Uma mente inquieta – memórias de loucura e instabilidade de humor
Kay Redfield Jamison
“A esta altura da minha existência, não posso imaginar levar uma vida normal sem tomar lítio e sem ter tido os benefícios da psicoterapia. O lítio evita minhas euforias sedutoras, porém desastrosas, ameniza minhas depressões, elimina as teias de aranha do meu pensamento desordenado, faz com que eu reduza a velocidade, me ajuda a avançar sem tropeços, impede a destruição da minha carreira e dos meus relacionamentos, permite que eu fique fora de um hospital, viva, e possibilita a psicoterapia. Mas, de um modo inefável, é a psicoterapia que cura. Ela confere algum sentido à confusão, refreia os pensamentos e sentimentos apavorantes, devolve algum controle, esperança e possibilidade de se aprender com tudo isso. Os comprimidos não podem e não conseguem facilitar nossa volta à realidade. Eles só nos trazem de volta de cabeça, adernando e mais rápido do que às vezes podemos suportar. A psicoterapia é um santuário, um campo de batalha; um lugar em que estive psicótica, neurótica, enlevada, confusa e com uma desesperança inacreditável. Mas sempre, foi ali que acreditei – ou aprendi a acreditar – que um dia talvez pudesse ser capaz de enfrentar tudo isso.
Nenhum comprimido tem condições de me ajudar com o problema de não querer tomar comprimidos. Da mesma forma, nenhuma quantidade de sessões de psicoterapia pode, isoladamente, evitar minhas manias e depressões. Eu preciso dos dois. É estranho dever a vida a comprimidos, a nossas próprias idiossincrasias e teimosias e a esse relacionamento singular, estranho e essencialmente profundo chamado psicoterapia” (p. 105-106).
“Nós todos construímos diques para manter a distância as tristezas da vida e as forças muitas vezes avassaladoras que atuam nas nossas mentes. Não importa a maneira pela qual fazemos isso – amor, trabalho, família, fé, amigos, negação, álcool, drogas ou medicamentos – construímos esses diques, pedra por pedra, ao longo da vida inteira. Um dos problemas mais difíceis está em construir essas barreiras com uma altura e uma resistência tais que se tenha um verdadeiro abrigo, um santuário afastado da dor e do tumulto frustrante, e que ele seja permeável o suficiente para permitir a renovação da água do mar que impedirá a inevitável tendência para a água salobra. Para uma pessoa com minhas características de temperamento e mente, a medicação é um elemento essencial desse dique. Sem ela, eu estaria constantemente sujeita aos movimentos esmagadores de um mar mental. É inquestionável que eu já estaria morta ou louca.
No entanto, o amor é para mim, em última análise, a parte mais extraodinária desse quebra-mar. Ele ajuda a deixar de fora o pavor e o desconforto ao mesmo tempo que permite a entrada da vida, da beleza e da vitalidade. [...] o amor como apoio, como renovação, como proteção. Depois de cada morte aparente dentro da minha mente ou do meu coração, o amor voltou para recriar a esperança e restaurar a vida. No melhor dos casos, ele tornou suportável a tristeza inerente à vida; e manifesta sua beleza. De modo inexplicável e parcimonioso, ele proporcionou não só o agasalho mas a lanterna para as horas mais escuras e o tempo mais inclemente.
[...] No final das contas, são os momentos isolados de inquietude, de desolação, de fortes convicções e entusiasmos enlouquecidos, que caracterizam nossa vida, que mudam a natureza e a direção do trabalho e que dão colorido e significado final ao amor e às amizades” (p. 256-258).
JAMISON, Kay Redfield. Uma mente inquieta – memórias de loucura e instabilidade de humor. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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