quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Suicídio na infância e na adolescência

Evelyn Kuczynski
In: Dossiê Suicídio - publicado pela USP


 "[...] o que dizer então da ideia de um(a) jovem que decide dar cabo à própria vida? Para os familiares, é uma espécie de concretização do Caos, pois toda a história que estava aparentemente prevista se desfaz feito fumaça, e os pais têm de enterrar e prantear seu(sua) jovem filho(a).


Tabu frequente nos meios técnicos, a perspectiva de que a Morte pode ser a escolha de uma criança desnorteia e impede a avaliação imparcial necessária por parte dos profissionais que trabalham com esta faixa etária. No entanto, a Realidade nos viola os sentidos e somos obrigados a perceber que, ciclicamente, ocorrem epidemias pontuais de comportamentos suicidas protagonizadas por crianças e adolescentes que nos obrigam a um estudo mais aprofundado das características do comportamento suicida na juventude, principalmente com o intuito de desenvolver abordagens preventivas que reduzam a morbimortalidade associada."

"Estudo que analisou 37 pesquisas mundiais identifica o bullying como uma das principais causas do suicídio de crianças e adolescentes, sendo o suicídio a terceira maior causa de mortalidade no mundo nesta faixa etária, atrás apenas dos acidentes de trânsito e homicídios. Físico ou psicológico, o impacto que gera na vítima é tão expressivo que faz dele, além de um dos principais motivos de suicídios de crianças e adolescentes, também o responsável por cerca de dezenove mil tentativas de suicídios ao ano (nos Estados Unidos). Dezenove por cento dos alunos entrevistados pensaram em se suicidar. Quinze por cento traçaram estratégias para cometer o suicídio, com 8,8% executando os planos suicidas (interrompidos por outrem). Por fim, 2,6% perpetraram tentativas sérias o bastante para exigir intervenções e acompanhamento médico permanente (Kim & Leventhal, 2008)."

" raramente o jovem suicida busca auxílio ao tentar se suicidar. É geralmente levado, muito frequentemente por alguém que tem algum tipo de vínculo com o menor, ou, caso tenha se arrependido em meio à tentativa, pode estar muito apavorado (ou confuso, pelas consequências da tentativa) para fornecer informações fidedignas (Press & Khan, 1997);
  1. durante a realização das perguntas, é importante perceber o entendimento do estágio de desenvolvimento do paciente sobre o conceito de morte (gravidade, motivação e grau de consciência da intenção suicida, crenças sobre letalidade dos meios utilizados, intensidade e persistência da ideação suicida, bem como as medidas que o paciente utilizou para a preparação, para assegurar que esta fosse evitada e que um possível resgate fosse efetuado, antes da atual tentativa). A letalidade da situação final pode ou não corresponder à seriedade das intenções do paciente (Apter & King, 2006);
  2. deve-se evitar ativamente atitudes de censura ou julgamentos precipitados, instituindo-se uma abordagem continente e de cuidado (Rotheram-Borus et al., 1996), o que demonstra sensatez e proporciona maior probabilidade de uma evolução satisfatória, tanto quanto à busca de um tratamento psiquiátrico posterior, quanto a uma maior taxa de adesão e menor incidência de tentativas posteriores de suicídio. Uma abordagem pouco produtiva denota, antes de tudo, a dificuldade do profissional em lidar com seus próprios sentimentos frente a uma situação tão limítrofe, agindo por projeção;
  3. manter uma atitude tranquila e empática facilita a coleta de dados, além de ser interessante permitir que o paciente fale com liberdade, pois dados importantes referentes a alterações de ordem psíquica podem surgir deste tipo de relato. O desempenho intelectual do paciente pode ser acessado com este tipo de observação;
  4. condições de segurança da sala em que o paciente for recebido ou será mantido em observação (“à prova de suicídio”). Não dispensar a contenção física e/ou química para garantir a segurança do paciente, até que possa ser removido para um local mais seguro;
  5. todas as informações obtidas pela observação inicial são valiosas. A atenção deve ser redobrada para sinais de instabilidade autonômica ou descompensação clínica;
  6. informações que não surjam do relato espontâneo devem ser obtidas com perguntas claras, emitidas de maneira tranquila, com uma atitude informal, de forma a não incrementar a ansiedade já presente;
  7. pode-se utilizar escalas estruturadas para avaliar a ideação suicida, baseadas em autorrelato, em auxílio aos dados obtidos na entrevista clínica;
  8. a entrevista não deve ser encerrada antes que se obtenham dados conclusivos a respeito dos seguintes itens: sanidade mental (e diagnósticos ou tratamentos prévios); tentativas anteriores; letalidade da tentativa (atual e/ou prévias); planejamento (suicida) e planos (acadêmico, profissional etc.); comportamentos de risco; uso de álcool e/ou substância psicoativas; conflitos (pessoais e familiares); traumas (psicológicos, físicos, sexuais etc.); impulsividade; recursos na comunidade; exposição (a eventos semelhantes, no âmbito familiar ou na mídia)."
"O bullying (principalmente o cyberbullying, uma de suas variantes cuja prevalência vem crescendo vertiginosamente na atualidade) vem ganhando atenção sem precedentes, correlacionando-se a transtornos mentais, entre eles a ansiedade, a depressão e o suicídio na adolescência. Medidas institucionais e legais deveriam se voltar para esta questão e esforços de prevenção e resposta a este fenômeno deveriam ser instituídos nacionalmente (NASP, 2012).

Muitas vezes, cabe ao profissional questionar, estar presente e disponível, mas também estar preparado para a enxurrada de ansiedades e angústias que povoam essas jovens mentes, que muitas vezes demandam, mais do que tudo, mais do que remédios e internações, uma escuta atenta e sem preconceitos, demandam que a Palavra seja transformada em Ação, que o fantasma que os ronda se torne palpável para enfim suspirarem aliviados e se sentirem protegidos (Souza & Kuczynski, 2012)."


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