domingo, 27 de outubro de 2019

“existem aqueles dias em que a simples ação de respirar leva você à exaustão. parece mais fácil desistir desta vida. a ideia de desaparecer é capaz de trazer paz. passei tanto tempo sozinha num lugar em que não existia sol, em que não crescia flor. mas de vez em quando no meio da escuridão alguma coisa que eu amava surgia para me trazer de volta à vida. como testemunhar um céu estrelado. a leveza de dar risada com velhos amigos. [...] viver é difícil. é difícil para todas as pessoas. e é bem nesse momento que a vida parece um eterno rastejar por um túnel minúsculo. que precisamos resistir com força às memórias negativas. nos recusar a aceitar os meses ruins ou anos ruins. porque nossos olhos querem engolir o mundo. ainda há tantos lugares com água turquesa para mergulhar. há a família. de sangue ou a escolhida. a possibilidade de se apaixonar. pelas pessoas e lugares. colinas altas como a lua. vales que vão fundo em novos mundos. e viagens de carro. acho muito importante aceitar que nós não somos mestres deste lugar. somos apenas hóspedes. e como visitantes devemos aproveitá-lo como um jardim. tratá-lo com gentileza. para que quem vier depois também aproveite. devemos encontrar nosso sol. cultivar nossas flores. o universo presenteou com toda luz e sementes. talvez às vezes a gente não ouça mas aqui sempre tem música. só precisa aumentar o volume ao máximo. enquanto houver ar em nossos pulmões - precisamos continuar dançando".



- Rupi Kaur em "O que o sol faz com as flores" (p. 250).


domingo, 20 de outubro de 2019

Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada e óbitos por suicídio

Perfil epidemiológico dos casos notificados de violência autoprovocada 
e óbitos por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil, 2011 a 2018

Apresentação: Este boletim apresenta uma descrição do perfil epidemiológico dos casos de violência autoprovocada e óbitos por suicídio envolvendo jovens de 15 a 29 anos de idade no Brasil, no período de 2011 a 2018. Os dados de violência autoprovocada foram obtidos por meio da ficha de notificação individual de Violência Interpessoal/Autoprovocada do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Para os óbitos por suicídio, foram utilizados os dados registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).

No período de 2011 a 2018 foram notificados 339.730 casos de violência autoprovocada, dos quais, 154.279 (45,4%) ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo 103.881 (67,3%) nas mulheres e 50.388 (32,7%) nos homens. Dez registros tiveram o sexo da pessoa ignorado. 

No período de 2011 a 2017, foram registrados 80.352 óbitos por suicídio na população a partir de 10 anos, dos quais 21.790 (27,3%) ocorreram na faixa etária de 15 a 29 anos, sendo 17.221 (79,0%) no sexo masculino e 4.567 (21,0%) no feminino. Entre 2011 e 2017 verificou-se um aumento no número de óbitos por suicídio entre os jovens de 15 a 29 anos, sendo 8,7% entre os homens e 7,3% entre as mulheres. 

Em relação ao local de ocorrência do óbito, o domicílio foi o local mais frequente (57,3%), com percentual discretamente maior no sexo masculino (58,4%) em relação ao feminino (53,3%). O segundo local mais frequente foi o hospital (17,6%), onde o sexo feminino (29,0%) apresentou percentual duas vezes maior que o masculino (14,6%). 
O enforcamento foi o meio mais frequentemente utilizado para o suicídio, com maior percentual no sexo masculino (70,3%) do que no feminino (53,8%), seguido da intoxicação exógena que foi duas vezes mais frequente no sexo feminino (28,0%) do que no masculino (11,9%). A arma de fogo foi mais utilizada pelos homens (8,7%) do que pelas mulheres (4,6%)






domingo, 6 de outubro de 2019

Biblioterapia e suicídio

A leitura sempre foi uma das minhas maiores paixões. No dia 21 de setembro de 2019, apresentei no III Simpósio Paulista de Prevenção e Posvenção do Suicídio uma fala sobre como tenho utilizado livros para compreender e trabalhar com o comportamento suicida e com o luto por suicídio.

Quando comecei a estudar sobre o comportamento suicida, encontrei muitos manuais que traziam um conhecimento teórico e científico sobre o assunto. Estas informações me ajudaram a entender o suicídio como resultado de múltiplos determinantes, embora quase sempre o foco fosse no transtorno psiquiátrico. Mas foi na literatura ficcional e autobiográfica que eu pude encontrar experiências e narrativas parecidas com o que eu ouvia dos usuários do CAPS no qual eu trabalhava. Para além do sofrimento psiquiátrico, havia a história de vida, encontros e desencontros, sonhos e frustrações nas narrativas das personagens e dos meus pacientes. Compreendi que os dois tipos de materiais complementavam-se e me ajudavam a entender de forma mais ampla e intervir com mais qualidade neste tipo de sofrimento.

A ligação entre suicídio e literatura é bem estreita desde que Goethe escreveu “Os sofrimentos do jovem Werther”, em 1774. No romance, o jovem Werther se apaixona por uma moça e, diante da impossibilidade de ser correspondido,  Até hoje, quando falamos no efeito contágio, falamos no “efeito Werther”.

No artigo “A importância da Biblioterapia no tratamento da depressão”, Isabela Lustosa Pereira, no seu TCC para Bacharel em Biblioteconomia (2016, disponível em http://www.unirio.br/unirio/cchs/eb/arquivos/tccs-2016.2/Isabela%20Lustosa%20Pereira.pdf) refere que a bilioterapia pode ser definida como “a terapia por meio de livros”, ou seja, uma leitura recomendada com fins terapêuticos.

No artigo “Reading books and watching films as a protective factor against suicidal ideation”, de Kassara-Kiritani e outros autores (2015, disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4690968), vemos que:

“Ler livros ou assistir filmes pode compensar a falta de apoio social se, por exemplo, o leitor puder se identificar de alguma forma com a narrativa, fatores situacionais ou protagonistas das histórias. Através desta identificação, os leitores ou observadores podem sentir-se menos sozinhos, ou podem aprender com essas mídias sobre estratégias de enfrentamento, estratégias de ajuda ou talvez aumentar sua disposição de discutir seus problemas com profissionais de saúde ou outros.
[...] Livros e filmes podem atuar como fontes de apoio social ou alfabetização em saúde mental e, assim, reduzir o risco de suicídio constituído por falta de pertencimento. Recomendamos que os jovens com baixo sentimento de pertencimento, em risco de comportamento suicida, possam ler livros e / ou assistir a filmes que possam ter efeitos preventivos [tradução nossa]”.

Diante disso, faço então algumas sugestões de leitura, lembrando que há muito material sobre o assunto:

- Para profissionais:
Crise suicida, de Neury Botega
Sinopse: Como nossas atitudes em relação ao suicídio interferem na prática clínica? Quais características pessoais e circunstâncias mais se associam ao suicídio? Como estimar o risco de suicídio? Quais as nuanças da relação empreendida com o paciente e sua família? Neste livro prático e acessível, Neury José Botega responde a essas e outras questões, sistematizando suas vivências diárias no atendimento a pacientes em crise suicida.

Histórias de sobreviventes de suicídio, do Instituto Vita Alere
Sinopse: Esse livro nasceu da dor e da esperança, da luta e da força, da tragédia arrebatadora e de achar que não havia outra opção. Nele, estão histórias do I Concurso Literário do instituto, com textos de pessoas que tentaram suicídio, que perderam seu ente querido por suicídio ou ainda profissionais que compartilham sua experiência diante do impacto de perder um paciente por suicídio.

Um crime da solidão, de Andrew Solomon
Sinopse: Do mesmo autor de “O demônio do meio-dia”, traz artigos que foram reunidos em livro pela primeira vez, numa edição exclusiva para o Brasil. Solomon reflete sobre casos recentes de suicídio de personalidades, como Anthony Bourdain, Robin Williams e Kate Spade.

- Para quem está em sofrimento:
Confissões de um adolescente depressivo, de Kevin Breel
Sinopse: Este livro é um guia para sobreviver à depressão ou entender melhor quem a enfrenta na adolescência, escrito por alguém que atravessou a escuridão e agora lança mão do seu estilo único para trazer luz e esperança à vida de milhões de jovens e adolescentes.

Razões para continuar vivo, de Matt Haig
Sinopse: O mundo de Matt Haig ruiu quando ele tinha pouco mais de 20 anos. Ele não conseguia achar uma maneira de continuar vivo. Essa é a história real de como ele passou pela crise, triunfou sobre a doença que quase o destruiu e aprendeu a viver novamente. Uma análise comovente e delicada sobre como viver melhor, amar melhor e se sentir mais vivo, Razões para continuar vivo é mais do que um livro de memórias.

Vidaa, de Victória Duarte e Monique Tassinari
Sinopse: As autoras constroem, em linguagem acessível, direta e ao mesmo tempo sensível e cuidadosa, uma ferramenta para lidar com a prevenção do suicídio, tema tão importante de ser encarado e discutido. É um auxílio para o leitor compreender que existem muitas soluções para o manejo da dor. São cinco passos para tentar mais uma vez e, assim, vencer mais um dia.

- Para adolescentes:
Por lugares incríveis, de Jennifer Niven
Sinopse: Violet Markey tinha uma vida perfeita, mas todos os seus planos deixam de fazer sentido quando ela e a irmã sofrem um acidente de carro e apenas Violet sobrevive. Theodore Finch é o esquisito da escola, perseguido pelos valentões e obrigado a lidar com longos períodos de depressão, o pai violento e a apatia do resto da família. Enquanto Violet conta os dias para o fim das aulas, Finch pesquisa diferentes métodos de suicídio e imagina se conseguiria levar algum deles adiante. Em uma dessas tentativas, ele vai parar no alto da torre da escola e, para sua surpresa, encontra Violet, também prestes a pular. Um ajuda o outro a sair dali, e essa dupla improvável se une para fazer um trabalho de geografia: visitar os lugares incríveis do estado onde moram.

Cartas de amor aos mortos, de Ava Dellaira
Sinopse: Prestes a começar o ensino médio, Laurel decide mudar de escola para não ter que encarar as pessoas comentando sobre a morte de sua irmã mais velha, May. A rotina no novo colégio não está fácil, e, para completar, a professora de inglês passa uma tarefa nada usual: escrever uma carta para alguém que já morreu. Laurel começa a escrever em seu caderno várias mensagens para Kurt Cobain, Janis Joplin, Amy Winehouse, Elizabeth Bishop… sem nunca entregá-las à professora. Nessas cartas, ela analisa a história de cada uma dessas personalidades e tenta desvendar os mistérios que envolvem suas mortes. Ao mesmo tempo, conta sua própria vida, como as amizades no novo colégio e seu primeiro amor: um garoto misterioso chamado Sky. Mas Laurel não pode escapar de seu passado. Só quando ela escrever a verdade sobre o que se passou com ela e com a irmã é que poderá aceitar o que aconteceu e perdoar May e a si mesma.

O último adeus, de Cynthia Hand
Sinopse: É narrado em primeira pessoa por Lex, uma garota de 18 anos que começa a escrever um diário a pedido do seu terapeuta, como forma de conseguir expressar seus sentimentos retraídos. Há apenas sete semanas, Tyler, seu irmão mais novo, cometeu suicídio, e ela não consegue mais se lembrar de como é se sentir feliz. E no meio desse vazio, Lex e sua mãe começam a sentir a presença do irmão. Fantasma, loucura ou apenas a saudade falando alto? “O último adeus” é sobre o que vem depois da morte, quando todo mundo parece estar seguindo adiante com sua própria vida, menos você.

- Para sobreviventes enlutados
Depois do suicídio, de Sheila Clark
Sinopse: Este é um livro extremamente valioso, e dará apoio e assistência àqueles que estão enlutados devidos à tragédia do suicídio. Mostra bom senso e proporciona cuidadosas orientações para ajudar as pessoas a retomarem seu caminho. Será também de grande valia para todos os envolvidos com o trabalho de apoio com enlutados. É um excelente recurso tanto para aqueles que sofreram uma perda como para os envolvidos em grupos de apoio.

E agora?, de Karen Scavacini
Sinopse: O suicídio é um evento trágico para toda a família. Crianças e adultos são extremamente impactados por essa morte e, muitas vezes, precisam de cuidados especiais. Conversar com uma criança sobre o que aconteceu e sobre como ela está se sentindo pode fazer grande diferença em seu processo de luto e na busca de uma nova forma de existir no mundo. Diminuir o estigma e tabu sobre o suicídio pode começar dentro de casa, com conversas francas, adequadas à idade e com o acolhimento do luto. Silenciar não significa resolver. O enlutamento é um processo e não um evento. Esse livro é único ao tratar desse tema: traz explicações, propõe exercícios e ajuda para crianças, pais, educadores e psicólogos nesse delicado percurso. A autora trata de uma forma simples, sensível, corajosa e cuidadosa um tema difícil, dolorido e cheio de tabus.

Sem tempo de dizer adeus, de Carla Fine
Sinopse: O suicídio parece ser o último tabu. Até mesmo o incesto é amplamente discutido na mídia, mas o suicídio de um ente querido ainda é um ato sobre o qual a maioria das pessoas é incapaz de conversar - ou até mesmo de admitir para os familiares e amigos mais próximos. Essa é uma das muitas verdades dolorosas e paralisantes que a autora Carla Fine descobriu quando seu marido, um jovem e bem-sucedido médico, tirou a própria vida em dezembro de 1989. Sentir-se incapaz de falar aberta e honestamente sobre a causa de sua dor tornou a sua sobrevivência ainda mais difícil. Sem tempo de dizer adeus trata sobre os devastadores sentimentos de confusão, culpa, vergonha, raiva e solidão que são compartilhados pelos sobreviventes e oferece um auxílio poderoso e uma orientação valiosa para os familiares e amigos que são deixados para trás e que lutam para dar sentido a um ato que lhes parece não ter sentido, e para juntar os pedaços de suas próprias vidas despedaçadas.


É importante pensar em cinco passos para o uso  da biblioterapia no comportamento suicida ou no trabalho com sobreviventes enlutados:
1.         Selecionar o livro de acordo com o tema (por exemplo: depressão, comportamento suicida, luto por suicídio), faixa etária ...
2.         Compreender a situação que o sujeito está enfrentando (momento - ele está preparado para esta leitura?, identificação - o personagem apresenta algumas semelhanças com o leitor?, concentração - o leitor atualmente consegue se concentrar o suficiente para a leitura?) ...
3.         Ler o livro antes para verificar se ele apresenta em seu enredo o enfrentamento e a solução para o problema, oferecendo esperança e suporte. Verificar se o livro traz alguma situação que na verdade pode ser um gatilho ao invés de ajudar.
4.         Depois da leitura: facilitar o processo de compreensão, discutir como foi, quais pontos chamaram a atenção, aspectos em comum e divergentes na história ...
5.         Considerar que a biblioterapia é uma ferramenta dentro de um processo maior, dentro da terapia.
No site do Vita Alere (www.vitaalere.com.br) estão disponíveis muitos outros livros relacionados à esta temática. Você também pode acompanhar minhas leituras pelo instagram @a.biblioteca.da.psicologa.