"Eu colhi os frutos amargos da minha própria recusa a tomar lítio com regularidade. Uma mania rematadamente psicótica foi acompanhada, de modo inevitável, por uma depressão suicida, profunda, prolongada e dilacerante. Ela durou mais de um ano e meio. Desde a hora em que acordava de manhã até a hora em que ia dormir à noite, eu sentia uma angústia insuportável e parecia incapaz de qualquer tipo de alegria ou entusiasmo. Tudo - cada pensamento, palavra, movimento - era um esforço. A mim mesma eu parecia sem graça, entediante, incompetente, embotada, obtusa, indiferente, fria, sem vida e sem cor. [...] (p. 131)
Qual é o sentido de seguir em frente assim? Eu me perguntava. Outros me diziam que era só temporário; que passaria; que eu superaria a fase, mas é claro que eles não faziam a menor ideia de como eu me sentia, embora eles próprios tivessem certeza de que sabiam. Foram inúmeras vezes em que me perguntei, se eu não posso sentir, se não posso me mexer, se não posso pensar e se não consigo me importar, então qual era o sentido concebível de continuar vivendo. (p. 132)
Meu psiquiatra tentou repetidamente me convencer a me internar num hospital psiquiátrico, mas eu me recusei. Tinha pavor da ideia de ser trancafiada; de me afastar de ambientes familiares; de ter de frequentar reuniões de terapia de grupo. [...]
Naquela época, nada parecia surtir efeito, apesar do excelente atendimento médico, e eu simplesmente queria morrer e acabar com aquilo. Resolvi me matar. Estava com a determinação implacável de não dar nenhuma indicação dos meus planos ou do meu estado de espírito. Tive sucesso. A única anotação feita pelo meu psiquiatra no dia anterior à minha tentativa de suicídio foi a seguinte: Seriamente deprimida. Muito calada.
[...] Minha vida está em ruínas e - o que é pior - está espalhando a ruína. Meu corpo está inabitável. Ele está enraivecido, choroso, cheio de destruição e energia louca e descontrolada. No espelho vejo uma criatura que não conheço mas com quem devo viver e dividir minha mente.
Compreendo por que Jekyll se matou antes que Hyde o dominasse completamente [personagens de O médico e o monstro]. Tomei uma dose cavalar de lítio sem nenhum remorso.
[...] Quando o telefone tocou, eu devo ter pensado instintivamente em atender. Por isso, fui engatinhando, meio entorpecida, até o telefone na sala de estar. Minha voz arrastada alertou meu irmão, que estava ligando de Paris para saber como eu estava indo. Ele imediatamente telefonou para meu psiquiatra. (p. 137-138)
O que devo ao meu psiquiatra não é passível de descrição. Lembro-me de me sentar no seu consultório centenas de vezes durante aqueles meses sinistros, pensando a cada vez no que ele poderia me dizer que faria com que eu me sentisse melhor ou com que eu me mantivesse viva. Bem, nunca houve nada que ele pudesse dizer; isso é que é engraçado. Foram todas as expressões idiotas, desesperadamente otimistas, condescendentes que ele não disse que me mantiveram viva; toda a compaixão e carinho que eu sentia nele e que não poderiam ter sido postos em palavras; toda a inteligência, competência e tempo que ele dedicou no meu atendimento; e sua fé inabalável em que a minha vida valia a pena ser vivida. Ele era terrivelmente franco, o que era de enorme importância, e se dispunha a admitir os limites da sua compreensão e dos tratamentos, bem como reconhecer quando estava errado. O que é mais difícil de expressar mas que, sob muitos aspectos, é a essência de tudo: ele me ensinou que a estrada de volta do suicídio para a vida é fria e cada vez fica mais fria, mas que - com um esforço inflexível, com a graça de Deus e uma inevitável mudança no tempo - eu conseguiria percorrê-la. (p. 141)
- Kay Redfield Jamison em "Uma mente inquieta"
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