domingo, 28 de maio de 2017

Suicídios – tantos porquês __________________________ Maria Julia Kovacs

"A morte ainda é tema tabu na atualidade e o suicídio é o ápice no espectro das interdições. Sempre foi difícil abrir espaço para falar sobre o tema, mas hoje dois eventos abriram a discussão sobre a questão que normalmente é calada, pois o principal aspecto sempre aventado é que falar sobre suicídio pode induzi-lo, pelo contágio.
Nos últimos meses, o assunto viralizou no Facebook, redes sociais e recentemente também em notícias de jornal e TV. Essa onda atual começou com o game Baleia Azul e a série da Netflix – 13 razões por quê (Thirteen reasons why). Observamos que do silencio partimos para o escancaramento do tema, com várias inserções cotidianas, e ainda pouca elaboração reflexiva.
O suicídio é morte inesperada, repentina e violenta que atinge de forma impactante 6-8 pessoas, que imediatamente se tornam enlutados de risco, pelo alto grau de culpa que suscita, sendo denominados de sobreviventes por essa razão. Observa-se intensa busca de explicações, que nunca parecem satisfazer a necessidade de compreender o que não tem explicação.
A série 13 razões por quê se baseia na necessidade de explicar a morte por suicídio de Hannah Baker, uma jovem de 17 anos que deixa treze fitas destinadas aos seus amigos próximos, apresentando o que não conseguiu que fosse ouvido, enquanto estava viva. Essas fitas têm o caráter de uma carta acusadora, praticamente enlouquecendo seus ouvintes, que ficam muito abalados com o que ouvem. Esse é o ponto contraditório da série, porque implica que pessoas à volta de Hannah são responsáveis pelo suicídio. É preciso ressaltar que o suicídio é responsabilidade de quem o consumou.
O suicídio é responsabilidade, ou seja, é a possibilidade de responder a uma dada situação. Na série são apresentadas situações de bullying, estupro e outras situações de violência. A protagonista menciona em várias cenas que se sentia isolada e invisível. Os sentimentos e percepções apresentados são parte de sua experiência, portanto legítimos, o que está em discussão é que essas percepções sejam apontadas como causa do suicídio. O bullying, a violência, o isolamento, a não consideração de seus anseios podem ser fatores que precipitaram o ato suicida, mas a atribuição de causalidade nos leva a uma avaliação simplista e por isso incorreta. O suicídio é um caminho de ação possível, mas não o único. Inúmeras outras respostas poderiam ser dadas como observamos nos colegas e amigos de Hannah, que também tiveram seus conflitos e sofrimento e responderam com conversas, briga, aceitação, afastamento, atos agressivos, entre outras tantas possibilidades. O suicídio envolve uma longa história que tem seu início nas primeiras ideações, pensamento recorrente, planejamento e tentativa, finalizada com o ato suicida. A série insinua que amigos próximos e os pais são responsáveis pelo suicídio. Essa atribuição causa, além da dor da perda, o ônus da culpa, o que é muito penoso para os enlutados.

A importância da série é abrir o diálogo, discussão e reflexão, permitindo que se aprofundem questões relativas ao suicídio. Nunca se falou tanto sobre esse tema numa época em que o número de suicídios entre jovens cresce exponencialmente. Portanto, é interessante discutir a série em casa no meio familiar, na escola, nas universidades.
Baleia azul é um game que se iniciou como notícia falsa na Rússia e se espalhou em vários países do mundo, chegando agora ao Brasil. Como jogo, tem suas regras e seus curadores (nome estranho para quem dirige esse jogo), que têm como objetivo propor desafios que devem ser cumpridos pelos jogadores jovens, com o risco de, se desistirem ou deixarem de cumprir uma etapa, serem ameaçados de retaliação. São 50 passos culminando com o ato suicida. Há referencia de jovens que morreram em função do jogo, inclusive no Brasil.
O que motiva o jogo pode ser curiosidade, mas também a busca de respostas para uma vida sem sentido ou como um desafio com mais adrenalina. Ao descobrir a intenção do jogo é possível sair dele, mas o que fazer quando o medo de sair do jogo supera o instinto de proteção da vida? Em meio a um grande número de jovens isolados, deprimidos, vulneráveis, esse jogo cai como bomba. Perguntas são inevitáveis, por que o jogo foi criado? O que querem os seus curadores? Por que há pessoas que têm interesse em levar pessoas ao suicídio? Por que um jovem não abandona o jogo ao se sentir tão ameaçado? Por que precisa ir até o fim? Para que se possam buscar compreensões, esse jogo precisa ser informado, socializado e discutido em vários fóruns.
Tanto a minissérie quanto o jogo aumentaram de forma significativa as consultas ao Centro de Valorização da Vida (CVV) para poderem falar e serem ouvidos. Estimularam também a necessidade de que pais e professores conversem mais com seus filhos e alunos, e observem comportamentos: mudanças de comportamentos habituais, isolamento, queda do rendimento escolar e depressão. Como reação ao game Baleia Azul, surgiu o Baleia Rosa com passos que envolvem busca de situações de valorização da vida.
Suicídios nos trazem mais questões do que respostas. Mais do que calar é preciso refletir e discutir o tema com os jovens, e eles poderão nos orientar nessa difícil tarefa em casa e na escola. Observamos que algumas instituições educacionais já promoveram reuniões com jovens para discutir a questão.
Acreditamos que a melhor forma de compreender e prevenir suicídios é abrir espaço para conversas e reflexão e não simplesmente interditar o tema. Há uma falsa compreensão de que falar sobre suicídio pode incentivar o suicídio. Pelo contrário, ignorar ou não falar sobre os sinais de risco referidos acima leva ao risco de que o suicídio seja a única saída possível. É fundamental nesses casos encaminhar os jovens para atendimento psiquiátrico e psicológico e para ONGs como o Centro de Valorização da Vida.

domingo, 21 de maio de 2017

Livro: "Cartas de amor aos mortos" ___________________________Ava Dellaira

Sinopse: "Tudo começa com uma tarefa para a escola - escrever uma carta para alguém que já morreu. Logo o caderno de Laurel está repleto de mensagens para Kurt Cobain, Janis Joplin, Amy Winehouse, Heath Ledger, Judy Garland, Elizabeth Bishop... apesar de ela jamais entregá-las à professora. Nessas cartas, ela analisa a história de cada uma dessas personalidades e tenta desvendar os mistérios que envolvem suas mortes. Ao mesmo tempo, conta sobre sua própria vida, como as amizades no novo colégio e seu primeiro amor - um garoto misterioso chamado Sky. Mas Laurel não pode escapar de seu passado. Só quando ela escrever a verdade sobre o que se passou com ela e com a irmã é que poderá aceitar o que aconteceu e perdoar May e a si mesma. E só quando enxergar a irmã como realmente era - encantadora e incrível, mas imperfeita como qualquer um - é que poderá seguir em frente e descobrir seu próprio caminho".

Um livro intenso e delicado, no qual a personagem Laurel vai aos poucos elaborar a perda da irmã e sua própria história  através destas cartas.

"Querido Kurt Cobain,

Hoje a sra. Buster passou nossa primeira tarefa de inglês: escrever uma carta para uma pessoa que já morreu. [...] Gostaria que você me dissesse onde está e por que foi embora. Você era o músico favorito da minha irmã, May. Desde que ela morreu, tem sido difícil ser eu mesma, porque não sei exatamente quem sou. [...] Às vezes suas músicas dão a impressão de que existia muita coisa dentro de você. Talvez você nem tenha conseguido colocar tudo para fora. Talvez tenha sido por isso que morreu. Como se tivesse implodido. Acho que não estou fazendo a tarefa direito. Talvez eu tente de novo mais tarde".

Os destinatários das cartas de Laurel têm em comum o fato de terem tido mortes trágicas, em algumas vezes, por suicídio. Assim como May, que era a referência de Laurel. Depois dessa perda, a família de Laurel fica perdida (a mãe muda de cidade, o pai fica diferente e ela mesma prefere começar a estudar em outra escola, onde ninguém saiba do seu passado. Acho que vale a pena para falar de perdas, adolescência, amor, amizade e superação. 

"Querido Jim Morrison,
Uma vez você disse: 'Um amigo é alguém que dá liberdade total para você ser você mesmo - e especialmente para sentir ou não sentir. Qualquer coisa que você sinta naquele momento está bom para ele. É o que o amor verdadeiro significa - deixar alguém ser ele mesmo'. Obrigada por dizer isso, porque tenho pensado no assunto. Acho que há muito tempo estou tentando me sentir como acho que devo, em vez de ser quem realmente sou".

- Ava Dellaira em "Cartas de amor aos mortos" (p. 274)


domingo, 14 de maio de 2017



"Sou muito agradecido à mãe natureza por ter me dado minha tristeza. É ela que me poupa de, alegremente, comemorar a perda de um amigo ou a perda dos dedos da mão. Ou ficar indiferente a isso. Bendita tristeza que não me permite ser absurdo em relação a tudo que me acontece vindo de externo a mim.
Sou também grato a ela por me permitir ter um estado de espírito adequado à perda de ilusões. É muito aliviante poder estar triste quando constato não possuir, realisticamente, as virtudes que, ilusoriamente, eu me atribuía. Um fardo inútil que se deixa de carregar. E também, menor flagelação quando não correspondo às virtudes que não tenho.
Bendita tristeza que não me permite ser absurdo em relação a mim mesmo. E bendita alegria que me permite comemorar a recuperação de meu amigo e a posse das virtudes que realisticamente possuo. E bendita inveja que me faz querer possuir o que meu inimigo possui, e bendita admiração que me faz comemorar o que meu amigo possui, como se eu mesmo possuísse.  
Estou defendendo que a tristeza, apesar de dolorosa, é uma capacidade humana necessária, boa. E não, como habitualmente se acredita que, por ser dolorosa, é ruim. Ela é, mesmo, uma das mais infinitas variações da realidade externa ou à relação de cada um consigo mesmo. Numa palavra, permite adaptação."


- Trecho do artigo "Em defesa do meu direito de ser triste" do psiquiatra Oswaldo D. Di Loreto