domingo, 27 de dezembro de 2015

Suicídio e transtorno de personalidade

11 regras gerais para manejo clínico dos indivíduos com transtorno de personalidade, mais voltadas para situação de crise e iminência de incorrerem em tentativa de suicídio.

"1. Dar mais apoio-reasseguramento do que o habitual, ou seja, não evitar dar apoio por temer uma desmobilização para mudança.

2. Construir, conjuntamente com o paciente, objetivos escalonados, evitando metas demasiadamente ambiciosas no curto prazo.

3. Mesmo sabendo que o comportamento suicida envolve motivações alegadas (conscientes) e não alegadas (inconscientes), iniciar a abordagem pelos fatores desencadeantes trazidos pelo paciente.

4. Distorções cognitivas devem ser mostradas e trabalhadas, como, por exemplo, estreitamento de repertório, desesperança, pensamentos tipo tudo ou nada e visão dos obstáculos como intransponíveis.

5. Devem-se reforçar os vínculos saudáveis do paciente.

6. Fortalecer a sensação subjetiva de “pertença” do indivíduo, em termos de grupos, comunidades, instituições.

7. Caso o indivíduo tenha usado uma tentativa de suicídio como maneira de mudar o ambiente e/ou pedir socorro, trabalhar com a finalidade de desenvolver outras estratégias, que não a tentativa de suicídio, para os mesmos fins.

8. Nos casos de psicoterapia, não confundir “neutralidade” terapêutica com “passividade” terapêutica, ou seja, podem ser necessárias medidas ativas por parte do terapeuta. 

9. Fármacos podem ser usados não só para tratamento dos transtornos psiquiátricos que porventura venham a ser diagnosticados, como também para eliminar sintomas alvo, como, por exemplo, impulsividade. Com essa finalidade, dependendo do caso, podem ser usados fluoxetina, estabilizadores de humor ou neurolépticos.

10. Estar atento ao fato de que no início do uso de antidepressivos pode-se ter incremento da ideação suicida. Devemos também evitar fármacos com baixo índice terapêutico.

11. Por último, a regra que consideramos a mais importante: se, num primeiro momento, optamos por apoio, técnicas cognitivas, fármacos, não devemos perder de vista que, se não todos, pelo menos a grande maioria desses pacientes necessita de importante reestruturação psicodinâmica a longo prazo, ou seja, em um segundo tempo técnicas que privilegiem insight são bem-vindas. A percepção de quando transitar o tratamento do primeiro para o segundo tempo e a maneira de conduzi-la é, a nosso ver, um dos principais aprendizados necessários ao clínico que atende pacientes em risco de suicídio."

“Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental” (BRASIL, 2006)

domingo, 20 de dezembro de 2015

VAMOS FALAR DE SUICÍDIO?

- Publicado em recortes por Sílvia Marques

Deprimidos , bulímicos , anoréxicos, fóbicos são pessoas como outras quaisquer. Eles não são a sua doença. Confundir um depressivo com a depressão é o mesmo que definir alguém pela sua gastrite ou por sua faringite crônica. Atrás da doença, existe um ser humano extremamente sensível e cheio de qualidades que merecem ser apreciadas.


© obvious

Toda sociedade apresenta uma série de temas tabu, isto é, temas que fazem parte da nossa realidade, mas que por serem dolorosos demais preferimos não conversar sobre eles. Mas ignorar um assunto não o torna inexistente.
Deveríamos debater mais sobre tudo o que aflige a raça humana, tentando entender as motivações de quem já pensou seriamente ou até mesmo já tentou cometer o suicídio. Se para muitos a depressão já é um tema constrangedor, imaginem falar sobre alguém que cortou os pulsos ou fez uma mistura inusitada de medicamentos?
Porém, a depressão é o mal do nosso século e em poucos anos muito mais pessoas serão acometidas por esta doença incapacitante, que faz o sol ficar preto e branco. Depressão não é o mesmo que tristeza. Embora, muitas vezes, uma grande tristeza ou perda possa desencadear um processo depressivo.
Depressivos precisam de ajuda médica, remédios, terapia, muito carinho e compreensão. Depressivos não precisam ser julgados ou ignorados. Depressão não é doença contagiosa, embora a convivência com alguém deprimido possa nos afetar, principalmente quando amamos profundamente esta pessoa.
Muitos depressivos pensam em acabar com a própria vida. Muita gente acredita que o suicídio é um ato de extremo egoísmo pois quem deseja se matar não leva em conta a perda que parentes e amigos irão sofrer. É importante ressaltar que o suicida não tem interesse em magoar. Ele simplesmente quer se livrar de uma dor que para ele é intolerável. Julgar um depressivo com vontade de se matar como um egoísta é um julgamento cruel. A percepção do suicida fica muito alterada pela doença e ele precisa ser amparado e amado.
Em fóruns da internet, pessoas pedem dicas de misturas de medicamentos que levam à morte. Algumas pessoas gentis tentam dar bons conselhos, acalmar o coração de quem está alimentando ideias mórbidas. Por outro lado, encontramos comentários de uma crueldade ímpar, em que os autores ridicularizam quem quer morrer.
Quem pensa seriamente em suicídio já está com a autoestima baixa. Ser ridicularizado o torna ainda mais vulnerável. A nossa sociedade precisa começar a entender que problema psicológico é coisa séria sim. Não se resolve depressão lavando roupa. As pessoas não deprimem por falta do que fazer. E é um mito dizer que quem afirma querer se matar, não vai se matar. Muita gente tenta sim o suicídio depois de expor o seu desejo com todas as letras.
Suicídio não é tema engraçado, mas também não deveria ser considerado um tabu. Faz parte da vida como o amor, a paixão, o medo. Também me parece um pouco precipitado taxar um suicida como um simples covarde que não aguenta os trancos da vida. Algumas pessoas por alguma razão que não conheço vem sem as blindagens necessárias para sobreviver à indiferença e à frieza do mundo. Somos preparados para engolirmos e negarmos a própria dor. Homem não pode chorar. Não pode ser sensível. Na verdade, deveríamos ser preparados para desenvolver o amor maior, a piedade, a compreensão que transcende as nossas crenças. Não é porque não sentimos uma dor ou um impulso que ele não possa existir no outro.
Deprimidos , bulímicos , anoréxicos, fóbicos são pessoas como outras quaisquer. Eles não são a sua doença. Confundir um depressivo com a depressão é o mesmo que definir alguém pela sua gastrite ou por sua faringite crônica. Atrás da doença, existe um ser humano extremamente sensível e cheio de qualidades que merecem ser apreciadas. Mas para que para tais qualidades voltem a brilhar, precisamos ajudá-los e amá-los com todo nosso coração.

Fonte: © obvious: http://obviousmag.org/cinema_pensante/2015/07/vamos-falar-de-suicidio.html#ixzz3v4FrSlyJ 
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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Escala Sad Persons

ESCALA SAD PERSONS
(Patterson, W.M.; Dohn, H.H. y otros  (1983). Evaluation of suicidal patients. Psychosomatics).

A Escala de Indicadores de Risco de Suicídio deve ser aplicada por um profissional durante uma entrevista semiestruturada.
Instruções: Ponha um x na alternativa que melhor descreva a situação e experiência do sujeito.


SIM
NÃO
S: Sexo masculino.


A: (Age) Idade < 20 ou >45 anos.


D: Depressão.


P: Tentativa suicida prévia.


E: Abuso de álcool.


R: Falta de pensamento racional (psicoses ou transtornos cognitivos).


S: Falta de apoio social.


O: Plano organizado de suicídio.


N. Não tem companheiro (a).


S: Doença somática.


Pontuação




Resultado
Pontua-se a ausência ou presença. Cada ítem pontua 1 se está presente e 0 se está ausente.

De 0 a 2: Alta médica com acompanhamento ambulatorial.
De 3 a 4.: Acompanhamento ambulatorial intensivo, considerar internação.
De 5 a 6: Recomenda-se internação, principalmente se não há apoio social.
De 7 a 10: Internação necessária.

Em qualquer caso, diante de uma situação de dúvida, é aconselhável uma avaliação psiquiátrica centrada na natureza, frequência, intensidade, profundidade, duração e persistência da ideação suicida.


domingo, 6 de dezembro de 2015

Opinião

Humberto Corrêa: Combater o tabu para evitar o suicídio






O suicídio é um tabu social, mas é também um problema de saúde pública - em escala global.

Um milhão de pessoas se suicidam a cada ano em todo o mundo, o que representa uma morte a cada 1 minuto e 9 segundos. No Brasil, calcula-se que sejam pelo menos 9.000 óbitos por ano, 25 por dia --um número certamente subestimado.

No nosso país, tivemos um aumento de 30% da mortalidade por suicídio entre jovens, principalmente homens, nas últimas duas décadas. São milhares de brasileiros que perdemos todos os anos. Mas muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas.

Todos nós conhecemos alguém próximo que morreu por suicídio, ou fez uma tentativa grave. A despeito disso, não falamos no assunto, ou o fazemos à boca pequena.

É um assunto proibido. Não temos grande cobertura por parte da mídia, que, na maioria dos casos, acredita, erroneamente, que abordar o assunto incentivaria suicídios.

Não existem campanhas de saúde pública para tratar o tema. Nosso país, ao contrário de outros, ainda não tirou do papel sua estratégia nacional de prevenção ao suicídio.

Quando um assunto é tabu, não o discutimos abertamente, não estudamos, não pesquisamos. Jogamos para debaixo do tapete.

De onde surgiu esse estigma, esse tabu? O suicídio existe desde que existe o ser humano. Temos relatos de suicídios nas mais antigas e variadas culturas. Na nossa cultura, ocidental cristã, o suicídio se transformou pouco a pouco em uma questão problemática.

Santo Agostinho, ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a igreja donástica, um movimento depois considerado herético que venerava como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir o céu.

Para enfrentá-los, santo Agostinho, no "Cidade de Deus", vai dar nova abordagem ao sexto mandamento --"não matarás"-- com uma especificação: "Nem a outro nem a si próprio". Essa visão ganha força, e o suicídio se transforma não apenas em pecado, mas no pior dos pecados, a grande sina.

Por exemplo, o suicida não teria direito às honras fúnebres, não poderia ser enterrado em cemitério cristão. Quem tentasse suicídio seria excomungado. Essa visão impregnou corações e mentes.

Nos vários Estados nacionais que vão surgindo na Europa, os códigos penais previam punição ao suicida --por exemplo, pelo confisco dos bens, ou esquartejando o corpo do suicida. Quem tentasse suicídio poderia ser preso e, paradoxalmente, até condenado à morte.

Hoje, a maioria dos Estados não criminaliza mais o suicídio, embora alguns poucos, infelizmente, ainda o façam.


Sabemos hoje que praticamente 100% dos suicidas têm um transtorno psiquiátrico que muitas vezes não fora, entretanto, diagnosticado ou corretamente tratado. O sofrimento causado pela doença psiquiátrica e outros fatores podem levar a pessoa a pensar em se matar.
Identificar rapidamente pessoas com transtornos psiquiátricos, principalmente depressão, pessoas que falam em se matar, e sugerir a elas um tratamento adequado, o mais rapidamente possível, é algo que todos podemos fazer. Pressionar o poder público para estabelecer campanhas e estratégias de prevenção, com segmento de todas as pessoas que fizerem tentativas graves de suicídio, todos nós devemos fazer. Investir em mais estudos e pesquisas sobre o tema nos permitirá melhor compreendê-lo e prevenir o ato.
Discutir o assunto à luz do dia é nossa obrigação. Lutar contra esse estigma, contra esse tabu, salvará muitas vidas.
Daí a importância de se instituir, a partir deste ano, a data 10 de setembro como dia mundial de prevenção ao suicídio, o que foi feito muito acertadamente pela Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio (Iasp) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

HUMBERTO CORRÊA, 45, é presidente da Comissão de Estudos e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e representante no Brasil da Associação Internacional de Prevenção do Suicídio.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Suicídio na infância e na adolescência

Evelyn Kuczynski
In: Dossiê Suicídio - publicado pela USP


 "[...] o que dizer então da ideia de um(a) jovem que decide dar cabo à própria vida? Para os familiares, é uma espécie de concretização do Caos, pois toda a história que estava aparentemente prevista se desfaz feito fumaça, e os pais têm de enterrar e prantear seu(sua) jovem filho(a).


Tabu frequente nos meios técnicos, a perspectiva de que a Morte pode ser a escolha de uma criança desnorteia e impede a avaliação imparcial necessária por parte dos profissionais que trabalham com esta faixa etária. No entanto, a Realidade nos viola os sentidos e somos obrigados a perceber que, ciclicamente, ocorrem epidemias pontuais de comportamentos suicidas protagonizadas por crianças e adolescentes que nos obrigam a um estudo mais aprofundado das características do comportamento suicida na juventude, principalmente com o intuito de desenvolver abordagens preventivas que reduzam a morbimortalidade associada."

"Estudo que analisou 37 pesquisas mundiais identifica o bullying como uma das principais causas do suicídio de crianças e adolescentes, sendo o suicídio a terceira maior causa de mortalidade no mundo nesta faixa etária, atrás apenas dos acidentes de trânsito e homicídios. Físico ou psicológico, o impacto que gera na vítima é tão expressivo que faz dele, além de um dos principais motivos de suicídios de crianças e adolescentes, também o responsável por cerca de dezenove mil tentativas de suicídios ao ano (nos Estados Unidos). Dezenove por cento dos alunos entrevistados pensaram em se suicidar. Quinze por cento traçaram estratégias para cometer o suicídio, com 8,8% executando os planos suicidas (interrompidos por outrem). Por fim, 2,6% perpetraram tentativas sérias o bastante para exigir intervenções e acompanhamento médico permanente (Kim & Leventhal, 2008)."

" raramente o jovem suicida busca auxílio ao tentar se suicidar. É geralmente levado, muito frequentemente por alguém que tem algum tipo de vínculo com o menor, ou, caso tenha se arrependido em meio à tentativa, pode estar muito apavorado (ou confuso, pelas consequências da tentativa) para fornecer informações fidedignas (Press & Khan, 1997);
  1. durante a realização das perguntas, é importante perceber o entendimento do estágio de desenvolvimento do paciente sobre o conceito de morte (gravidade, motivação e grau de consciência da intenção suicida, crenças sobre letalidade dos meios utilizados, intensidade e persistência da ideação suicida, bem como as medidas que o paciente utilizou para a preparação, para assegurar que esta fosse evitada e que um possível resgate fosse efetuado, antes da atual tentativa). A letalidade da situação final pode ou não corresponder à seriedade das intenções do paciente (Apter & King, 2006);
  2. deve-se evitar ativamente atitudes de censura ou julgamentos precipitados, instituindo-se uma abordagem continente e de cuidado (Rotheram-Borus et al., 1996), o que demonstra sensatez e proporciona maior probabilidade de uma evolução satisfatória, tanto quanto à busca de um tratamento psiquiátrico posterior, quanto a uma maior taxa de adesão e menor incidência de tentativas posteriores de suicídio. Uma abordagem pouco produtiva denota, antes de tudo, a dificuldade do profissional em lidar com seus próprios sentimentos frente a uma situação tão limítrofe, agindo por projeção;
  3. manter uma atitude tranquila e empática facilita a coleta de dados, além de ser interessante permitir que o paciente fale com liberdade, pois dados importantes referentes a alterações de ordem psíquica podem surgir deste tipo de relato. O desempenho intelectual do paciente pode ser acessado com este tipo de observação;
  4. condições de segurança da sala em que o paciente for recebido ou será mantido em observação (“à prova de suicídio”). Não dispensar a contenção física e/ou química para garantir a segurança do paciente, até que possa ser removido para um local mais seguro;
  5. todas as informações obtidas pela observação inicial são valiosas. A atenção deve ser redobrada para sinais de instabilidade autonômica ou descompensação clínica;
  6. informações que não surjam do relato espontâneo devem ser obtidas com perguntas claras, emitidas de maneira tranquila, com uma atitude informal, de forma a não incrementar a ansiedade já presente;
  7. pode-se utilizar escalas estruturadas para avaliar a ideação suicida, baseadas em autorrelato, em auxílio aos dados obtidos na entrevista clínica;
  8. a entrevista não deve ser encerrada antes que se obtenham dados conclusivos a respeito dos seguintes itens: sanidade mental (e diagnósticos ou tratamentos prévios); tentativas anteriores; letalidade da tentativa (atual e/ou prévias); planejamento (suicida) e planos (acadêmico, profissional etc.); comportamentos de risco; uso de álcool e/ou substância psicoativas; conflitos (pessoais e familiares); traumas (psicológicos, físicos, sexuais etc.); impulsividade; recursos na comunidade; exposição (a eventos semelhantes, no âmbito familiar ou na mídia)."
"O bullying (principalmente o cyberbullying, uma de suas variantes cuja prevalência vem crescendo vertiginosamente na atualidade) vem ganhando atenção sem precedentes, correlacionando-se a transtornos mentais, entre eles a ansiedade, a depressão e o suicídio na adolescência. Medidas institucionais e legais deveriam se voltar para esta questão e esforços de prevenção e resposta a este fenômeno deveriam ser instituídos nacionalmente (NASP, 2012).

Muitas vezes, cabe ao profissional questionar, estar presente e disponível, mas também estar preparado para a enxurrada de ansiedades e angústias que povoam essas jovens mentes, que muitas vezes demandam, mais do que tudo, mais do que remédios e internações, uma escuta atenta e sem preconceitos, demandam que a Palavra seja transformada em Ação, que o fantasma que os ronda se torne palpável para enfim suspirarem aliviados e se sentirem protegidos (Souza & Kuczynski, 2012)."