quarta-feira, 24 de junho de 2015

Quando a noite cai – Entendendo a depressão e o suicídio________________Kay Redfield Jamison


“As noites de verão no Bistrô Gardens, em Beverly Hills, tendiam a ser longas [...] Eu e meu amigo Jack Ryan íamos lá com frequência [...] A conversa estava me deixando inquieta e perturbada. Falávamos sobre suicídio e estávamos fazendo um juramento de sangue: se qualquer um de nós dois se tornasse profundamente propenso ao suicídio, concordamos, iríamos nos encontrar na casa de Jack em Cape Cod. Uma vez lá, o não suicida de nós teria uma semana para convencer o outro a não dar o passo fatal; uma semana para apresentar todas as razões possíveis para que o outro voltasse a usar o lítio, presumindo que a interrupção do tratamento era o motivo mais provável para o risco de suicídio (ambos éramos maníaco-depressivos e, apesar do melhor e frequentemente expressado julgamento de outros, tendíamos a parar de tomar nosso lítio); uma semana para persuadir o potencial suicida a procurar um hospital; apelar para a consciência; impressionar o outro sobre a dor e o dano que o suicídio inevitavelmente traria a nossas famílias.  
[...] Muitos anos depois [...] recebi um telefonema da Califórnia: Jack encostara um revólver na cabeça, disse um parente dele. Jack havia se matado.
Nada de uma semana em Cape Cod [...] este homem notavelmente imaginativo não havia sido inventivo o bastante para descobrir uma solução alternativa para uma violenta morte autoinflingida.
Embora abalada pelo suicídio de Jack, isto não me surpreendeu. Nem fiquei surpresa por ele não ter ligado para mim. Afinal, eu mesma estivera perigosamente à beira do suicídio em várias ocasiões desde o nosso pacto no Bistrô Gardens, e por certo não ligaria para ele. Nem algum dia eu havia pensado em ligar. O suicídio não é devedor de quaisquer promessas de uma noite, nem dá ouvidos a planos esboçados em momentos de lucidez e repletos de boas intenções” (p.09-11).


“Como muitos que sofrem de doença maníaco-depressiva, também conheci o suicídio de uma maneira particular e terrível, e rastreio a perda de uma inocência fundamental até o dia em que pela primeira vez pensei no suicídio como a única solução possível para um nível insuportável de dor mental. Até aquela época eu tinha tomado como certo, e amado mais do que sabia, uma caprichosa leveza de ânimo e uma expectativa de vida fabulosa. Eu só conhecia a morte no mais abstrato dos sentidos; nunca imaginei que seria algo a se planejar ou procurar” (p. 11).

“Um ato contra o próprio ser, o suicídio é também um baque violento na vida dos outros. Ele é incompreensível quando mata o jovem; é terrível no idoso, inexplicável no fisicamente saudável ou bem sucedido, e por demais explicado nos doentes ou fracassados. [...] por certo, ninguém jamais descobriu um meio de curar os corações ou organizar as mentes daqueles que ficaram para trás em seu rastro pavoroso. Aquilo que não sabemos mata” (p. 22).

“Com frequência, as pessoas querem ao mesmo tempo viver e morrer; o ato suicida é saturado de ambivalência. Alguns desejam escapar, mas apenas por um instante. Uns poucos usam ameaças ou tentativas suicidas para fazer com que outras pessoas ‘paguem’ por uma afronta ou rejeição, embora alguns as usem para provocar mudanças nas decisões e comportamentos de pessoas que conhecem” (p. 39).

“A dor psicológica ou o estresse por si só – por maiores que sejam a perda ou a decepção, por mais profundas que sejam a vergonha ou a rejeição – raramente são o suficiente para provocar o suicídio. Boa parte da decisão de morrer está na construção dos eventos, e a maioria das mentes, quando saudáveis, não constroem qualquer evento como devastador o bastante para justificar o suicídio” (p. 86)

“[...] quando as pessoas são suicidas, seu pensamento fica paralisado, suas opções parecem escassas ou não existentes, seu estado de espírito é angustiante e a falta de esperança permeia todo o seu domínio mental. O futuro não pode ser separado do presente, e o presente é doloroso acima de tudo” (p. 87).

“Remédios e outras terapias médicas são eficazes – e com frequência notável – em evitar ou diminuir a dor e o sofrimento das principais doenças psiquiátricas mais estreitamente ligadas ao suicídio. Menos claramente, exceto no caso do lítio e talvez os antidepressivos e antipsicóticos mais recentes, eles reduzem as chances de um suicida se matar. Medicamentos, hospitalizações e TEC ( Terapia Eletro Convulsiva) salvam muitas, mas de modo algum, todas as vidas. Psicoterapia ou um forte relacionamento terapêutico com um médico podem fazer toda a diferença se alguns pacientes definitivamente vivem ou morrem” (p. 228).

“A complexidade da mente e do cérebro suicida exige para seu cuidado uma complexidade de pensamento e tratamento clínicos. A psicoterapia sozinha, se usada sem abordar ou tratar a psicopatologia ou vulnerabilidades biológicas subjacentes, costuma ser incapaz de evitar que os indivíduos profundamente suicidas se matem” (p. 229).

“O suicídio é uma morte como nenhuma outra, e aqueles que são deixados para lutar com isso devem enfrentar uma dor sem igual. Eles são deixados como choque e o infindável ‘e se’. São deixados com a raiva e a culpa e, vez por outra, com um terrível sentimento de alívio. São deixados para uma infinidade de perguntas dos outros, respondidas ou não, sobre o Motivo; são deixados ao silêncio dos outros, que estão horrorizados, embaraçados, e incapazes de formular um bilhete de pêsames, dar um abraço, fazer um comentário; e são deixados com os outros pensando – e eles também – que poderia ter sido feito mais” (p. 264).    

Nota: A autora é psiquiatra e pesquisadora, e tem um olhar bem amplo sobre a questão, pois ela também tem transtorno bipolar. Sua escrita traz estes dois aspectos de experiência pessoal, e se eu tivesse que escolher apenas um livro como referência bibliográfica, seria este. 


JAMISON, Kay Redfield. Quando a noite cai – Entendendo a depressão e o suicídio. Rio de Janeiro: Gryphus, 2010.



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