domingo, 31 de maio de 2015

A história de Amanda Todd





"TERÇA-FEIRA, 16 DE OUTUBRO DE 2012
BULLYING MATA AMANDA TODD, 15 ANOS



A esta altura, você provavelmente já ouviu falar de Amanda Todd, uma garota canadense de 15 anos que se suicidou na semana passada. Sua história é de partir o coração. Pelo menos pra quem tem coração, porque olha, o relato faz com que a gente perca um tanto de fé na humanidade.

Quando Amanda estava na sétima série (ou seja, 13 anos), num grupo de bate-papo na internet, um cara a elogiou e a convenceu a mostrar seus seios. Ela mostrou. Um ano depois, recebeu um recado no Facebook de alguém que sabia tudo sobre ela (endereço, nomes dos amigos e familiares). Ele a ameaçou: ou ela fazia um showzinho particular pra ele, ou ele mandava as imagens de seus seios pra todo mundo. Foi o que ele fez. Amanda teve ansiedade e depressão e foi se refugiar em álcool e drogas. Trocou de escola pra ver se deixava seu terrível passado (mostrar os seios por alguns segundos) pra trás.
Não funcionou. O cara fez um perfil com os seios de Amanda como avatar. Ela chorava toda noite. Perdeu seus amigos, passou a se cortar. “Ninguém gostava de mim”, disse ela, num vídeo que fez com plaquinhas.

Amanda trocou de escola de novo. Lá teve umas paquerinhas com um rapaz que já tinha namorada. Quando a namorada viajou, ele avisou Amanda e pediu para que ela fosse até sua casa. Ela foi. “Pensei que ele gostasse de mim,” contou ela. 
Na semana seguinte, um grupo de meninas da sua outra escola apareceu no novo colégio para humilhá-la, xingá-la, bater nela. Colegas filmaram a cena. Quando os professores apareceram, Amanda fugiu e se escondeu numa vala. Seu pai a encontrou. Chegando em casa, ela tentou se matar tomando alvejante. Foi levada às pressas para o hospital, e salva. Os recados no Facebook: “ela mereceu”, “espero que ela morra”, “você tirou a lama do seu cabelo?”.

Desta vez ela mudou não só de escola, mas também de cidade. Foi morar com a mãe. Porém, seis meses depois do último incidente, as pessoas continuavam postando fotos de alvejante. “Tomara que ela use um alvejante diferente e morra desta vez”, escreveu uma delas. 
“Por que recebo essas coisas?”, perguntou Amanda. “Eu errei, mas por que continuar me seguindo? […] Todo dia eu penso: por que ainda estou aqui?”.
Ela estava com depressão, se autoflagelando, fazendo terapia. Teve uma overdose e foi parar no hospital por dois dias. 

Mas continuava sobrevivendo. E termina seu relato silencioso com um papel escrito “Não tenho ninguém. Preciso de alguém. Meu nome é Amanda Todd”. Impossível haver um pedido mais direto de ajuda. 
Poucas semanas depois, Amanda se enforcou.
Agora todo mundo está devastado. Um memorial em homenagem a ela no Facebook vai passar de um milhão de “curtidas”. E, toda vez que uma jovem se mata em consequência de bullying, condenamos o bullying. Mas condenamos por pouco tempo. Logo esquecemos. Pior: tem muita gente que acha que bullying é bom. Que forma caráter.

Semana passada, uma professora me contou que o bullying já começa quando as crianças têm dois anos. É, crianças passam a atazanar a vida umas das outras quando elas mal conseguem falar. E, com a internet, o bullying não fica restrito apenas ao tempo que a criança passa na escola. É possível incomodá-la o tempo todo, dizendo-lhe como ela é feia, inadequada, detestável –- numa fase em que a pessoa quer, acima de tudo, ser aceita. 
Amanda não foi a primeira e, infelizmente, não será a última adolescente a se matar por causa da pressão crueldade dos outros. E isso que ela era magra, linda, e hétero. Imagine quantxs jovens gordxs e gays o bullying não leva até a morte. 

Por isso eu fiz questão de recomendar o vídeo da âncora de TV que foi advertida por um espectador, típico concern troll, de que ela, por ser gorda, estaria passando um péssimo exemplo para sua comunidade. A jornalista respondeu que é forte, mas que se preocupa com as crianças que recebem e-mails desse tipo várias vezes por dia, todo santo dia, e que não têm a segurança necessária pra lidar com aquilo. “Não deixem sua autoestima ser definida por bullies”, pediu ela. Outubro é, nos EUA, o mês nacional contra bullying, um grave problema que só cresce.
Por coincidência, olha o título da máteria que saiu ontem na Marie Claire: “Professora decide emagrecer após sofrer bullying dos próprios alunos”. O que foi publicado na seção Bem Estar do Globo (é, bullying como bem estar), traduzida de um artigo do jornal britânico Daily Mail, é um pouco diferente. Não é que um aluno disse pra professora que ela era como um camarão –- só se aproveita a cabeça, o resto pode ser jogado no lixo. Ela ouviu alunos comentando sobre sua aparência, mas eles não sabiam que ela estava ouvindo. O que os três artigos têm em comum é que foi uma maravilha a professora ter ouvido aquele insulto. Porque, graças a ele, ela emagreceu 55 quilos. “Perder peso foi a melhor coisa que já fiz”, disse a professora de 31 anos, casada e mãe de uma filha.

Quais são as mensagens nada subliminares passadas por essas matérias? 1) Que, se você é professora e ouve seus alunos falarem coisas horríveis sobre uma pessoa, sua função não é educá-los, não é ensiná-los a ser tolerantes com as diferenças. Não. É chorar e fazer uma dieta imediatamente. Afinal, o problema está na pessoa que é bullied, não nos bullies. 2) Que um bully está no fundo ajudando a pessoa que está perseguindo. Se não fosse o bully, como a vítima saberia que ela tem um ou vários defeitos, e como ela poderia se esforçar pra mudar?
Sei. Essas mesmas revistas e jornais poderiam escrever sobre um dos inúmeros jovens gays que são bullied até a morte todo ano: “Adolescente gay decide virar hétero após sofrer bullying dos amigos”. Talvez, se Amanda tivesse sobrevivido, não fariam um título assim: “Adolescente decide ser menos vadia após sofrer bullying dos próprios colegas”. Afinal, uma menina que mostrou os seios e transou com um menino que já tinha namorada só pode ser uma vadia. E bullying só pode ser garantia de um final feliz para todos os envolvidos.
Vale ressaltar: Amanda foi apenas uma das muitas vítimas de bullying que, desesperadas, pedem ajuda e são ignoradas. Não podemos mais ajudá-la. Mas podemos ajudar jovens que sofrem bullying diariamente. Podemos dizer que ofender e perseguir pessoas não é legal.
Que a morte de Amanda não tenha sido em vão."

Texto retirado do blog "Escreva, Lola, escreva" 

http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/10/bullying-mata-amanda-todd-15-anos.html



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