingo, 15 de dezembro de 2019

"Embora a perda de um paciente como resultado do suicídio possa representar um tipo de rito de passagem, cuja superação atesta a força do terapeuta e sua adequação para realizar o trabalho da profissão, para muitos terapeutas esse evento tem impacto a longo prazo e pode influenciar todo o seu trabalho futuro. Alguns terapeutas tendem a tentar aprofundar seus conhecimentos sobre o tema do suicídio, demonstrando mais cuidado em manter registros de seus casos e tornando-se mais atentos e capazes de identificar e tratar pacientes em risco. Outros, em vez disso, podem se inclinar a prescrever mais drogas do que o necessário, insistem na
admissão de pacientes para evitar incorrer em um novo luto traumático. Para reduzir os riscos associados ao luto do terapeuta, o treinamento preparatório específico e o apoio do supervisor, colegas, família ou grupo de autoajuda são de fundamental importância. Desta forma, a busca de respostas não leva ao desespero, mas ao crescimento pessoal e profissional, talvez descobrindo um sentido mais profundo da vida (RATKOWSKA ET AL, 2014, p. 113, TRADUÇÃO NOSSA).

Por ser um tabu, o profissional também pode ter dificuldade para encontrar um espaço para falar do seu próprio luto. De acordo com Guedes (2018, p. 90), “há uma dificuldade de se encontrar espaços onde esses profissionais se sintam autorizados a validar suas experiências, em que possam expressar suas emoções e seus pensamentos ao vivenciarem a perda de um cliente por suicídio”. A autora propõe questionamentos importantes: 

O que sente um psicólogo que perdeu um cliente por suicídio? O que pensa? Que tipo de vínculo havia estabelecido com o cliente no processo terapêutico? Após a morte, o contato com a família se deu em um tom de respeito e receptividade mútua ou o sistema familiar responsabilizou o profissional pelo acontecimento? Este, por sua vez, culpa-se por não ter conseguido evitar a morte? Conseguiu ou teve vontade de participar dos rituais fúnebres? Reconhece o próprio pesar frente à perda e consegue expressá-lo para alguém? Tem medo do julgamento de seus pares? (GUEDES, 2018, p. 90-91).

- Retirado do meu trabalho "ESPECIFICIDADES DO MANEJO DO LUTO POR SUICÍDIO NA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL", disponível em: https://cetcc.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Luciana-Fran%C3%A7a-Cescon.pdf.


domingo, 8 de dezembro de 2019

Carta a alguém em depressão _______________ Leonardo Collares


"De alguém que esteve aí onde você está agora, e que quer que você saia, assim como eu saí.

Você está vivendo um episódio de depressão. Eu sei porque já estive aí e pode ser que volte em alguma hora. Bem, quero aproveitar este momento em que me encontro aqui do lado de fora para te escrever esta carta com base no eu que já esteve aí e neste outro que um dia pode voltar.

Não tenho a pretensão de te ajudar. Quero apenas te fazer companhia por alguns momentos, como um desconhecido que se senta do teu lado num banco público, reconhece a tua solidão e puxa uma conversa, tentando respeitar sua aflição e tomando cuidado para não perturbar a segurança precária do teu isolamento.

Talvez, enquanto eu fale ou escreva, você continue sentindo uma tristeza, um desânimo e um vazio que te acompanham até demais, só que tudo isso não te impede de trabalhar, de cuidar da vida e fingir que está tudo bem quando a ocasião requer. Ou talvez você esteja paralisado e sozinho, duvidando que possa realmente sair do buraco algum dia.

Quero ser franco contigo, porque sei que nessa condição temos pouca paciência para papo furado. A depressão pode mesmo levar ao suicídio. Em outros casos, ela pode ser uma pena longa e severa, anos e anos de prisão intelectual, afetiva e funcional. A vida se derramando no ralo do tempo.

Acho bom encarar isso. É preciso reconhecer a dimensão desse obstáculo. Primeiro, para nos darmos conta de que essa condição demanda nossa atenção e cuidados imediatos e continuados. Depois, para estarmos seguros de que estão errados aqueles que, por não a terem experimentado, e por estarem mal informados, subestimam ou estigmatizam a depressão. Com isso, contribuem para criar dificuldades ao enfrentamento adequado de um problema de saúde pública mundial. Também contribuem para agravar o sofrimento de pessoas próximas. Eu tinha minhas dúvidas quando estava aí onde você está, mas hoje é bastante claro para mim: depressão não é sinal de fraqueza. Pode ser, antes, indício de sensibilidade e de inteligência (ainda que muitas pessoas sensíveis e inteligentes não sofram com ela, felizmente). Não é motivo de culpa, e sim uma enfermidade que pode e deve ser tratada.

Em alguns casos, a angústia é intensa ao ponto de fazer a morte parecer um alívio. Foi assim para mim, em alguns momentos. Aqui de fora, é fácil perceber como o horizonte fica mais sombrio através das lentes da tristeza crônica. Com o olhar desimpedido, paisagens alternativas, que sempre existiram, ficam mais claras.

Nota do autor: no contexto de um transtorno mental como a depressão, a tentativa de suicídio não é uma decisão racional ou decorrente de livre arbítrio, ao contrário do que pode parecer; é importante, em caso de risco, buscar ajuda adequada, como a orientação de um psicólogo ou psiquiatra - disponível gratuitamente nos Centros de Atenção Psicossocial da rede pública -, ou ainda de entidades como o Centro de Valorização da Vida, que realizam um importante trabalho de prevenção, inclusive em momentos de crise. Pesquisas sobre o tema ressaltam, entre outros aspectos, os efeitos traumáticos sobre familiares e pessoas próximas nos casos consumados, bem como, por outro lado, os numerosos exemplos de recuperação do bem-estar psíquico e da qualidade de vida por meio de acompanhamento adequado.

De todo modo, não temos muito tempo. A vida é uma projeção temporária, disse um pensador; como um filme, com começo, meio e fim. Sendo assim, mais vale fazer o melhor possível no tempo contado que temos. Mesmo com todas as limitações, mesmo em meio à depressão.

Num dia de melancolia é possível fazer bem a alguém. Você pode fazer bem a si mesmo, por exemplo, fazendo uma boa refeição, ou se exercitando. Pode ouvir alguém que precise desabafar. Fazer um elogio, encorajar. Então mais vale arriscar e tentar fazer algo de significativo, ainda que seja um passo aparentemente minúsculo. Vai que uma hora saímos desse buraco e voltamos a ganhar bons momentos no tempo que nos resta, quem sabe até fazemos uma diferença positiva na vida de outras pessoas… E o fato é que há grandes chances de isso acontecer.

A depressão pode consumir tempo de vida, mas também pode passar. Eu atravessei diversos episódios depressivos desde a adolescência, e o mais recente durou cerca de oito meses. Passei dias inteiros, do nascer ao pôr do sol, dormindo ou olhando pro teto. Deixei de trabalhar. Fui torturado sem trégua por meus pensamentos. Me senti sozinho e incompreendido no meu inferno pessoal. Tentei aguentar, tentei me ajudar, recebi ajuda. E um dia vi que tinha superado o período de depressão.

Não me iludo, sei que posso escorregar de volta. Depois de horas incontáveis de estudo, reflexão, conversas e psicoterapia, não sei dizer com precisão o que ela é, tenho ideias vagas de suas causas e não tenho a fórmula da cura. Mas conheço o lugar onde ela nos aprisiona. Eu estive aí onde você está, e trouxe comigo algo valioso: a experiência de ter saído. É pouco, reconheço, mas o que tenho de mais importante para te dizer é o que não podia ver aí de dentro: dá para sair.

Para mim, faz sentido pensar na depressão como um feitiço ou um pesadelo. Um filme de terror. Um porre brabo, uma pedra no rim. É terrível, mas uma hora acaba (não digo que acabe por si só; é mais provável que requeira um esforço consciente, prolongado e considerável, na maior parte dos casos).

Além disso, como em todos esses exemplos, sair da depressão tornou muito claro para mim que eu não sou aquilo que sinto quando estou deprimido. Aqueles pensamentos, emoções e comportamentos são manifestações de um corpo e de uma mente em depressão; não são minha essência. A mente abriga e manifesta outras identidades. Alguém pode estar deprimido, mas nunca é deprimido, não importa a duração desse estado. Posso te dar um exemplo simples: basta lembrar de algum período da vida em que você não estava em depressão. Ela chega e ela vai. Espero que você encontre outras pessoas que se libertaram, que pare para ouvi-las, e que decida acreditar nisso. Espero que se lembre disso quando estiver no coração das trevas. Dá para sair.

Tenho outra coisa para te dizer com franqueza. Ninguém vai te salvar, a não ser você mesmo. Esta tampouco é uma verdade absoluta, eu sei, apenas outra lição dolorosa e enriquecedora da minha própria vivência. Com isso, não quero dizer que não precisamos de ajuda e que não é importante contar com a compreensão, a paciência e a generosidade de familiares, amigos e médicos. Eu não teria conseguido sem eles e tenho gratidão eterna por ter podido receber sua ajuda. O que quero dizer é que todo o apoio dessa rede de pessoas, e mesmo os medicamentos, podem te ajudar até certo ponto. A partir desse ponto, você tem de caminhar sozinho.

Esse ponto é aquele em que você decide que vai se ajudar. Não é uma grande e única decisão. São muitas e pequenas escolhas diárias: se abrir com um amigo, pedir ajuda, procurar um psicólogo ou psiquiatra, levantar da cama, dar uma caminhada, passar tempo com quem está disposto a te apoiar, exercitar o corpo, evitar o álcool e outras drogas com efeito depressivo (estou me referindo aqui ao caso da pessoa deprimida), buscar coisas que te façam brilhar os olhos, prosseguir no caminho sem fim de dar significado à vida. Só você pode fazer essas coisas. Mergulhar no escuro da depressão é deparar-se com o fato de que, no fundo, estamos sozinhos. A porção que nos cabe do sofrimento inevitável da vida nós experimentamos sozinhos. Sós, podemos optar por aprender a lidar com ele, e podemos buscar os meios e a ajuda de que precisamos para isso.

Paradoxalmente, a depressão nos mostra ao mesmo tempo que não estamos sozinhos. Ela me forçou a me abrir e expor minha vulnerabilidade a um maior número de pessoas, às vezes nem tão próximas, seja para pedir ajuda, seja porque eu simplesmente não podia esconder a dificuldade por que passava. Isso me fez aprofundar algumas amizades de um modo que não teria sido possível fora desse contexto. Também me fez iniciar amizades, com uma confiança e uma proximidade maiores do que as relações costumam ter no começo. O processo de cura como um todo foi uma lição valiosa de interdependência, mostrando como meu bem-estar depende da qualidade das minhas relações - comigo mesmo, com os outros, com o meio -, da minha inserção em redes de confiança e ajuda mútua, da troca de afeto. São presentes que recebi da depressão.

Tenho vontade de compartilhar contigo algo mais sobre essa “viagem ao fim da noite” (o romance de Céline não trata expressamente de depressão, mas se relaciona ao que vou dizer, de certa forma). Ao cabo dessa viagem, não encontrei nada. Não há nada, a não ser o sofrimento. Por certo tempo durante essa incursão nas sombras, esperei fazer descobertas sobre o sentido da existência, acreditei que minha rebelião silenciosa contra a vida usual me permitiria finalmente encontrar um eixo de significado. Mas não. Nada. Tive, sim, insights e epifanias, revi hábitos e adquiri maior consciência de alguns fatores de bem-estar e de sofrimento. Mas a resposta a minhas indagações existenciais mais profundas não estavam nessa cela escura.

Entendi que não seria me abandonando que eu me redimiria.

Talvez a depressão, dor crônica da mente, seja como a dor do corpo, um alarme disparado denunciando a enfermidade de nossos modos costumeiros de interpretar e tocar a vida. Mas o remédio e a prevenção não estão na dor. É na vida de todos os dias, em meio a meus afazeres e preocupações corriqueiros, que sinto ter de encontrar, ou definir, os rumos de uma existência significativa.

A depressão me deixou mais sensível à relevância e urgência dessa busca, fez dela minha prioridade zero. Tenho buscado. Há muitas vozes no mar de informações e conselhos despejados diariamente em nossos ouvidos, e entre elas há verdadeiros amigos, profissionais de saúde e professores de vida. E há pessoas como você e eu, buscando curar-se da normalidade patológica. Espero que você as encontre, que se deixe ajudar e que as ajude. Há muito que aprender a fim de superar e prevenir a depressão, e, de modo mais amplo, viver melhor. Por exemplo, adquiri o hábito de me lembrar todo dia dos muitos aspectos favoráveis da minha vida, como ela é hoje.

Terá sido uma lição singela, mas experimentei a dor que estar à deriva na existência pode trazer e ao menos sei que a busca de significado depende de mim. Você não está sozinho nessa viagem. Te desejo força e sorte. Desejo que você possa transformar  esse sofrimento em liberdade.


- Leonardo Collares



domingo, 17 de novembro de 2019

Cartilha: Suicídio: compreender, identificar e intervir


Lançada em novembro do ano passado pela Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, este material traz artigos de diferentes autores sobre suicídio.

"Atualmente, entende-se o suicídio como um fenômeno complexo. A suicidalidade engloba os aspectos ideativos e comportamentais de violência auto direcionada com intenções de morte que podem ser fatais ou não. Vários são os fatores que se relacionam à suicidalidade, tais como a dor psicológica, as pressões e estressores externos, auto criticismo e desesperança no futuro, servindo de antecedentes, mantenedores ou mediadores do suicídio" (p. 39).

"O perfeccionismo é um construto psicológico complexo, bem como sua relação com o fenômeno do suicídio, que apenas recentemente tem sido sistematicamente investigada. Mesmo aqueles indivíduos que possuem alto desempenho em seus campos de atuação, quando há mudança das contingências, podem estar em risco, pois pessoas extremamente perfeccionistas só estão satisfeitas quando os eventos de vida sugerem que são perfeitos; quando os eventos de vida mudam e inevitavelmente apontam que estas pessoas não são perfeitas, isso pode se seguir de ideações suicidas. A boa notícia é que o perfeccionismo é uma característica passível de mudança e que para alcançá-la o indivíduo não precisa se encorajado a abrir mão de suas metas, apenas flexibilizá-las" (p. 48).

"Existem poucos artigos sobre ideação suicida em crianças com menos de 8 anos pois é questionável se crianças tão novas conseguem entender o que a morte representa. Whalen e colaboradores (2015) demonstram evidências empíricas de que crianças pequenas possuem um entendimento acerca de morte e até suicídio maior do que esperado. Embora o entendimento de uma criança mais nova sobre morte ou suicídio seja menos complexo do que de uma criança mais velha ou de um adulto, em torno de 4 anos crianças conseguem entender que a morte leva a cessação da habilidade de atuar e é distinguida de dormir. Whalen e colaboradores ainda citam um estudo de Mishara (1999) feito com crianças do primeiro ao quinto ano em que todas, com exceção de três crianças, conseguiram definir e discutir “matar você mesmo”. Todas as crianças que conseguiram definir e discutir sobre esse conceito mencionaram meios viáveis de se fazer isso, seja usando uma faca ou arma. Embora não seja específico para o início da infância, os resultados desse estudo sugerem que crianças entre 6 e 10 anos entendem perfeitamente que um ato intencional de suicídio resultará em morte e compreendem que a morte é permanente e final" (p. 59). 

"[...] ao perder um paciente para o suicídio, os profissionais tendem a experimentar emoções parecidas com as dos familiares sobreviventes, como raiva direcionada ao paciente, a si próprio, à família, à polícia ou à imprensa. Adicionam-se a isso as questões relativas à própria profissão, sentimentos de responsabilidade e culpa, perda de autoestima, dúvidas sobre as habilidades e competências clínicas, medo de ser culpado pelo suicídio e até mesmo da reação dos familiares. Eles podem, inclusive, fantasiar sobre críticas dos colegas e supervisores, ter pensamentos acusatórios de omissão e sentir receio por questões jurídicas relativas à negligência por erro médico" (p. 109). 



http://www.hu.usp.br/wp-content/uploads/sites/406/2018/07/Cartilha-suic%C3%ADdio_final.pdf

domingo, 10 de novembro de 2019

Artigo: Autópsia psicológica e psicossocial sobre suicídio de idosos: abordagem metodológica

Maria Cecília Minayo é uma das mais importantes referências em pesquisa e tem estudado o suicídio na população idosa.
Neste trabalho, ela integra esta temática à proposta da autópsia psicológica (existem outros artigos sobre o tema nas palavras-chave do blog). 

Resumo: O artigo analisa a qualidade e a consistência de um roteiro de entrevista semiestruturada, adaptado para o estudo do suicídio de pessoas idosas e apresenta o método das autópsias psicossociais que resultou da aplicação desse instrumento. O objetivo é demonstrar como o uso da entrevista em profundidade e sua forma de organização e análise de dados foram testados e aperfeiçoados por uma rede de pesquisadores de vários centros de pesquisa do Brasil. O método envolveu a aplicação do instrumento em que se socializou um manual de instruções sobre a coleta, sistematização e análise de dados. A metodologia foi aplicada no estudo de 51 casos de idosos que faleceram por suicídio em dez municípios brasileiros, e permitiu a verificação da consistência do instrumento usado e a aplicabilidade do seu método, durante o processo e ao final, por meio de uma avaliação em rede. O roteiro aperfeiçoado e as instruções para replicá-lo e analisá-lo são aqui apresentados. Os resultados apontam o rigor e a credibilidade dessa abordagem metodológica testada e qualificada de um modo interdisciplinar e interinstitucional. 

Palavras-chaves: Autópsia psicológica, Autópsia psicossocial, Suicídio de idosos, Rigor e qualidade de instrumentos de pesquisa

"Originalmente, o objetivo das autópsias psicológicas tem sido colher informações post mortem sobre circunstâncias e contexto do óbito de determinada pessoa, em muitos casos apoiando médicos legistas e ajudando-os a concluir se a causa foi natural, acidental, por suicídio ou homicídio. O método da autópsia psicológica foi proposto por Edwin Schneidman nos Estados Unidos por volta dos anos 1950 como um tipo de estudo retrospectivo que reconstitui o status da saúde física e mental e as circunstanciais sociais das pessoas que se suicidaram, a partir de entrevistas com familiares e informantes próximos às vítimas. A autópsia é realizada como uma reconstrução narrativa. E sua consistência depende da qualidade da informação prestada" (p. 2040). 

"Shneidman, embora denominasse o seu método como ¨autópsia psicológica¨ possuía uma visão integrada sobre as dimensões biológicas, psiquiátricas, históricas e sociológicas e é nesse sentido que aqui se utiliza o termo autópsia psicossocial" (p. 2040).

"Dentre as principais dificuldades que apareceram na aplicação dos instrumentos estão: os tabus e não ditos que envolvem o fenômeno do suicídio e que se apresentam sob a forma de estigma, discriminação e vergonha; lembranças associadas à culpa, raiva ou rancor suscitadas por crônicos conflitos familiares; descontentamentos com a falta de apoio em vida aos idosos por parte de órgãos públicos e de assistência; censuras enunciadas por familiares que não se ocupavam diretamente da pessoa que se suicidou; e medo de contar fatos que poderiam suscitar comprometimento legal como recebimento de seguro, de aposentadoria, ou questões policiais. Tais assuntos demandam manejos delicados e é importante que o pesquisador esteja preparado para enfrentá-los, evitando sempre julgar ou tomar partido" (p. 2049-2050).

"O momento da entrevista, em geral, gerou forte impacto tanto nos entrevistadores quanto nos entrevistados. Ao se defrontar com um ‘outro’ tão sofrido, os investigadores contaram que vivenciaram seus próprios limites e frequentemente provaram sentimentos tumultuados por experiências de sofrimento, dor e morte. [...] E a abertura para ouvir além do que o roteiro de entrevista exigia foi fundamental para que a solidariedade com os familiares ocorresse, para que encaminhamentos aos serviços de apoio fossem feitos e para que mutuamente as pessoas se confortassem. Recomenda-se que o instrumento não venha a se sobrepor à necessidade de acolhimento e que os pesquisadores busquem se apoiar mutuamente, uma vez que ninguém está isento de se desequilibrar emocionalmente frente a histórias tão tristes e comoventes" (p. 2050).





domingo, 3 de novembro de 2019

Transtorno do Comportamento Suicida ________________ DSM-V


Critérios Propostos
A. Nos últimos 24 meses, o indivíduo fez uma tentativa de suicídio.
Nota: Uma tentativa de suicídio é uma seqüência autoiniciada de comportamentos por um indivíduo que, no momento do início, tinha a expectativa de que o conjunto de ações levaria à sua própria morte.
(O “momento do início” é momento em que ocorreu um comportamento que envolveu a aplicação do método.)
B. O ato não preenche os critérios para autolesão não suicida - isto é, não envolve autolesão direcionada à superfície do corpo realizada para produzir alívio de um estado cognitivo/ sentimento negativo ou para alcançar um estado de humor positivo.
C. O diagnóstico não é aplicado a ideação suicida ou a atos preparatórios.
D. O ato não foi iniciado durante um estado de delirium ou confusão.
E. O ato não foi realizado unicamente por um objetivo político ou religioso.

Especificar se:
Atual: Não mais de 12 meses desde a última tentativa.
Em remissão inicial: 12 a 24 meses desde a última tentativa.

Especificadores
O comportamento suicida é frequentemente categorizado em termos da violência do método.
Geralmente, overdoses com substâncias legais ou ilegais são consideradas não violentas,
enquanto pular de alturas, ferir-se com arma de fogo e outros métodos são considerados
violentos. Outra dimensão para classificação são as conseqüências médicas do comportamento, com as tentativas de alta letalidade sendo definidas como aquelas que requerem hospitalização, além da procura ao setor de emergência. Uma dimensão adicional considerada inclui o grau de planejamento versus impulsividade da tentativa, uma característica que pode ter conseqüências para a evolução médica de uma tentativa de suicídio.
Se o comportamento suicida ocorreu 12 a 24 meses antes da avaliação, a condição é considerada em remissão inicial. Os indivíduos permanecem em maior risco para outras tentativas de suicídio e morte nos 24 meses após uma tentativa de suicídio, e o período de 12 a 24 meses após a ocorrência do comportamento é especificado como "remissão inicial".

Características Diagnósticas
A manifestação essencial do transtorno do comportamento suicida é uma tentativa de suicídio.
Uma tentativa de suicídio é um comportamento que o indivíduo realizou com pelo menos
alguma intenção de morrer. O comportamento pode ou não levar a lesão ou a conseqüências médicas sérias. Vários fatores podem influenciar as conseqüências médicas da tentativa de suicídio, incluindo mau planejamento, falta de conhecimento sobre a letalidade do método escolhido, baixa intencionalidade ou ambivalência ou intervenção casual de outras pessoas depois que o comportamento foi iniciado. Estes não devem ser considerados na atribuição do diagnóstico.
Determinar o grau de intencionalidade pode ser desafiador. Os indivíduos podem não reconhecer a intenção, especialmente em situações em que fazer isso poderia resultar em hospitalização ou causar sofrimento a pessoas amadas. Marcadores de risco incluem grau de planejamento, incluindo a escolha de um momento e lugar para minimizar a chance de salvamento ou interrupção; o estado mental do indivíduo no momento do comportamento, com a agitação aguda sendo especialmente preocupante; alta recente de internação hospitalar; ou descontinuação recente de um estabilizador do humor, como lítio, ou de um antipsicótico, como clozapina, no caso de esquizofrenia. Exemplos de "desencadeantes" ambientais incluem conhecimento recente de um diagnóstico médico potencialmente fatal, como câncer, passar pela perda repentina e inesperada de um parente próximo ou parceiro, perda de emprego ou despejo de casa. Já comportamentos como falar com outras pessoas sobre eventos futuros ou preparar-se para assinar um seguro de vida são indicadores menos confiáveis.

Para que os critérios sejam preenchidos, o indivíduo deve ter tido ao menos uma tentativa
de suicídio. As tentativas de suicídio podem incluir comportamentos em que, após dar início à tentativa de suicídio, o indivíduo mudou de ideia ou alguém interferiu. Por exemplo, uma
pessoa pode ter a intenção de ingerir determinada quantidade de medicamentos ou veneno, mas interromper ou ser impedida por outra pessoa antes de ingerir a quantidade completa. Se o indivíduo é dissuadido por outra pessoa ou muda de ideia antes de iniciar o comportamento, o diagnóstico não deve ser feito. O ato não deve preencher os critérios para autolesão não suicida - isto é, não deve envolver episódios repetidos de automutilação (ao menos cinco vezes nos últimos 12 meses) realizados para produzir alívio de um estado cognitivo/sentimento negativo ou para alcançar um estado de humor positivo. O ato não deve ter sido iniciado durante um estado de delirium ou confusão. Se o indivíduo se intoxicou deliberadamente antes de iniciar o comportamento, para reduzir a ansiedade antecipatória e minimizar a interferência no comportamento pretendido, deve ser feito o diagnóstico.

Desenvolvimento e Curso
O comportamento suicida pode ocorrer em qualquer momento durante a vida, mas é raramente encontrado em crianças com menos de 5 anos. Em crianças pré-púberes, o comportamento com frequência consistirá em um ato (p. ex., sentar em um parapeito) que os pais proibiram devido ao risco de acidente. Aproximadamente 25 a 30% das pessoas que tentam suicídio continuarão a cometer mais tentativas. Existe variabilidade significativa em termos de frequência, método e letalidade das tentativas. Entretanto, isso não é diferente do que é observado em outras doenças, como o transtorno depressivo maior, no qual a frequência do episódio, seu subtipo e o prejuízo para um determinado episódio podem variar significativamente.

Questões Diagnósticas Relativas à Cultura
O comportamento suicida varia na frequência e na forma entre as culturas. As diferenças culturais podem se dever à disponibilidade do método (p. ex., envenenamento com pesticidas em países em desenvolvimento; ferimentos com arma de fogo no sudoeste dos Estados Unidos) ou à presença de síndromes culturalmente específicas (p. ex., ataques de nervios, que em alguns grupos de latinos podem levar a comportamentos que se parecem muito com tentativas de suicídio ou podem facilitar tentativas de suicídio).

Marcadores Diagnósticos
Anormalidades laboratoriais conseqüentes à tentativa de suicídio são frequentemente evidentes. O comportamento suicida que leva a perda sanguínea pode ser acompanhado por anemia, hipotensão ou choque. Overdoses podem ocasionar coma ou obnubilação e anormalidades laboratoriais associadas, tais como desequilíbrio hidreletrolítico.

Conseqüências Funcionais do Transtorno do Comportamento Suicida
Podem ocorrer condições médicas (p. ex., lacerações ou trauma ósseo, instabilidade cardiopulmonar, aspiração de vômito e sufocação, insuficiência hepática conseqüente ao uso de paracetamol) como conseqüência do comportamento suicida.

Comorbidade
O comportamento suicida é visto no contexto de uma variedade de transtornos mentais, mais comumente transtorno bipolar, transtorno depressivo maior, esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtornos de ansiedade (em particular transtorno de pânico associado a conteúdo catastrófico e TEPT associado a flashbacks), transtornos por uso de substâncias (especialmente transtorno por uso de álcool), transtorno da personalidade borderline, transtorno da personalidade antissocial, transtornos alimentares e transtornos de adaptação. Ele é raramente manifestado por indivíduos sem patologia discernível, a menos que seja realizado em função de uma condição médica dolorosa, por razões políticas ou religiosas com a intenção de chamar a atenção para o martírio ou por parceiros em um pacto suicida, situações nas quais ambos são excluídos desse diagnóstico, ou quando os que informam desejam esconder a natureza do comportamento.

- DSM V - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
 Associação Americana de Psiquiatria, 2014.


domingo, 27 de outubro de 2019

“existem aqueles dias em que a simples ação de respirar leva você à exaustão. parece mais fácil desistir desta vida. a ideia de desaparecer é capaz de trazer paz. passei tanto tempo sozinha num lugar em que não existia sol, em que não crescia flor. mas de vez em quando no meio da escuridão alguma coisa que eu amava surgia para me trazer de volta à vida. como testemunhar um céu estrelado. a leveza de dar risada com velhos amigos. [...] viver é difícil. é difícil para todas as pessoas. e é bem nesse momento que a vida parece um eterno rastejar por um túnel minúsculo. que precisamos resistir com força às memórias negativas. nos recusar a aceitar os meses ruins ou anos ruins. porque nossos olhos querem engolir o mundo. ainda há tantos lugares com água turquesa para mergulhar. há a família. de sangue ou a escolhida. a possibilidade de se apaixonar. pelas pessoas e lugares. colinas altas como a lua. vales que vão fundo em novos mundos. e viagens de carro. acho muito importante aceitar que nós não somos mestres deste lugar. somos apenas hóspedes. e como visitantes devemos aproveitá-lo como um jardim. tratá-lo com gentileza. para que quem vier depois também aproveite. devemos encontrar nosso sol. cultivar nossas flores. o universo presenteou com toda luz e sementes. talvez às vezes a gente não ouça mas aqui sempre tem música. só precisa aumentar o volume ao máximo. enquanto houver ar em nossos pulmões - precisamos continuar dançando".



- Rupi Kaur em "O que o sol faz com as flores" (p. 250).


domingo, 20 de outubro de 2019

Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio

Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada 
e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, 2011 a 2018

Apresentação: Este boletim apresenta uma descrição do perfil epidemiológico dos casos de violência autoprovocada e óbitos por suicídio envolvendo jovens de 15 a 29 anos de idade no Brasil, no período de 2011 a 2018. Os dados de violência autoprovocada foram obtidos por meio da ficha de notificação individual de Violência Interpessoal/Autoprovocada do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Para os óbitos por suicídio, foram utilizados os dados registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

No período de 2011 a 2018 foram notificados 339.730 casos de violência autoprovocada, dos quais, 154.279 (45,4%) ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo 103.881 (67,3%) nas mulheres e 50.388 (32,7%) nos homens. Dez registros tiveram o sexo da pessoa ignorado. 

No período de 2011 a 2017, foram registrados 80.352 óbitos por suicídio na população a partir de 10 anos, dos quais 21.790 (27,3%) ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo 17.221 (79,0%) no sexo masculino e 4.567 (21,0%) no feminino. Entre 2011 e 2017 verificou-se um aumento no número de óbitos por suicídio entre os jovens de 15 a 29 anos, sendo 8,7% entre os homens e 7,3% entre as mulheres. 

Em relação ao local de ocorrência do óbito, o domicílio foi o local mais frequente (57,3%), com percentual discretamente maior no sexo masculino (58,4%) em relação ao feminino (53,3%). O segundo local mais frequente foi o hospital (17,6%), onde o sexo feminino (29,0%) apresentou percentual duas vezes maior que o masculino (14,6%). 
O enforcamento foi o meio mais frequentemente utilizado para o suicídio, com maior percentual no sexo masculino (70,3%) do que no feminino (53,8%), seguido da intoxicação exógena que foi duas vezes mais frequente no sexo feminino (28,0%) do que no masculino (11,9%). A arma de fogo foi mais utilizada pelos homens (8,7%) do que pelas mulheres (4,6%)






domingo, 6 de outubro de 2019

Biblioterapia e suicídio

A leitura sempre foi uma das minhas maiores paixões. No dia 21 de setembro de 2019, apresentei no III Simpósio Paulista de Prevenção e Posvenção do Suicídio uma fala sobre como tenho utilizado livros para compreender e trabalhar com o comportamento suicida e com o luto por suicídio.

Quando comecei a estudar sobre o comportamento suicida, encontrei muitos manuais que traziam um conhecimento teórico e científico sobre o assunto. Estas informações me ajudaram a entender o suicídio como resultado de múltiplos determinantes, embora quase sempre o foco fosse no transtorno psiquiátrico. Mas foi na literatura ficcional e autobiográfica que eu pude encontrar experiências e narrativas parecidas com o que eu ouvia dos usuários do CAPS no qual eu trabalhava. Para além do sofrimento psiquiátrico, havia a história de vida, encontros e desencontros, sonhos e frustrações nas narrativas das personagens e dos meus pacientes. Compreendi que os dois tipos de materiais complementavam-se e me ajudavam a entender de forma mais ampla e intervir com mais qualidade neste tipo de sofrimento.

A ligação entre suicídio e literatura é bem estreita desde que Goethe escreveu “Os sofrimentos do jovem Werther”, em 1774. No romance, o jovem Werther se apaixona por uma moça e, diante da impossibilidade de ser correspondido,  Até hoje, quando falamos no efeito contágio, falamos no “efeito Werther”.

No artigo “A importância da Biblioterapia no tratamento da depressão”, Isabela Lustosa Pereira, no seu TCC para Bacharel em Biblioteconomia (2016, disponível em http://www.unirio.br/unirio/cchs/eb/arquivos/tccs-2016.2/Isabela%20Lustosa%20Pereira.pdf) refere que a bilioterapia pode ser definida como “a terapia por meio de livros”, ou seja, uma leitura recomendada com fins terapêuticos.

No artigo “Reading books and watching films as a protective factor against suicidal ideation”, de Kassara-Kiritani e outros autores (2015, disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4690968), vemos que:

“Ler livros ou assistir filmes pode compensar a falta de apoio social se, por exemplo, o leitor puder se identificar de alguma forma com a narrativa, fatores situacionais ou protagonistas das histórias. Através desta identificação, os leitores ou observadores podem sentir-se menos sozinhos, ou podem aprender com essas mídias sobre estratégias de enfrentamento, estratégias de ajuda ou talvez aumentar sua disposição de discutir seus problemas com profissionais de saúde ou outros.
[...] Livros e filmes podem atuar como fontes de apoio social ou alfabetização em saúde mental e, assim, reduzir o risco de suicídio constituído por falta de pertencimento. Recomendamos que os jovens com baixo sentimento de pertencimento, em risco de comportamento suicida, possam ler livros e / ou assistir a filmes que possam ter efeitos preventivos [tradução nossa]”.

Diante disso, faço então algumas sugestões de leitura, lembrando que há muito material sobre o assunto:

- Para profissionais:
Crise suicida, de Neury Botega
Sinopse: Como nossas atitudes em relação ao suicídio interferem na prática clínica? Quais características pessoais e circunstâncias mais se associam ao suicídio? Como estimar o risco de suicídio? Quais as nuanças da relação empreendida com o paciente e sua família? Neste livro prático e acessível, Neury José Botega responde a essas e outras questões, sistematizando suas vivências diárias no atendimento a pacientes em crise suicida.

Histórias de sobreviventes de suicídio, do Instituto Vita Alere
Sinopse: Esse livro nasceu da dor e da esperança, da luta e da força, da tragédia arrebatadora e de achar que não havia outra opção. Nele, estão histórias do I Concurso Literário do instituto, com textos de pessoas que tentaram suicídio, que perderam seu ente querido por suicídio ou ainda profissionais que compartilham sua experiência diante do impacto de perder um paciente por suicídio.

Um crime da solidão, de Andrew Solomon
Sinopse: Do mesmo autor de “O demônio do meio-dia”, traz artigos que foram reunidos em livro pela primeira vez, numa edição exclusiva para o Brasil. Solomon reflete sobre casos recentes de suicídio de personalidades, como Anthony Bourdain, Robin Williams e Kate Spade.

- Para quem está em sofrimento:
Confissões de um adolescente depressivo, de Kevin Breel
Sinopse: Este livro é um guia para sobreviver à depressão ou entender melhor quem a enfrenta na adolescência, escrito por alguém que atravessou a escuridão e agora lança mão do seu estilo único para trazer luz e esperança à vida de milhões de jovens e adolescentes.

Razões para continuar vivo, de Matt Haig
Sinopse: O mundo de Matt Haig ruiu quando ele tinha pouco mais de 20 anos. Ele não conseguia achar uma maneira de continuar vivo. Essa é a história real de como ele passou pela crise, triunfou sobre a doença que quase o destruiu e aprendeu a viver novamente. Uma análise comovente e delicada sobre como viver melhor, amar melhor e se sentir mais vivo, Razões para continuar vivo é mais do que um livro de memórias.

Vidaa, de Victória Duarte e Monique Tassinari
Sinopse: As autoras constroem, em linguagem acessível, direta e ao mesmo tempo sensível e cuidadosa, uma ferramenta para lidar com a prevenção do suicídio, tema tão importante de ser encarado e discutido. É um auxílio para o leitor compreender que existem muitas soluções para o manejo da dor. São cinco passos para tentar mais uma vez e, assim, vencer mais um dia.

- Para adolescentes:
Por lugares incríveis, de Jennifer Niven
Sinopse: Violet Markey tinha uma vida perfeita, mas todos os seus planos deixam de fazer sentido quando ela e a irmã sofrem um acidente de carro e apenas Violet sobrevive. Theodore Finch é o esquisito da escola, perseguido pelos valentões e obrigado a lidar com longos períodos de depressão, o pai violento e a apatia do resto da família. Enquanto Violet conta os dias para o fim das aulas, Finch pesquisa diferentes métodos de suicídio e imagina se conseguiria levar algum deles adiante. Em uma dessas tentativas, ele vai parar no alto da torre da escola e, para sua surpresa, encontra Violet, também prestes a pular. Um ajuda o outro a sair dali, e essa dupla improvável se une para fazer um trabalho de geografia: visitar os lugares incríveis do estado onde moram.

Cartas de amor aos mortos, de Ava Dellaira
Sinopse: Prestes a começar o ensino médio, Laurel decide mudar de escola para não ter que encarar as pessoas comentando sobre a morte de sua irmã mais velha, May. A rotina no novo colégio não está fácil, e, para completar, a professora de inglês passa uma tarefa nada usual: escrever uma carta para alguém que já morreu. Laurel começa a escrever em seu caderno várias mensagens para Kurt Cobain, Janis Joplin, Amy Winehouse, Elizabeth Bishop… sem nunca entregá-las à professora. Nessas cartas, ela analisa a história de cada uma dessas personalidades e tenta desvendar os mistérios que envolvem suas mortes. Ao mesmo tempo, conta sua própria vida, como as amizades no novo colégio e seu primeiro amor: um garoto misterioso chamado Sky. Mas Laurel não pode escapar de seu passado. Só quando ela escrever a verdade sobre o que se passou com ela e com a irmã é que poderá aceitar o que aconteceu e perdoar May e a si mesma.

O último adeus, de Cynthia Hand
Sinopse: É narrado em primeira pessoa por Lex, uma garota de 18 anos que começa a escrever um diário a pedido do seu terapeuta, como forma de conseguir expressar seus sentimentos retraídos. Há apenas sete semanas, Tyler, seu irmão mais novo, cometeu suicídio, e ela não consegue mais se lembrar de como é se sentir feliz. E no meio desse vazio, Lex e sua mãe começam a sentir a presença do irmão. Fantasma, loucura ou apenas a saudade falando alto? “O último adeus” é sobre o que vem depois da morte, quando todo mundo parece estar seguindo adiante com sua própria vida, menos você.

- Para sobreviventes enlutados
Depois do suicídio, de Sheila Clark
Sinopse: Este é um livro extremamente valioso, e dará apoio e assistência àqueles que estão enlutados devidos à tragédia do suicídio. Mostra bom senso e proporciona cuidadosas orientações para ajudar as pessoas a retomarem seu caminho. Será também de grande valia para todos os envolvidos com o trabalho de apoio com enlutados. É um excelente recurso tanto para aqueles que sofreram uma perda como para os envolvidos em grupos de apoio.

E agora?, de Karen Scavacini
Sinopse: O suicídio é um evento trágico para toda a família. Crianças e adultos são extremamente impactados por essa morte e, muitas vezes, precisam de cuidados especiais. Conversar com uma criança sobre o que aconteceu e sobre como ela está se sentindo pode fazer grande diferença em seu processo de luto e na busca de uma nova forma de existir no mundo. Diminuir o estigma e tabu sobre o suicídio pode começar dentro de casa, com conversas francas, adequadas à idade e com o acolhimento do luto. Silenciar não significa resolver. O enlutamento é um processo e não um evento. Esse livro é único ao tratar desse tema: traz explicações, propõe exercícios e ajuda para crianças, pais, educadores e psicólogos nesse delicado percurso. A autora trata de uma forma simples, sensível, corajosa e cuidadosa um tema difícil, dolorido e cheio de tabus.

Sem tempo de dizer adeus, de Carla Fine
Sinopse: O suicídio parece ser o último tabu. Até mesmo o incesto é amplamente discutido na mídia, mas o suicídio de um ente querido ainda é um ato sobre o qual a maioria das pessoas é incapaz de conversar - ou até mesmo de admitir para os familiares e amigos mais próximos. Essa é uma das muitas verdades dolorosas e paralisantes que a autora Carla Fine descobriu quando seu marido, um jovem e bem-sucedido médico, tirou a própria vida em dezembro de 1989. Sentir-se incapaz de falar aberta e honestamente sobre a causa de sua dor tornou a sua sobrevivência ainda mais difícil. Sem tempo de dizer adeus trata sobre os devastadores sentimentos de confusão, culpa, vergonha, raiva e solidão que são compartilhados pelos sobreviventes e oferece um auxílio poderoso e uma orientação valiosa para os familiares e amigos que são deixados para trás e que lutam para dar sentido a um ato que lhes parece não ter sentido, e para juntar os pedaços de suas próprias vidas despedaçadas.


É importante pensar em cinco passos para o uso  da biblioterapia no comportamento suicida ou no trabalho com sobreviventes enlutados:
1.         Selecionar o livro de acordo com o tema (por exemplo: depressão, comportamento suicida, luto por suicídio), faixa etária ...
2.         Compreender a situação que o sujeito está enfrentando (momento - ele está preparado para esta leitura?, identificação - o personagem apresenta algumas semelhanças com o leitor?, concentração - o leitor atualmente consegue se concentrar o suficiente para a leitura?) ...
3.         Ler o livro antes para verificar se ele apresenta em seu enredo o enfrentamento e a solução para o problema, oferecendo esperança e suporte. Verificar se o livro traz alguma situação que na verdade pode ser um gatilho ao invés de ajudar.
4.         Depois da leitura: facilitar o processo de compreensão, discutir como foi, quais pontos chamaram a atenção, aspectos em comum e divergentes na história ...
5.         Considerar que a biblioterapia é uma ferramenta dentro de um processo maior, dentro da terapia.
No site do Vita Alere (www.vitaalere.com.br) estão disponíveis muitos outros livros relacionados à esta temática. Você também pode acompanhar minhas leituras pelo instagram @a.biblioteca.da.psicologa.