domingo, 25 de setembro de 2016


Pessoal do Curso de Enfermagem do Centro Paula Souza (São Vicente), como prometido, segue o link dos slides.

Obrigada pela presença e participação!




Notícias - 03/09/2016
Sinal amarelo para a vida


A programação do Setembro Amarelo começa neste domingo (4) com a Caminhada pela Vida.

Um assunto cercado de tabus, mitos, culpas e muita tristeza, é o foco da Campanha Mundial de Prevenção do Suicídio realizada este mês pelo Centro de Valorização da Vida - CVV. Em Santos, o movimento Setembro Amarelo começa neste domingo (4) com a Caminhada pela Vida, que sai às 10h da Praça das Bandeiras, no Gonzaga, em direção à Fonte do Sapo, na praia da Aparecida. Para participar, basta comparecer ao local. 

A data de 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, criado em 2014 para alertar a população sobre a realidade do suicídio e as formas de prevenção. Várias outras ações estão programadas durante todo o mês no país para divulgar a campanha que tem como slogan 'Falar. A melhor solução' e os serviços de apoio emocional e de prevenção oferecidos pelo CVV. 

A Pinacoteca Benedicto Calixto é um dos prédios que aderiram à campanha na cidade e terá sua fachada iluminada na cor amarela durante este mês. A Universidade Católica de Santos - Unisantos, em conjunto com o CVV, realizará no dia 19, às 19h30, mesa-redonda sobre o tema "Suicídio e as formas de prevenção", reunindo especialistas de diversas áreas, incluindo o presidente nacional do CVV, Robert Paris. O encontro, aberto ao público, será no Campus da Avenida Conselheiro Nébias, 388.

O que você pode fazer?
O ideal é conversar com a pessoa e não deixá-la sozinha. Ao conversar, procure não falar muito e ouvir mais, já que muitas vezes a pessoa só precisa ser ouvida. Se possível, acompanhe-a a um profissional de saúde e peça orientação. Outra medida é retirar acesso de ferramentas potencialmente destrutivas dentro de casa - como arma, remédios e substâncias tóxicas - para evitar o uso delas em um impulso.

"É preciso ter atenção, principalmente dentro de casa, deixar a pessoa falar, desabafar, ouvir com respeito, aceitar o outro como ele é, procurar ajuda especializada. São ações simples, mas não fáceis", comenta Renato Caetano, porta-voz do CVV. 

Segundo ele, quem tenta suicídio pede ajuda e quem se mata não estava querendo se matar, mas sim fugir do problema que o estava angustiando. "Faz parte do ser humano questionar o sentido da vida, mas isso vira problema quando o pensamento começa a ficar persistente. Ao ser ouvida com atenção e respeito, a pessoa se sente valorizada e é nesta hora que a gente consegue mudar a direção do pensamento". 

A assistência prestada a pessoas que tentaram o suicídio é uma estratégia fundamental na prevenção do suicídio, pois essas constituem um grupo de maior risco para o suicídio: pelo menos, uma centena de vezes maior que o risco presente na população geral.

Estatísticas em Santos
Com o estudo "15 anos de Suicídio na Cidade de Santos - um convite à reflexão", o psiquiatra Sidney Gaspar ganhou o prêmio Lundbeck de Incentivo à Pesquisa, no World Congress on Brain, Behavior and Emotions, congresso internacional realizado em junho deste ano em Buenos Aires, Argentina. Funcionário na Seção de Vigilância Epidemiológica da Prefeitura de Santos e professor da disciplina Saúde Mental do curso de Medicina da Unimes, Sidney Gaspar coletou inúmeras informações no período de 2001 a 2015 e constatou que homens acima de 60 anos representam o perfil majoritário das estatísticas de suicídio na cidade. Hoje,  20% da população são compostos por idosos e este público representa 25% dos casos de suicídio. 

"A média de Santos, que corresponde a 6,5 a cada 100 mil habitantes, é maior que a média nacional, de 5", diz Gaspar. De acordo com sua pesquisa, em 2014 foram registrados 31 casos de suicídio na cidade. Um fator curioso envolve o estado civil daqueles que optam pelo ato: entre os homens, 46,8% deles são casados, enquanto 47,7% das mulheres dessas estatísticas são viúvas.

O psiquiatra também alerta que poucas pessoas conseguem detectar tendências suicidas em potencial. Atitudes que promovem a mudança de comportamento, como passar senha de banco à família, conversas frequentes sobre o tema morte ou que a vida "não tem sentido" são alguns indicativos que podem ajudar na detecção.

De olho nos sinais
Por medo ou desconhecimento, os sinais de que uma pessoa próxima está com ideias suicidas muitas vezes são ignorados. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 9 em cada 10 casos poderiam ser prevenidos. É necessário a pessoa buscar ajuda e atenção de quem está à sua volta, mas é preciso saber identificar os sinais e ter familiaridade com a abordagem mais adequada. Confira alguns deles:

Frases de alarme - Existe um mito de que pessoas que falam em suicídio só o fazem para chamar a atenção e não pretendem, de fato, terminar com suas vidas. Falar sobre isso pode ser um pedido de ajuda. Preste atenção para frases do tipo foram "não aguento mais", "eu queria sumir" e "eu quero morrer".

Mudanças inesperadas - A mudança de comportamento é o momento para se aproximar da pessoa e saber o que está acontecendo, talvez dividindo ela vai entender que é só uma fase.

Transtornos mentais e drogas - Os transtornos mentais mais comumente associados ao suicídio são depressão, transtorno do humor bipolar, dependência de álcool e de outras drogas psicoativas. Esquizofrenia e certas características de personalidade também são importantes fatores de risco.

Nem tudo é aborrescência - Diferente do adulto, a intenção de suicídio no adolescente pode se manifestar na forma de isolamento, se trancando no quarto, não falando com ninguém, já que ele não consegue expressar seu sofrimento de uma forma clara.

Mundo sem cor - A depressão severa continua como maior causa do suicídio. Nessa situação, a pessoa se isola dos outros e não vê motivos para continuar viva. 
Intenção camuflada - Se uma pessoa que normalmente é deprimida parecer subitamente alegre, é importante acompanhá-la de perto para garantir que não está simulando uma melhora para tentar o suicídio.

http://www.jornaldaorla.com.br/noticias/26699-sinal-amarelo-para-a-vida/


domingo, 18 de setembro de 2016

EM PRIMEIRA PESSOA
Assim aprendi a sobreviver após o suicídio do meu filho

Muitos de nós conseguimos nos lembrar deles pela vida que tiveram, e não pela forma como morreram

Num dia de final de inverno, desses em que se sente o primeiro calor da primavera que se aproxima, rompeu-se a minha história pessoal, a minha vida.
Meu marido, ao telefone, queria saber se eu tinha notícias do nosso filho Miquel. Essa ligação me fez prever o pior, sem saber por quê. Era muito estranho que tivesse ido a algum lugar sem nos avisar. Corremos ao local onde uma amiga o tinha visto pela última vez. O inexplicável mau presságio que nublou minha mente se cumpriu. Miquel tinha 19 anos e morreu por suicídio de uma forma totalmente inesperada, sem que tivesse havido avisos prévios.
A morte por suicídio do meu filho faz parte dessa pequena percentagem que é inexplicável. Um ato impulsivo, sem nenhum transtorno mental grave que o alertasse, nenhuma ameaça ou insinuação. Era um menino saudável que levava uma vida normal.
Desde esse dia há um antes e um depois na minha vida, e é literal.
Quando quero explicar isso em minhas palestras recorro à imagem das torres gêmeas derrubadas no atentado do 11 de Setembro, um verdadeiro marco zero na sua biografia. Você não sabe como vai ressurgir dessa dor tão profunda, de tanta impotência, confusão, desorientação e do eterno “por quê?”. Essa interminável pergunta que nos acompanha durante o longo tempo do luto.

O suicídio sempre é algo que ocorre com os outros, fora da sua casa, da sua família. Você nunca o contempla, porque considera que sua vida e tudo que a cerca é normal. Mas é que o suicídio pode ocorrer dentro da normalidade de uma família. Só que isto não é sabido até que lhe ocorra, e então, quando se rompe o tabu que cerca esta forma de morrer, você conhece outros casos.

O que leva uma pessoa a viver uma situação normal como algo excepcional, insolúvel e cheia de desespero? O que leva uma pessoa a esse não poder mais com a vida? Não sei nem acredito que consigamos algum dia saber, as respostas eles levam, meu filho levou.

Você nunca está preparada para a morte do seu filho, menos ainda para viver sua morte por suicídio, e tampouco está preparada para como vão tratá-la a partir desse momento. Fazem você se sentir suspeita, culpada, algo terá feito de errado para ter chegado a esta situação, não é? A sociedade lhe interroga, questiona.

Tampouco ajudaram os procedimentos da polícia no local da morte: custodiados por policiais à paisana, fiquei sentada no chão durante horas, chorando, esperando que tudo fosse um equívoco de mau gosto do destino. Durante todo esse interminável tempo, um funcionário do local, amável, me ofereceu água, um ato de solidariedade humana que lembro e agradeço ainda hoje. Há uma tendência a dar calmantes nestas situações, mas o psicólogo de atendimento emergencial que chegou disse que não, que nosso estado era de dor e deveria ser sentido “a seco”. Pediu à nossa família que respeitassem a maneira como sentíamos a dor e, sobretudo, que nos dessem água, em pequenos goles, e nos forçassem a comer um pouco. A casa se encheu, temos uma família extensa, que foi se revezando para que sempre tivéssemos apoio. É essencial esse suporte familiar, de nossos amigos e dos de Miquel.

O período seguinte da minha vida foi estar em estado de choque. Nos dois anos seguintes, não sei como sobrevivi, nem como vivi. A vida é, além do mais, tremendamente caprichosa. Você está num processo de luto muito duro, onde parece que tudo parou, mas as coisas continuam acontecendo na vida, ela não lhe dá trégua. Com esforço sobre-humano, reassumi uma semana depois meu posto de trabalho como diretora de uma empresa de pesquisas. Agora, com a perspectiva do tempo, acho que foi um erro no meu caso. As crianças, sim, precisam voltar à rotina, mas os adultos devem dar um tempo para se adaptar a situações tão trágicas, para se permitir parar. No fundo, eu queria procurar e reconhecer um pouco de normalidade dentro do caos da excepcional e traumática experiência vivida.

Meu longo período de luto me ensinou que as emoções, sensações e pensamentos devem ser vividos, sem filtros. Morre a pessoa que você mais ama, a que você melhor conhece, mas quando ela faz algo assim essa conduta a devolve como se fosse um completo desconhecido. Você se pergunta como pôde dar esse passo, como pôde fazer isso com você e romper o vínculo que os unia. Você se sente abandonada, porque a pessoa tomou uma decisão unilateral, sem contar com você.

E a culpa. Ser psicóloga não me ajudou em nada, pelo contrário. Relia obsessivamente os manuais de psicopatologia, mas não encontrava nada, não havia nada do meu filho nesses livros. Recriminava-me por não ter visto nele um gesto que me alertasse. Alguns colegas psicólogos e os amigos de meu filho, que nos conheciam muito bem, salvaram-me desse rumo. Miquel faz parte desses 10% em que não há nenhum fator de risco que fizesse prever o suicídio.

A culpabilidade é uma dura carga que você precisa carregar durante um tempo, precisa trabalhá-la para que seja reparadora e nos ajude a chegar ao perdão. Há outra culpa, entretanto, a culpa inflexível e obsessiva, que é muito tóxica, perigosa e pode levar a condutas autodestrutivas nas pessoas que vivemos a morte por suicídio. A fronteira entre uma e outra pode ser tremendamente tênue, e por isso precisamos de ajuda, que não se encontra facilmente.

Quantos planos de formação em saúde mental contemplam a abordagem da morte por suicídio e suas consequências?

O ser humano é muito complexo, e nunca há um culpado direto, existem muitos fatores que entram em jogo para que uma pessoa dê esse último passo. Ninguém jamais é a única influência na decisão dessa pessoa. Isto e muito mais aprendi com a doutora Carmen Tejedor.

Meu marido e eu tivemos a sorte de conhecer Carmen Tejedor, psiquiatra do Hospital Sant Pau (Barcelona), com mais de 30 anos de experiência em suicídios, que nos recebeu, agora já aposentada.

Embora a doutora não conhecesse Miquel, nos falou com convicção, tentando nos dar consolo sincero, mas, com a verdade da realidade, nos ajudando a entender a situação vivida por pessoas que morrem por suicídio: queriam viver a vida de outra maneira, sem o sofrimento extremo que as levam a morrer, porque no fundo não querem morrer, apenas deixar de sofrer a desesperança vital que sentem. As pessoas que morrem por suicídio não têm liberdade, porque não podem escolher. Se pudessem escolheriam viver a vida, mas sem sofrer. Essa é a grande diferença. Pessoalmente, estas palavras me ajudaram a compreender essa situação que nunca na vida eu havia previsto para meu filho.

A doutora Tejedor nos incentivou, a meu marido e a mim, a criar uma associação para acompanhar os sobreviventes da morte por suicídio no processo de luto, porque, por incrível que pareça, em 2010 não havia nenhuma associação desse tipo na Espanha. Ainda estava trabalhando no meu próprio luto quando registramos os estatutos da entidade, em 2012. Não somos apenas pais. Os sobreviventes da morte por suicídio são também filhos, irmãos, amigos, cônjuges, todos com histórias muito diferentes. Chamamo-nos de sobreviventes porque a vivência é tão traumática que o estresse vivido é comparável ao decorrente de uma vivência similar em um campo de concentração ou situação bélica, segundo a Associação Americana de Psiquiatria. Agora, você só sobrevive com a carga pesada das perguntas que se faz obsessivamente sobre por que não conseguiu evitar.

Na ONG Depois do Suicídio - Associação de Sobreviventes (DSAS) damos acolhida individual a quem precisa conversar, oferecemos grupos de apoio ao luto para poder falar e compartilhar. Precisei falar do que tinha vivido, e essa necessidade é comum na maioria dos sobreviventes. Trabalhamos com os meios de comunicação para conscientizar sobre como informar sobre o assunto. Conseguimos alterar o protocolo dos Mossos d’Esquadra (polícia regional catalã), que agora nas situações de morte por suicídio dão apoio e oferecem o nosso contato. E estamos colaborando com outras instituições para que a morte por suicídio, que é a primeira causa de morte não natural na Espanha, tenha um plano nacional de prevenção, até agora inexplicavelmente inexistente. Além disso, reivindicamos um apoio profissional específico para as pessoas que ficam com este pesado fardo, ao qual temos direito sem que nos julguem por isso.

A associação DSAS é a única ONG espanhola, até o momento, constituída por e para sobreviventes, e existe graças a grandes pessoas, que forma uma grande equipe com um compromisso de oferecer nossa ajuda solidária e altruísta.

Para os sobreviventes que viveram uma morte por suicídio, minha mensagem é que agora já não estão sozinhos. Essa é uma das terríveis primeiras sensações que se sente e se pensa.

Muita gente me pergunta o que pode fazer para que não seja tão doloroso. Minha resposta é que deve-se passar por isso tal qual, não há atalhos. O caminho do luto por suicídio é possivelmente mais longo e o mais complexo de viver.

É necessário que as pessoas se permitam e atendam às suas necessidades. Se é preciso chorar um dia, que se chore, é muito terapêutico, não é sinal de fraqueza. Se outro dia é preciso gritar, que se grite. Escrever também é muito positivo e recomendável, assim como todos os pequenos rituais dos quais necessitamos.

Embora a dor e a incompreensão do vivido nos destruam por dentro, sobrevive-se. Não sei como consegui, sobretudo nos dois primeiros anos, mas avancei. Talvez seja questão de não olhar para além deste dia, não fazer grandes projetos. Sobreviver a pequenos passos, dia a dia.

É possível conseguir isso tendo muita paciência consigo mesmo. Cada um encontra seu espaço e seu caminho de como fazê-lo, e não nego que exige muito esforço. Mas somos muitas as pessoas que podemos chegar a voltar a viver porque encontramos um “para que” ou um “por quem” prosseguir, lembrando-nos deles pela vida que tiveram, e não pela forma como morreram.

Cecilia Borràs é presidenta da Depois do Suicídio - Associação de Sobreviventes.


 ARQUIVADO EM:




domingo, 11 de setembro de 2016


Papo de Domingo: ‘A dor não pode ser desqualificada’


Diário do Litoral - 10/09/2016

A psicóloga Luciana Cescon fala sobre a importância do Setembro Amarelo, campanha que discute a prevenção do suicídio no Brasil



A data 10 de setembro é considerada o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio e entidades de saúde mental do País estendem essa campanha por todo o mês, intitulada de Setembro Amarelo. Especialista no assunto, a psicóloga Luciana Cescon atua em uma unidade do Núcleo de Atenção Psicossocial (Naps) de Santos, é colaboradora do Instituto Vita Alere, em São Paulo, e possui mestrado em Ciências da Saúde pela Unifesp.
Em entrevista ao Diário do Litoral, a profissional falou sobre as dificuldades enfrentadas ao lidar com a questão na sociedade atual.
Diário do Litoral – Qual é o objetivo do Setembro Amarelo?
Luciana Cescon – A campanha é importante para a conscientização de que o suicídio existe e que falar sobre isso é uma forma de prevenção. Temos que ampliar o debate em sociedade e investir em uma preparação específica para os nossos profissionais de saúde sobre o assunto. O suicídio é um caminho definitivo. Não queremos desqualificar a dor da pessoa, é preciso entendê-la para ajudar. E muitas vezes são casos de problemas concretos no cotidiano e que não serão resolvidos somente com medicação. É preciso falar sobre o que incomoda.

Diário – Quais são os sinais de quem considera cometer suicídio?
Luciana – Muitas vezes não é explícito. A pessoa pode falar de como se sente angustiada e triste. Mudanças de comportamento também são alertas, como perder o interesse por atividades que gosta e se desfazer de objetos ou planos de vida. Precisamos voltar a nos olhar, perceber quando um amigo precisa conversar.

Diário - Como lidar com alguém que se encontra nessa situação?
Luciana - O melhor é oferecer a escuta e dar suporte procurando uma ajuda profissional. É preciso mostrar que a pessoa não está sozinha. Mesmo estudando o tema há algum tempo, também sinto essa dificuldade. Não é fácil receber um pedido de ajuda, pois parece um peso nas costas de quem escuta. A pessoa de fato não quer morrer. Ela só não quer mais continuar vivendo com aquela dor, que está insuportável no momento. Quando a pessoa decide falar sobre o assunto, devemos ouvir, pois já é um primeiro passo para a reflexão. É uma das formas mais eficazes de prevenção.
 
Diário – Quais são as causas mais ­frequentes?
Luciana - Quando alguém diz que tentou tirar sua própria vida, precisamos saber quais são as situações que essa pessoa está passando. Para a maioria dos homens, o mais latente é a questão financeira, a pressão para sustentar a família. E, no caso das mulheres, uma causa frequente é a perda de um ente querido. Nessas questões, somente a medicação não ajuda. É preciso de um espaço seguro e um acompanhamento psicológico para lidar com essa dor.

Diário – Um cotidiano atribulado afeta diretamente esse problema?
Luciana – Sim. Em um mundo onde as agendas estão sempre cheias de compromissos, a família e os amigos convivem entre si, porém, dão mais atenção para celulares e notificações. Falta olho no olho. Existe ainda uma pressão nas redes sociais para que compartilhemos experiências positivas, onde a angústia não rende ‘curtidas’. E vivemos em uma sociedade onde o luto tem um prazo. Você perde um ente querido e tem que estar pronto emocionalmente logo em seguida para ‘tocar a vida’. Isso é desumano.

Diário – E como você avalia o trabalho de entidades como o Centro de Valorização da Vida (CVV)?
Luciana – É um trabalho voluntário de grande valor, pois eles se dispõem a ouvir o desabafo, apesar de não aconselhar. É um espaço sem julgamento, de escuta. Tornei-me voluntária recentemente para conhecer essa vivência. Passei por um treinamento e comecei a interagir via chat. Quando a pessoa que sofre desabafa, é aberto um espaço para ela racionalizar e analisar sua própria situação.
 
Diário – O que pode ser dito nestes casos?
Luciana - A vida da pessoa está na mão dela. Mas somos responsáveis por nossos envolvimentos pessoais. Acredito que precisávamos abrir cada vez mais canais para mostrar que o indivíduo que tem esses pensamentos ruins não está sozinho. O foco é sempre estar alerta para a qualidade da saúde mental e procurar ajuda profissional. Na Baixada, os serviços especializados neste atendimento são os Núcleos de Apoio ­Psicossocial (Naps). E uma palavra acolhedora pode cessar um ato definitivo como esse. Os familiares e amigos de quem já tentou o suicídio também precisam ser orientados. É comum que surjam dúvidas, sentimento de culpa e até vergonha. Mas temos que entender que as pessoas não querem morrer, querem parar o sofrimento. A morte não é a única alternativa.

sábado, 10 de setembro de 2016

10 de setembro - Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio



Desde que o blog foi criado, tenho postado textos, vídeos, artigos e outros tipos de materiais que falam a respeito do suicídio, sua prevenção e posvenção. Todo tipo de material que comecei a colher desde que comecei minha pesquisa.


Hoje, porém, é um sábado especial. Chega mais um dia 10 de setembro, momento em que iniciativas mundiais darão destaque à importância de olhar o suicídio como um problema de saúde pública, que pode ser cuidado, até mesmo prevenido, e que para isso deve ser olhado e discutido - não apenas pelos profissionais de saúde, pelos voluntários do CVV, pelas pessoas que estão em sofrimento, que fizeram uma tentativa ou tem pensado em desistir da própria vida,  ou aqueles que perderam entes queridos - mas por todos.



Por isso, hoje essa postagem é pessoal, e vou tentar fazer um resumo de tudo o que tenho pensado ao longo desses quatro anos de trabalho, pesquisa e estudo sobre o tema.

A postagens do blog frequentemente acontecem aos domingos, e são, em sua maioria, publicações de autoria de outras pessoas ou trechos dos meus trabalhos. São também poesias, cartas, textos, que trazem um olhar de quem alguma vez pensou em desistir ... Porque penso que às vezes abordar estatísticas, diagnósticos que associam o suicídio a transtornos mentais e números são dados importantes para nos aproximar da dimensão e da importância do fenômeno ... mas que por outro lado, às vezes nos distanciam da dimensão única de cada vida que se perde ou que é afetada quando alguém se mata. Então, busco sempre trazer a imensidão que cada vida tem e que não pode ser esquecida.

O Efeito Titanic

James Cameron fez Titanic, um filme que é um dos meus preferidos, e que às vezes a gente lembra da famosa cena do Jack congelado (cabia ou não o Jack em cima daquela porta, evitando sua morte?) ... do navio afundando ... 



Mas às vezes esquece que a primeira vez que Rose e Jack se encontram, justamente é quando Rose está prestes a se jogar do navio ... cansada de viver em um mundo no qual se encaixava ... E em poucos dias encontra uma força de vida que se mantém, mesmo quando seria mais fácil simplesmente fechar os olhos e dormir para sempre, de mãos dadas com Jack, que foi quem mostrou a ela que valia a pena viver.




Cabe dizer que o amor nem sempre vai ser o suficiente para continuar a viver - como trouxe o livro e o filme "Como eu era antes de você" ... mas quando eu cito o Titanic, quero dizer que talvez não tenhamos chorado pela vida de mais de 1.500 pessoas que morreram no navio ... Mas choramos por Jack ... e pela perda de Rose. Porque nos permitimos nos aproximar da vida, dos sonhos e dores deles ... por isso, acho que quando olhamos para a prevenção do suicídio, não podemos nos esquecer de cada pessoa que se encontra ali. E que por isso, dizer que a pessoa  "só poderia estar louca para fazer isso", "foi egoísta", "foi um fraco", "tem depressão" ... é simplificar uma questão que é muito ampla - como tudo aquilo que se refere ao que é humano.  


Meu primeiro contato com o suicídio, no campo profissional, foi no meu trabalho em um serviço de Atenção Psicossocial, contato que me motivou a pensar na criação de um protocolo para estes casos, e que o percurso da pesquisa no Mestrado Profissional me permitiu perceber que pensar em estratégias fechadas, sem pensar na sensibilização dos profissionais de saúde, no tabu da morte e do suicídio em nossa sociedade, sem levar em conta a própria organização dos processos de trabalho, entre outras questões, não seria possível. Toda esta jornada está disponível na dissertação "Cuidado, frágil: aproximações e distanciamentos de trabalhadores de um CAPS na atenção ao suicídio", disponível em: http://www2.unifesp.br/centros/cedess/mestrado/baixada_santista_teses/027_bx_dissertacao_lucianacescon.pdf.

Por outro lado, ao longo deste tempo continuei pesquisando, participando de eventos sobre o suicídio, fazendo cursos, oferecendo palestras ... Recentemente tornei-me voluntária do CVV (http://cvv.org.br/), oferecendo escuta através do chat ... Tornei-me membra-fundadora da ABEPS (Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio)http://www.abeps.org.br/.
Fui convidada para ser colaboradora do Instituto Vita Alere (http://www.vitaalere.com.br/), a convite da Karen Scavacini, que tem por missão, entre outros objetivos:

"Promover a prevenção e a posvenção do suicídio, por meio de ações de divulgação, conscientização, educação, pesquisa, apoio e tratamento.
Habilitar profissionais da saúde, para manejo em crise suicida.
Minimizar o sofrimento das pessoas e oferecer suporte psicológico e psiquiátrico em situações de comportamento suicida e luto por suicídio.
Atualmente, não me considero uma especialista na prevenção do suicídio, mas uma estudiosa ... e militante."

E todas essas experiências tem me acrescentado muito, e me fazem acreditar cada vez mais que é necessário falar sobre o assunto, principalmente para que as pessoas que encontram-se em sofrimento possam saber onde encontrar ajuda.
No telefone do CVV (141), nos serviços de Saúde Mental/Atenção Psicossocial, nos profissionais de Psicologia, Psiquiatria, etc ...

Bom saber também que várias pessoas estão fazendo pesquisas a respeito da prevenção e posvenção em suicídio, campo que tem se ampliado cada vez mais. Mas é importante lembrar que o suicídio também deve ser discutido nos cursos de Graduação, especialmente nas formações em saúde. Minha experiência e a de vários colegas de Psicologia é de que não se fala a respeito de morte, luto e suicídio. Com certeza nem todas as pessoas que atenderemos em nosso exercício profissional terão algum tipo de psicopatologia ... mas todos nós passamos por experiências de perda ao longo da vida, e no entanto, não somos preparados para lidar com isso.

E que cabe pensar em prevenção, em cuidados em saúde mental, em lidar com frustrações, comunicar sentimentos e ser resiliente desde os primeiros anos de vida, como promoção de saúde.

Outro aspecto que acho fundamental é a importância da capacitação, formação e sensibilização dos profissionais que vão atender a essas pessoas ... Os serviços e profissionais devem estar preparados para olhar para esta questão, com sensibilidade, oferecendo escuta e acolhimento ... Como eu sempre digo: não olhe para o suicídio, a fala do desejo de morte ... Antes de tudo, olhe para o sofrimento daquela pessoa, fique ao lado dela. Você não precisa (e provavelmente não conseguirá, ao menos em um primeiro momento) ter respostas ... mas faz toda a diferença mostrar-se disponível e oferecer escuta. 

A questão de oferecer sua escuta e acolher o sofrimento cabe em qualquer lugar: nos serviços de atenção básica, na escola, no trabalho ... Quantas vezes percebemos que alguém não está bem e ignoramos, nos afastamos, por não saber o que fazer ... Quando muitas vezes, simplesmente saber que não é invisível já é algo significativo para alguém. O Facebook tem um recurso que permite avisar quando se observa algum sinal de comportamento suicida na comunicação de alguém.



Para aqueles que hoje buscam um sentido para continuar a viver e não estão encontrando, eu gostaria de deixar uma mensagem: Procure ajuda, você não está só. Não é errado nem é pecado pensar em desistir ... mas perceba que essa não é a única opção, e existem pessoas e lugares que podem ajudar você a encontrar outras saídas. Muitas vezes, quando a pessoa pensa em suicídio, ela não quer desistir da vida, mas sim não aguenta mais sentir a dor que está sentindo. Para algumas dores, não há cura ... mas é possível diminui-la, aprender a conviver com ela e encontrar lugares onde ela possa ser cuidada. 

E para aqueles que tentaram ou de fato consumaram a morte ... não cabe julgar ... Nem dizer que foi um ato de covardia ou de coragem ... pois não cabem tais conceitos. Caberá sempre nosso respeito, nossa compaixão e nossa mão estendida.

Luciana França Cescon - Psicóloga - CRP 06/98.202
Email: lucianacescon@yahoo.com.br 












  
  

domingo, 4 de setembro de 2016

"[...] descobri outro dia que a gente só se mata por causa dos outros, para fazer efeito, dar reação, compreende? Se não houvesse ninguém em volta para sentir piedade, remorso e etc. e tal, a gente não se matava nunca. Então descobri um jeito ótimo, me matar e continuar vivendo. Largo meus sapatos e minha roupa na beira do rio, mando cartas e desapareço.
- Para voltar em seguida. A gente sempre volta."

- Lygia Fagundes Telles in "Verão no Aquário"