domingo, 30 de abril de 2017


Há algum tempo, a Estela, psicóloga e fundadora da ONG Logos - Prevenção e Posvenção do Suicídio - https://www.facebook.com/logosvale/?fref=ts - me indicou esse livro, dizendo que além de indicá-lo para pessoas com depressão, também o recomenda para seus familiares.

Encomendei o meu e com certeza, recomendo demais a leitura. A partir de sua própria experiência com a depressão, o autor, Anderson Mendes, traz um material repleto de informações de forma clara e leve. Como ele escreve na contracapa:

"A minha intenção ao publicar este livro é que ao revelar a minha experiência e a de outras pessoas, que convivi e convivo lado a lado, eu possa incentivar e inspirar uma mudança na mentalidade da sociedade sobre os preconceitos relacionados a essa doença, que atinge desde crianças, adolescentes, adultos e até idosos. Incentivar o conhecimento sobre a depressão de forma esclarecedora, tirando dúvidas e possibilitando, por exemplo, diferenciá-la de uma tristeza (que geralmente é passageira). Apresento também dicas para amigos e familiares que lidam diretamente ou indiretamente com a doença e por fim mostro caminhos para que as pessoas possam retomar o acesso ao seu lado saudável e ter uma vida feliz".

Alguns trechos que selecionei:

"A depressão é uma doença da solidão, e qualquer um que tenha sofrido agudamente sabe que ela impõe um medonho isolamento, mesmo para pessoas rodeadas de amor". (p. 12)


"Você só adoece quando desvia do seu destino,  desvia de si próprio.  
Você só adoece se parar de amar,  parar de amar a vida. 
A doença é aviso,  não é defeito.  Se você sente que pode entregar mais, 
então vá atrás do seu sonho,  busque a sua causa,  
a sua urgência de achar um estímulo.  
Quando você fica estacionado na zona de conforto, o que você faz com ela? 
Onde buscará sentido na sua vida?  
As pessoas que estão fora do caminho delas, serão deprimidas.  
A vida perde o sentido se você não faz o que gosta.  
É preciso pensar na depressão como experiência de crescimento 
e sobre como extrair preciosas lições dessa dor.  
Você passará pela reconstrução do seu eu".

- Felipe Mello, citado por Anderson Mendes em "Depressão não é frescura" (p. 27).



Para encomendar o seu, entre no site do autor:

domingo, 23 de abril de 2017

Artigo de Jornal - 20/03/2017

Casos seguidos de mortes de jovens assustam população da região de Picos
Especialista diz que jovens não estão sendo preparados para as frustrações da vida e que isso colabora para o pensamento suicida.

Desde o último dia 05 de março, a macrorregião de Picos, a 309 quilômetros de Teresina, tem registrado um dado doloroso e, ao mesmo preocupante: o aumento nos casos de suicídio entre jovens. Em 15 dias, teriam sido cinco casos, três deles teriam acontecido nas últimas 24 horas. Em pelo menos três casos, os jovens deixaram mensagens aos familiares e amigos por meio de carta e publicações nas redes sociais, relatando questões como a frustração com a vida.

Para o psicólogo Carlos Aragão, especialista em prevenção ao suicídio, os jovens desta geração não estão sendo preparados para os momentos de decepção e dificuldade na vida e isso contribui diretamente para levá-los ao extremo de atentar contra a própria vida. “Muitos jovens não têm uma capacidade de enfrentamento das adversidades e o escape acaba se tornando o suicídio. É preciso que pais e escolas, que são os mais influentes na vida destas pessoas ainda em formação de identidade, trabalhem o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais para que elas consigam suportar as frustrações. Tem que se desenvolver um repertório interno para lidar com isso”, pontua o psicólogo.

Um dos fatores que deve ser trabalhado nessa relação entre pais e estes jovens, segundo o especialista, é a superproteção. Para o doutor Carlos Aragão, esse sentimento superprotetor acaba por se tornar um desserviço, a partir do momento em que cria uma falsa ilusão de que se está poupando o filho do sofrimento do mundo. De acordo com psicólogo, esse é o tipo de atitude que vai refletir negativamente na vida adulta da criança ou do adolescente. Aragão explica que é preciso ensinar os meninos e meninas desta geração a tomarem decisões e se prepararem para as consequências delas.

Questionado a respeito de como a sociedade e o poder público têm tratado a questão do suicídio, o psicólogo destaca que, não só Teresina, mas o Piauí e o Brasil como um todo ainda não conseguem mostrar capacidade de lidar com o assunto. Aragão pontua que é preciso entender o tamanho do fenômeno e colocar em ações políticas públicas que cheguem a toda a sociedade. “No Brasil ainda não temos políticas sendo realizadas de modo que possamos dizer que daqui a um tempo elas terão efeito. Temos projetos de prevenção ao suicídio que, na maioria das vezes, são engavetados, porque as ações ainda são muito lentas”, destaca.

Ele cita como uma ação positiva neste sentido o Provida, desenvolvido em Teresina e que se trata de um serviço ambulatorial para pessoas com comportamento suicida no Hospital Lineu Araújo. Aragão acredita que o Provida é uma ação que pode trazer resultados positivos na prevenção ao suicídio na Capital e que pode servir como exemplo para que outras regiões do Piauí e do Brasil enxerguem o problema com a devida importância.

“Eu não vou dizer que essas atividades e campanhas vão trazer um efeito imediato, até porque isso é um trabalho que deve ser construído em conjunto com a sociedade e de forma gradativa, não de uma hora para a outra. Mas já é um grande passo. O ideal mesmo seria termos um Provida em cada zona de Teresina no sentido de trabalhar com os profissionais mais diretamente na sociedade”, afirma.

Por: Maria Clara Estrêla, com informações de Nayara Felizardo

http://www.portalodia.com/noticias/piaui/casos-seguidos-de-suicidio-assustam-populacao-da-regiao-de-picos-295510.html


domingo, 16 de abril de 2017

13 Reasons Why - a série da Netflix

Sinopse:

Uma caixa de sapatos é enviada para Clay (Dylan Minnette) por Hannah (Katheriine Langford), sua amiga e paixão platônica secreta de escola. O jovem se surpreende ao ver o remetente, pois Hannah acabara de se suicidar. Dentro da caixa, há várias fitas cassete, onde a jovem lista os 13 motivos que a levaram a interromper sua vida - além de instruções para elas serem passadas entre os demais envolvidos. 

Inspirada no livro de Jay Ascher, a série foi produzida por Selena Gomez e lançada em 31/03/2017 pela Netflix.

Desde então, tem despertado diferentes opiniões a respeito  AJUDA A PREVENIR O SUICÍDIO OU PODE SER UM GATILHO PARA PESSOAS EM SOFRIMENTO? 

Selecionei aqui duas opiniões ...

"A série 13 Reasons Why traz ao debate a questão da prevenção do suicídio, e, especialmente, o suicídio adolescente, fenômeno que cresceu no Brasil nos últimos anos. Pacientes têm falado da série e decidi assisti-la por isso.
A série traz uma visão de que o suicídio acontece por diversas razões, mas falha por dois principais motivos: mostrar o suicídio da personagem, de uma forma bem gráfica, o que não é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pode causar o 'Efeito Werther', que é quando um suicídio pode inspirar pessoas fragilizadas a fazerem a mesma coisa e também por colocar a responsabilidade do ato nas pessoas escolhidas, denotando não só uma relação de causa-efeito como uma vingança com a morte.
Não podemos culpar ninguém pelo suicídio de outra pessoa. Mesmo que estas estejam envolvidas nos problemas que levaram ao suicídio, a reação de cada um a estas ações é diferente para cada pessoa.  
Também faltou trazer à tona uma discussão mais aprofundada sobre saúde mental e também e, além disso, faltou explorar a forma como pessoas que precisam de apoio possam ser ajudadas ou possam tomar atitudes diferentes de Hannah.
O mais importante é haver acompanhamento dos pais ou de um especialista. A série não é recomendável para adolescentes que já estejam fragilizados, mas tudo depende do tipo de acompanhamento que terão e como reagirão à série. Poderiam ter explorado melhor o que acontece após o suicídio, para não romantizar o ato. O que ela poderia ter feito de diferente? De quem poderia ter buscado ajuda? Isso poderia ser debatido no final de cada episódio, por exemplo.
Dito isso, vamos aos pontos positivos: pais e filhos estão assistindo à série e tendo um diálogo sobre isso, que é considerado um assunto tabu. Serve também para o jovem perceber as consequências de suas atitudes e perceber que, muitas vezes, uma ação isolada pode machucar - e muito - outra pessoa.
Outro destaque é o fato de que a série traz a possibilidade de as escolas discutirem bullying e trabalhar com o assunto do suicídio na escola e a dor do luto. Para cada suicídio, de cinco a dez pessoas serão extremamente impactadas. Isto deve ser visto com muita sensibilidade, pois há um aumento de comportamento suicida nos enlutados.
Se a escola e os pais usarem a série como mote de discussão sobre bullying, cyberbullying, estupro, uso de álcool, drogas e outras temáticas trazidas, pode ser muito positivo. A série é enfática ao mostrar as dificuldades no diálogo entre pais e filhos. Muitas vezes aquilo que é considerado sofrimento para o adolescente é visto como banal para o adulto. Quem sabe 13 Reasons Why não sensibilize uma mudança de comportamento neste sentido.
* Karen Scavacini é psicóloga e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio



Não
 
Foram tantas pessoas - próximas ou desconhecidas - que fizeram contato pelo face ou por e-mail pedindo que eu escrevesse algo sobre a série da Netflix "13 reasons why" ("Os 13 porquês", baseado no best-seller homônimo lançado em 2007 sobre o suicídio de uma adolescente nos Estados Unidos) que reservei o dia de hoje para uma maratona cansativa assistindo aos filmes na telinha do computador.
Antes de compartilhar minha opinião sobre a série, segue um breve resumo do enredo (se você tem aversão a spoilers, pule os próximos dois parágrafos).
A série começa com um fato consumado: o suicídio da jovem Hannah Baker, e o cuidado que ela teve - antes de se matar - de registrar em 13 diferentes gravações as situações e os personagens que teriam de alguma forma contribuído para a decisão de se matar.
Bullying, drogas, depressão, assédio, homofobia, violência sexual e outros problemas recorrentes na escola onde Hanna estuda - e em tantas outras escolas pelo mundo - tornam a vida da protagonista uma experiência cada vez mais angustiante. Castigada por sucessivas decepções e frustrações, sem ter com quem compartilhar sua dor, ela se percebe subitamente sem saída. É quando resolve se matar.
Sou contra qualquer censura e não tenho competência para fazer crítica de cinema. Mas desde 1999 venho estudando o fenômeno do suicídio e um resumo desse trabalho encontra-se disponível no livro "Viver é a melhor opção: a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo" (Ed. Correio Fraterno, 2015).
É assustadora a forma como a série da Netflix atropela várias recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre como se deve abordar o problema do suicídio em obras de ficção. A ótima ideia de expor o problema do suicídio entre jovens - um tema relevante que deveria inspirar mais roteiristas - ignorou alguns cuidados básicos indicados pelos profissionais de saúde especializados no assunto ("suicidólogos").
Poucas vezes no cinema uma cena de suicídio foi mostrada com tamanho realismo e brutalidade. É uma aula mórbida sobre como promover o autoextermínio numa banheira. Violência desnecessária, tragicamente didática e infortunadamente sugestiva.
Antevendo as críticas, a Netflix abre o capítulo com um texto onde se lê a seguinte mensagem: "este episódio contém cenas que alguns espectadores podem considerar perturbadoras e/ou podem não ser adequadas para públicos mais jovens". Será que funciona como álibi? Não para a OMS.
Após encerrar a maioria das gravações - em que aponta nominalmente os "culpados" por seu mal estar existencial - Hannah se sente melhor por ter "despejado tudo". Diz ela no filme: "senti que talvez pudesse vencer isso. Eu decidi dar mais uma chance à vida. Desta vez eu ia pedir ajuda. Por que sei que não podia fazer isso sozinha". É quando ela procura o profissional que oferece os serviços de "conselheiro" na escola onde estuda. Cria-se a expectativa de que finalmente Hannah terá a ajuda e o apoio necessários para sair do buraco em que se encontra.
A conversa com o conselheiro da escola é difícil, dolorida, e decepcionante. Hannah hesita em seguir em frente - principalmente quando o assunto é o estupro sofrido por um colega de escola - e deixa abruptamente a sala onde o atendimento acontecia, apesar dos apelos feitos pelo conselheiro para que continuasse a conversa. Ela fecha a porta, pára do lado de fora e fica na expectativa de que o profissional saia da sala e a procure. Mas isso não acontece. É a derradeira frustração antes de cometer suicídio. Não sem antes deixar gravado o relato sobre seu desapontamento com o profissional da escola que não agiu exatamente como ela esperava.
A série é inspiradora - no mau sentido - para que jovens depressivos e angustiados não percebam outra saída que não a própria morte. Pior: sugere que suicidas em potencial registrem em gravações ou anotações os "culpados" pelos seus infortúnios, e punam através do suicídio aqueles que lhe faltaram quando mais precisavam. O suicídio como pretexto para se vingar de alguém, aliás, é um comportamento patológico. Mas a personagem principal da série não parece alguém que possua algum distúrbio. Pelo contrário. O relato sereno e lúcido de Hannah nas gravações sugere que o suicídio possa ser a resposta esperada, previsível, diante de tantas desilusões e sofrimentos. Será? Segundo a Organização Mundial de Saúde, em pelo menos 90% dos casos, os suicídios estão relacionados a patologias de ordem mental, diagnosticáveis e tratáveis, principalmente a depressão.
Além do "Efeito Werther" (a constatação de que o suicídio é inspirador para pessoas fragilizadas psíquica ou emocionalmente) a série da Netflix promove também a vitimização do suicida, justificando o autoextermínio de Hannah por tudo o que lhe aconteceu. Como se diante de tantas experiências dolorosas, não houvesse mesmo outra saída. Como se os outros - quando não fazem exatamente aquilo que esperamos deles - pudessem ser responsabilizados pelo suicídio de alguém.
Num mundo onde o suicídio é caso de saúde pública, e o autoextermínio de jovens vem aumentando de forma preocupante, espera-se que outras séries possam ser mais cuidadosas e responsáveis na abordagem do tema.

- André Trigueiro


Minha opinião

Sobre "13 Reasons why" ...
Pretendo retomar o tema com mais calma, mas quis dar minha opinião diante de tantas opiniões em relação à série.
É preciso falar sobre suicídio, sim. E esse tema nunca será fácil. Os questionamentos e os incômodos gerados mostram que a abordagem mexeu muito com as pessoas ... E isso é importante.
Se for pra passar passar a mensagem sem tocar de verdade as pessoas, acho que não conseguimos provocar reflexões. Principalmente pra quem tem contato com os jovens - família, educadores, profissionais de saúde.
Serviu de alerta para pensarmos sobre a importância nossos atos e palavras (Bullying e outras violências ) ...
A cena do suicídio foi forte? Certamente. Mas vivemos em uma era digital, onde suicídios são postados - às vezes em tempo real. Grupos na Internet e whatsapp estimulam práticas de automutilação e condutas de risco. Cartas de despedida também são divulgadas ... Basta entrar no Google pra perceber que nossos jovens não estão tão protegidos como gostaríamos.
Ficou uma lacuna sobre prevenção? Que as pessoas que trabalham com isso (assim como eu) possam ocupar esse espaço. Temos diretrizes nacionais de prevenção do suicídio desde 2006, mas pouca coisa foi feita concretamente.
Desde 2013 pesquiso sobre suicídio - o trabalho começou com uma pesquisa - intervenção no Caps no qual eu trabalhava e existiam casos de pessoas que chegavam com tentativa de suicídio ou ideação suicida e aguardavam até mais de cem (!!!) dias para passarem por uma consulta psiquiátrica - como se fosse apenas uma questão de medicamentos.
Tenho um blog sobre o assunto (www.falandosobresuicidio.blogspot.com.br) e tenho feito palestras em escolas, faculdades, hospitais ... Os grupos de apoio para sobreviventes do Vita Alere são outros espaços de cuidado.
Então, acho muito importante que as informações sobre onde procurar ajuda sejam divulgadas, sim. CVV (141) e serviços de Saúde Mental são formas de suporte que devem aparecer sempre quando falamos sobre sofrimento, depressão e desesperança.
Mas acho que todo esse debate deve também estimular uma maior participação da sociedade, da escola e de formadores de opinião na criação de espaços de espaços de escuta, acolhimento e informação.

De qualquer forma, acredito que ganhamos muito pelo fato de estarmos discutindo o tema.

 



domingo, 2 de abril de 2017

Casos aumentam, mas profissionais ainda não sabem lidar com suicídio


No primeiro contato do paciente com esta tendência, em geral os enfermeiros não são treinados para lidar com o tema

Por Larissa Lopes - Editorias: Ciências da Saúde

A prevenção ao suicídio é pouco debatida e, por falta de informação, muitas vezes as pessoas com ideação suicida não procuram um psicólogo para tratar os fatores que as levam a considerar o ato. Assim, já que na maioria dos casos o paciente não passa pela etapa de prevenção, o primeiro contato clínico que tem é com os enfermeiros de atendimento de urgência e de emergência, logo após já ter feito uma tentativa de tirar a própria vida.

A relevância do profissional de enfermagem nesses casos levou o o psicólogo Daniel Fernando Magrini a estudar o tema, resultando na dissertação de mestrado Atitudes dos profissionais de enfermagem que atuam em emergências diante do comportamento suicida e fatores associados, defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.

Para avaliar se os técnicos e enfermeiros de hospitais da cidade estão preparados para atender esse público, o pesquisador entrevistou alguns profissionais que já tiveram contato com esta situação e distribuiu questionários sobre as atitudes deles diante do comportamento suicida, verificando como se sentiam a respeito.

Treinamento para atender

No questionário, as pessoas deveriam sinalizar o quanto concordavam ou não com afirmações como “Sinto-me capaz de ajudar uma pessoa que tentou se matar”, “Quem fica a ameaçar, geralmente não se mata”, “Diante de um suicídio penso: ‘Se alguém tivesse conversado, a pessoa teria encontrado um outro caminho’”, entre outros 18 enunciados que giram em torno de reações e noções religiosas, sentimentais e de direito dos profissionais.

Sobre a primeira afirmação, Magrini verificou que existem reações diversas e até mesmo ambíguas. “Como o questionário avalia diversos fatores, às vezes a pessoa entra em contradição. Neste ponto, as pessoas diziam se sentir capazes, mas admitiam não ter condições técnicas para cuidar daquilo. Elas têm vontade de ajudar, mas não têm a habilidade”, explica o psicólogo.

Ao se depararem com pacientes suicidas nas emergências, os enfermeiros também sentiram desde impotência e tristeza, por não saberem lidar com a situação, até felicidade, quando conseguiram tratar o caso adequadamente.

“Os enfermeiros já recebem alguns treinamentos gerais para lidar com o sofrimento, o que é um ponto positivo, mas a maioria nem sequer tinha treinamento em psiquiatria”, afirma Magrini. Dos 146 profissionais que participaram da pesquisa, 75,3% não possuíam qualquer formação sobre saúde mental. Além disso, apenas 17 tinham a devida instrução para lidar com suicídio, o que corresponde a 11,4% do total.

Considerando as particularidades e complicações do suicídio, o psicólogo ressalta que o treinamento específico para esta situação é necessário para todos os profissionais.

“Se um paciente tem um caso de psicose, de alucinação, e diz que está ouvindo uma voz que o manda se matar, o profissional não pode tratar isso como um mero delírio. Ele tem que pensar na questão do suicídio, porque, se ele não tratar especificamente esse comportamento, essa pessoa pode vir, de fato, a se suicidar”, explica.

Prevenção

Para o pesquisador, dois caminhos devem ser tomados para alavancar a prevenção: um na academia e outro com a participação de toda a população. “Desde o início da sua formação, o enfermeiro precisa ter contato com a questão. Os profissionais devem estar melhor preparados”, reitera. “Dar uma atenção especial ao debate sobre suicídio é um passo primordial, pois a formação em saúde mental é muito ampla e generalizada, então o suicídio é visto como uma circunstância dentre tantas outras que acometem os pacientes.”

Entre a população, Magrini também sugere que o assunto seja discutido constantemente nas escolas e em unidades de saúde, até que o tabu seja quebrado. “Como se fosse um assunto comum, como é o jeito certo de se tratar o suicídio.”

Através da pesquisa, o psicólogo avaliou que a falta de treinamento de técnicos de enfermagem e de enfermeiros dos hospitais públicos pesquisados os leva a tomar atitudes inadequadas ou condenáveis.

Alguns, cientes de que não possuem o treinamento necessário, preferem não cuidar desses casos, seja por convicções religiosas, morais ou até mesmo experiências pessoais, visto que cerca de 6% dos profissionais que responderam ao questionário concordaram plenamente com a afirmação “Eu já passei por situações que me fizeram pensar em cometer suicídio”.

Nessas situações, a atitude correta a ser tomada é repassar o atendimento para um colega que esteja apto a tratar do paciente vulnerável. “Ao notar o comportamento do paciente, o enfermeiro deve passar a informação para a equipe multiprofissional e avaliar quem pode ajudar a complementar o atendimento. É um atendimento em equipe, multidisciplinar e ininterrupto. Cada profissional, médico, psicólogo, enfermeiro, cuida de um aspecto”, instrui Magrini. “Caso profissionais da área administrativa que estejam na recepção da emergência percebam esse comportamento, eles também podem e devem comunicar a equipe médica e assim evitar que vidas sejam perdidas.”

O comportamento suicida pode ser identificado por alguns sinais como semblante entristecido, vestígios de autolesão como cortes e tentativa de tomar altas doses de medicamento, conversas sobre como a pessoa se sente decepcionada com a vida e não vê mais motivos para viver. Além disso, frequentemente a ideação suicida é uma consequência de alguma doença mental, como depressão e esquizofrenia.

Trabalho conjunto

Ajudar a prevenir o suicídio é algo que pode e deve ser feito por todos. Perguntar ao próximo se está tudo bem, não subestimar a situação da pessoa e procurar um profissional capacitado para cuidar da situação são alguns passos que podem evitar a perda de uma vida, aconselha o especialista.

Se você notar uma pessoa chorando no trabalho ou na fila do banco, você pode perguntar a ela se você pode ajudá-la em algo. Isso é uma questão de humanidade, não precisa ter muito conhecimento. Mas se passar de um ponto que você não sabe lidar, peça ajuda a quem saiba.”

Ele orienta ainda a deixar de lado opiniões moralistas e sentenciosas e, sob qualquer circunstância, não subestimar a ideação suicida. “Não é um comportamento passageiro. A pesquisa mostra que se a pessoa tem indícios de que quer se matar, geralmente ela se mata mesmo.”

Para Magrini, esta análise sobre a formação de profissionais da área da enfermagem é um resultado inicial de uma linha de pesquisa que deve se expandir. O psicólogo pretende continuar realizando entrevistas com enfermeiros para investigar o significado do suicídio entre os profissionais.

Números

Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida e, para cada vítima, cerca de 10 a 20 tentativas foram feitas. No total, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o suicídio é a causa de 800 mil mortes anuais em todo o mundo, sendo que três quartos dos casos acontecem em países de média e baixa renda.

Neste cenário, o Brasil se destaca com números alarmantes. Dados de 2012 colocaram o País na oitava posição entre as nações com mais casos: foram 11.821 vítimas, um aumento de 10,4% em relação ao ano 2000, se tornando a quarta maior taxa da América Latina.

Apesar dos números assustarem, pouco está sendo feito sobre a questão. Apenas 28 países possuem uma estratégia nacional de prevenção ao suicídio, segundo a OMS. No Brasil, há o Centro de Valorização à Vida (CVV), fundado em São Paulo em 1962, mas o projeto não consegue evitar, sozinho, que os casos de suicídio aumentem no País.

Só no Estado de São Paulo, o boletim SP Demográfico realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) divulgou que o suicídio cresceu 30% entre 2001 e 2014. As maiores taxas são encontradas nas cidades de Marília e Ribeirão Preto, onde ocorrem 8,6 e 7,5 casos a cada 100 mil habitantes, respectivamente.

Mais informações: e-mail danielmagrini@usp.br ou dfmagrini@yahoo.com.br