domingo, 20 de janeiro de 2019

Mikhael tinha 15 anos e cursava o nono ano quando tirou a própria vida, dias antes do último Natal. Os pais são Daniel e Isabela Mastral: ele é escritor e conferencista, 51 anos, e ela médica, 49. No início do ano, o adolescente que adorava estudar inglês e era chamado de Mik pelos pais, foi diagnosticado com depressão e síndrome de Borderline, quando há mudanças de humor, medo de ser abandonado e comportamentos impulsivos. 

Cerca de 10% dos pacientes cometem suicídio.Em duas das ocasiões nas quais tentou o suicídio, foi salvo pela mãe. No último dia 22, ela não pôde estar perto. Isabela, que não conseguiu acompanhar o enterro de Mikhael devido à emoção, conta como tem vivido até aqui. Seu relato foi feito à Universa com a ajuda do marido, Daniel.

"É muito triste ver um filho abatido. Ele teve todo nosso amor, amparo, acolhimento, orações. Teve também suporte psiquiátrico de perto. Não levamos nenhum peso de culpa. Fizemos nosso melhor. Paramos nosso trabalho para nos dedicar em tempo integral a ele. Nunca negamos um abraço. Eu também tive depressão e Borderline. Demorou mais de dez anos para achar o tratamento certo. Mikhael era um jovem bom, respeitador, honesto, puro e, muitas vezes, ingênuo. Acreditava nas pessoas e no amor. Tratava todos como iguais. Passou a se sentir um peso para nós. Ele sabia que estávamos tomando antidepressivos também e achava que a vida dele estava nos matando. Dizia sempre que nos amava.

Antes da doença se manifestar, Mik saía mais, sorria, brincava, estudava, fazia planos. Aí ele mudou. Parecia ter girado uma chave. Caiu seu rendimento escolar, não saía mais do quarto, passou a ter uma perturbação com sua aparência. Estava com anorexia e bulimia. Tampava o seu espelho para não se ver. Sua autoestima estava baixa, e insistimos em estar com ele sempre. Mas era como ver uma luz apagando. Dia a dia. Não se alimentava, não tomava banho.

Ele se afastou das redes sociais e recebia poucas visitas. Achava que os amigos o abandonaram. Outros, para piorar, ofereceram a ele álcool e drogas para "anestesiar" a dor. E isso piora o quadro, como aconteceu.Antes deste episódio, houve uma intoxicação e consegui mantê-lo vivo. Ele ficou internado em UTI por quatro dias, 16 horas em coma profundo. No dia 20 de dezembro, se feriu e conseguimos contornar novamente a situação. Consegui novamente evitar que algo pior acontecesse. 

No dia seguinte, o levamos a uma especialista em transtornos em adolescentes e saímos com a esperança de conseguirmos uma vaga no HC (Hospital das Clínicas de São Paulo) para tratamento. A médica considerou seu estado bom. Ele saiu feliz da consulta, enxergando melhores possibilidades. Nessa mesma sexta-feira, saiu para encontrar umas amigas. Sábado, dia 22, tentou novamente se matar e dessa vez não estávamos perto. Naquele mesmo dia, no fim da tarde, a vaga do HC estava à disposição, mas era tarde demais. Ele deixou seu diário. Lá, escreveu tudo o que estava sentindo, desde a primeira tentativa. Escreveu do fundo do poço. Vamos publicar o diário dele na data em que faria 16 anos, 15 de fevereiro. É um relato feito por alguém muito ferido. Nós também vamos apresentar nosso olhar nessa publicação, no site. Somos cristãos e Jesus nos ensina que não é fraqueza expor a dor.Espero que ajude muitos a enxergar que depressão é uma doença e que essas pessoas recebam mais empatia. Elas precisam de amor. Esperamos também que preconceitos caiam. Não há como acrescentar mais dor e punição a quem está tão ferido.

Peço que escolas e amigos não os abandonem, não zombem, não julguem quem está nessa situação. Sejam pacientes, abracem, acolham, visitem. Isso os faz se sentirem importantes. Esgotamos todos os recursos. Fizemos nosso melhor. Infelizmente, enquanto acharem que depressão é "frescura" ou que é "demônio", os índices podem aumentar. Falar sobre o tema é a melhor maneira. Papais e mamães: não carreguem o fardo da culpa. Um dia, estaremos todos juntos.Estamos vivendo o luto. Dói profundamente. Como se uma estaca entrasse em seu peito. Não 'briguem' com Deus. Nem esperem respostas rápidas. Tudo vem ao seu tempo. A dor será transformada em saudade e ela em boas lembranças". 



domingo, 13 de janeiro de 2019

Livro: Por que policiais se matam?

"O diferencial das taxas de suicídio de policiais e da população geral também é expressivo no Brasil. Musumeci e Muniz (1998, p. 30) fizeram um mapeamento da vitimização de policiais militares e civis na cidade do Rio de Janeiro, e constataram que a taxa de suicídio da polícia militar carioca em 1995 foi 7,6 vezes superior à da população geral, ainda que 100% das mortes tenham acontecido durante a folga do policial" (p. 19).

"Os principais achados do projeto de pesquisa 'Suicídio e Risco Ocupacional: o caso da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro' são objeto de análise da primeira parte deste livro. Trata-se de um estudo exploratório que buscou investigar o perfil de policiais militares, a gravidade e as dimensões do problema no estado do Rio de Janeiro. Quem são os policiais militares que se matam? E os que pensam, mas não tentam suicídio? E os que pensam e tentam se matar? Por que agentes de segurança pública tentam se matar? Será que o número de mortes por suicídio e tentativas entre a população policial militar é maior do que entre a população geral do estado da Guanabara? Podemos dizer o mesmo no que concerne à taxa e ao risco relativo de mortes por suicídio entre policiais? Em que condições, policiais militares pensam, tentam e cometem suicídio? Quais são fatores associados ao comportamento suicida entre policiais militares da PMERJ?"

"O perfil do policial suicida na PMERJ, reconstituído a partir das autópsias psicossociais com os seus colegas, amigos e familiares, reúne as seguintes características:

> Ser homem, casado, com filhos e evangélico.
> A maioria dos policiais mortos por suicídio fazia exercícios físicos; não fumavam  e consumiam bebida alcoólica.
> Alguns suicidas utilizaram serviços médicos antes da morte. O serviço psiquiátrico  é um recurso pouco usado pelo policial militar.
> Não há concentração de mortes por suicídio nos diferentes batalhões.
> A maioria dos casos policiais suicidas são de praças.
> Os policiais suicidas tinham ocupação remunerada fora da PMERJ. A atividade principal  era a segurança privada.
> A maioria parte dos mortos por suicídio declarou satisfação em trabalhar na PMERJ.
> E os principais problemas de saúde dos policiais suicidas: diabetes, gastrite, problemas psiquiátricos (depressão e alteração de humor) e consumo de drogas.
fonte: Elaboração própria" (p. 57).

"O diagnóstico concluiu que a maioria dos casos aconteceu sem planejamento. Dezessete policiais agiram por impulsividade. Muitos deles afirmaram que o incidente significou uma resposta imediata ao acúmulo de problemas diversos. Embora esses policiais não tenham planejado o ato suicida, 19 do total (n=22) confessaram ter pensado na maneira pela qual poria 'fim' a sua própria vida" (p. 58).

Trabalho interessantíssimo, organizado pela competente Dayse Miranda.
Leitura mais do que recomendada!




domingo, 6 de janeiro de 2019

Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros – 2012 a 2016

O Ministério da Saúde lançou, na última segunda-feira (31), a cartilha ‘Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros – 2012 a 2016’. A publicação tem como objetivo elencar os grupos de maior risco ao suicídio entre a juventude no Brasil, explorando tanto a análise entre brancos e negros, quanto os grupos de maior vulnerabilidade entre os negros, para que gestores e profissionais de saúde desenvolvam ações e estratégias para a prevenção do suicídio e atendimento integral desta população. A análise foi realizada usando o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Departamento de Informática do SUS do Ministério da Saúde (DATASUS/SIM/MS).



“É importante lembrar que o suicídio pode afetar qualquer pessoa, mas existem contextos que aumentam essa vulnerabilidade. Os jovens negros enfrentam condições de vida e de saúde que expressam maior risco e consequentemente demonstram cenários de maior vulnerabilidade e de iniquidades em saúde”, destaca a diretora substituta do Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social da Secretaria de Gestão Estratégica Participativa do MS (DAGEP/SGEP/MS), Marina Marinho.

A publicação elaborada pelo Núcleo de Evidências para Políticas de Equidade em Saúde do (NEPES/DAGEP/SGEP) contou com a parceria do GT Suicídio – composto por áreas técnicas do MS, a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos (SEPPIR/MDH), o Observatório de Saúde de Populações em Vulnerabilidade da Universidade de Brasília (ObVul/UnB) e de especialistas.
"A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra reconhece o racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional como determinantes sociais das condições de saúde. Um dos grupos vulneráveis mais afetados pelo suicídio são os jovens e sobretudo os jovens negros, devido principalmente ao preconceito e à discriminação racial e ao racismo institucional. Muitas vezes as queixas raciais podem ser subestimadas ou individualizadas, tratadas como algo pontual, de pouca importânciae ainda culpabilizando aquele que sofre o preconceito. O estigma em torno do suicídio, aliados a elementos estruturantes como o racismo estão relacionados e contribuem para o silenciamento em torno da questão, além das dificuldades de se falar abertamente sobre o assunto"(p. 16).
"As principais causas associadas ao suicídio em negros são: a) o não lugar, b) ausência de sentimento de pertença, c) sentimento de inferioridade, d) rejeição, e) negligência, f) maus tratos, g) abuso, h) violência, i) inadequação, j) inadaptação, k) sentimento de incapacidade, l) solidão, m) isolamento social.
Outros fatores relacionados: a) não aceitação da identidade racial, sexual e afetiva, de gênero e de classe social" (p. 17).


"Por que as maiores taxas de suicídio estão na população negra? 

O racismo causa impactos danosos que afetam significativamente os níveis psicológicos e psicossociais de qualquer pessoa. A prática do racismo e da discriminação racial é uma violação de direitos, condenável em todos os países. No Brasil, é um crime inafiançável, previsto em lei.
Os impactos do racismo geram efeitos que incidem diretamente no comportamento das pessoas negras que normalmente estão associados à humilhação racial e à negação de si, que podem levar a diversas consequências inclusive às práticas de suicídio.
Os determinantes sociais e principalmente aqueles relacionados ao acesso e permanência na educação influenciam adolescentes e jovens negros sobre suas perspectivas em relação à vida. Destacam-se as ações abaixo como fatores de proteção contra o óbito por suicídio:
• Acompanhamento da frequência escolar;
• Condições para permanência na escola/universidade;
• Cotas raciais nas universidades" (p. 54).


"Em 2012, foram registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade 3.017 mortes por suicídio em adolescentes e jovens. Esse número manteve-se estável no decorrer dos cinco anos analisados (2013: 2.991; 2014: 3.040; 2015: 3.068), chegando a 3.097 óbitos em 2016. [...] De 2012 a 2016, a proporção de suicídios entre negros aumentou em comparação às demais raças/cores, subindo de 53,3% em 2012 para 55,4% em 2016. O percentual de suicídios aumentou entre os pardos (2012: 46,2% e 2016: 49,3%) e indígenas (2012: 2,1% e 2016: 2,9%)" (p. 23).

"Em 2012, a taxa de mortalidade por suicídio foi de 4,88 óbitos por 100 mil entre adolescentes e jovens negros e aumentou 12%, alcançando 5,88 óbitos por 100 mil entre adolescentes e jovens negros em 2016. Por outro lado, a taxa de mortalidade por suicídio entre os brancos permaneceu estável, isto é, a variação não foi significativa estatisticamente. Em 2012, a taxa de mortalidade por suicídio entre adolescentes e jovens brancos foi de 3,65 óbitos por100 mil, e em 2016 essa taxa foi de 3,76 óbitos por 100 mil. Analisando esses dois grupos em 2016, nota-se que a cada 10 suicídios em adolescentes e jovens, aproximadamente seis ocorreram em negros e quatro em brancos" (p. 26).

Suporte social e seu papel na prevenção do suicídio
"A raça/cor atua como um determinante de como as pessoas vivenciam as tensões da vida e estas estabelecem condições de visibilidade que definem como as pessoas são vistas na comunidade, aumentando inclusive o risco de suicídio. Em diversas situações, o que é visível é a raça/cordas pessoas enquanto sua contribuição na sociedade torna-se invisível. Os estereótipos raciais são psicologicamente danosos, entretanto, o desenvolvimento do potencial dos adolescentes e jovens negros, especificamente quanto à liderança, o envolvimento em organizações comunitárias, e em habilidades de comunicação permite confrontar de um modo efetivo o racismo na sociedade.
O sentimento de pertencimento a uma comunidade funciona como um amortecedor essencial contra os efeitos negativos da solidão e da baixa aceitação. O suporte social, entendido como relações próximas e de afeto entre as pessoas, atua como um fator de proteção e promoção à saúde. O suporte social realizado pessoalmente pelos pares dos adolescentes e jovens reduz a chance de sofrer bullying ou outras formas de agressão" (p. 56).
A escola e ter amigos próximos têm um papel fundamental na prevenção ao suicídio entre os adolescentes. O ambiente escolar contribui positivamente para desenvolver a autonomia dos adolescentes e a sensação de pertencimento e aceitação.
Além disso, a conexão com a comunidade escolar reduz o risco de tentativas de suicídio entre adolescentes negros, especialmente entre aqueles que vivem em bairros mais pobres, atuando como um forte fator de proteção.
O desemprego e a pouca capacitação profissional que atingem os jovens negros são resultado de séculos de discriminação, privação e negação de oportunidades. O desemprego juntamente com a discriminação, a segregação e a falta de acesso aos cuidados de saúde são determinantes sociais relacionados ao suicídio entre os jovens negros. É essencial que a comunidade forneça um suporte social para os adolescentes e jovens negros, pois o envolvimento da comunidade desempenha um papel na prevenção do suicídio. Ser reconhecido e apreciado como indivíduos únicos e sentirem-se pertencentes aos seus grupos faz com que a comunidade proteja os mais vulneráveis, construindo conexões sociais e desenvolvendo as habilidades de resiliência nas situações difíceis da vida. A comunidade precisa identificar parceiros e recursos para formação de uma rede de prevenção ao suicídio; é salutar envolver toda a comunidade, pois uma vida perdida precocemente impacta a todos. Os profissionais de saúde devem se mobilizar para identificar os indivíduos mais vulneráveis e trabalhar de modo intersetorial com toda a comunidade" (p. 57).