domingo, 18 de novembro de 2018

No Outubro Rosa e no Novembro Azul também precisamos falar sobre suicídio


Quando falamos a respeito da prevenção do suicídio, sempre abordamos os fatores de risco e os fatores de proteção como aspectos fundamentais para a avaliação de risco. 

Como Kovács (1996, p. 17-18)  aponta:

"O diagnóstico de uma doença com prognóstico reservado traz à tona a fragilidade do ser humano e o contato com a sua finitude, lembrando a possibilidade da morte mais próxima. [...]
O medo do sofrimento, da dor e da degeneração podem fazer com que o indivíduo se sinta morto ou prefira morrer a viver uma quase vida".   

Existem estudos que relacionam as neoplasias a um risco mais significativo de suicídio, especialmente quando se trata de: pacientes do sexo masculino; período inicial do diagnóstico (os primeiros meses são apontados como momento de maior risco); diagnóstico de metástase e os desdobramentos da quimioterapia e de todo o tratamento; dor não controlada e impacto na qualidade de vida (OMS, 2000; ALBUQUERQUE E SAMPAIO, 2014).

Andrew Solomon, no livro "O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão" (2014, p. 256), relata o quanto o suicídio de sua mãe ("nos estágios finais do câncer terminal") quando ele tinha 27 anos, foi desestabilizador. "Embora eu admire minha mãe por ter feito o que fez e acredite em sua atitude, seu suicídio é o cataclismo de minha vida". 

Ele conta:
"O câncer de minha mãe foi diagnosticado em agosto de 1989. Em sua primeira semana no hospital, ela anunciou que ia se matar. Todos tentamos não levar a sério essa declaração, e ela não insistiu. Naquela época, ela não estava falando de um plano ponderado para terminar com seus sintomas - quase não tinha nenhum - , mas expressava uma sensação de ultraje ante a indignidade do que estava à sua frente e um profundo medo de perder o controle de sua vida. Na época, falava de suicídio como alguém que sofreu uma decepção no amor poderia falar dele, como uma alternativa rápida e fácil para o lento e doloroso processo de recuperação. Era como se quisesse vingança pela afronta que recebera da natureza; se sua vida não podia ser requintada como antes, ela não a queria mais" (SOLOMON, 2014, p. 259).    

Carvalho (1996, p. 94-95) comenta, a partir de sua experiência com pacientes da oncologia:
"[...] aprendi a reconhecer os que querem viver e os que querem morrer.. Não chego a dizer que o câncer já tenha sido provocado, inconscientemente, com essa intenção. Mas, uma vez instalado o processo canceroso, aqueles que realmente querem viver muitas vezes conseguem reverter o processo. Outros vão se entregando aos braços de uma dama atraente, às vezes libertadora, às vezes consoladora, chamada Morte. Já ouvi a frase - o câncer é um suicídio socialmente aceito".  

O diagnóstico do câncer pode mobilizar medo, angústia e potencializar o surgimento de quadros de sofrimento mental - principalmente a depressão e a ansiedade. Determinados transtornos mentais, associados a fatores psicossociais,  podem potencializar as tendências autodestrutivas, incluindo a morte autoprovocada.  
“O suicídio pode ser um meio de manter o senso de controle e uma alternativa reconfortante para pacientes que se sentem oprimidos pela incerteza, sentimentos de impotência e temor de experimentar um sofrimento insuportável” (SANTOS, 2017).

De acordo com uma pesquisa de Teng, Humes e Demetrio (2005), “pacientes oncológicos deprimidos aderem menos aos tratamentos propostos, piorando seu prognóstico. A qualidade de vida fica comprometida, acelerando um ciclo vicioso de desesperança que pode culminar em suicídio”.

Segundo Albuquerque e Cabral (2014):

"Ideias de suicídio podem surgir como uma alternativa, que alguns consideram racional, a uma morte dolorosa e incontrolável, especialmente em fases avançadas da doença 'se as coisas piorarem muito, terei sempre uma saída' " (p. 349).  

Considerando estas questões, é fundamental oferecer um cuidado integral para pessoas que se encontram em tratamento de câncer e fortalecer ainda mais os fatores de proteção. 

Para Albuquerque e Cabral, o primeiro cuidado deve ser a disponibilidade para discutir abertamente sobre a doença, suas angústias e o medo da morte. As autoras destacam ainda a importância do controle dos sintomas físicos, para promover o bem-estar e permitir que a pessoa tenha o menor sofrimento possível.

Redes de apoio, grupos terapêuticos e acompanhamento psicológico são recursos importantes para que a valorização da vida se intensifique cada vez mais.  

Como diz Rubem Alves: “Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo  que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo) [...] Ela nos convida a contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é simplesmente isto:  'Veja a vida. Não há tempo a perder.
É preciso viver agora!  Não se pode deixar o amor para depois...'". 

Sempre é possível ressignificar nossas experiências, como Sophie Sabbage afirma no livro "O que o câncer me ensinou":

 "A partir do momento em que soube que minha doença era incurável, minha vida foi transformada radicalmente. Morrer é agora uma parte íntima e integral do meu viver. É minha companhia de todos os dias. Eu precisava aceitar essa presença e reconhecer que a morte não precisava me roubar do meu propósito, que eu ainda podia ser motivada e transformada pela maneira como me dedico a esta experiência. Mesmo as grandes feridas da minha vida podiam ser curadas antes de eu morrer.
[...] Eu poderia perdoar o que não havia sido perdoado; refazer relacionamentos que tinham sido negligenciados; publicar a poesia que  escondera em arquivos secretos no meu computador [...] e substituir os arrependimentos da minha vida por gratidão pelo que realizei ao longo do caminho. Eu poderia morrer curada, viver curada e sair transformada ou sobreviver transformada. O resultado final está nas mãos de Deus, mas isso é de minha total responsabilidade"Sophie Sabbage em "O que o câncer me ensinou" (2017, p. 93).

- Psicóloga Luciana França Cescon 

Referências

ALBUQUERQUE, Emília e CABRAL, Ana Sofia. Doença oncológica e suicídio. In: SARAIVA, Carlos Braz; PEIXOTO, Bessa e SAMPAIO, Daniel (coord.). Suicídio e comportamentos autolesivos: Dos conceitos à prática clínica. Lisboa: Lidel, 2014 (pp.349-356).  

CARVALHO, Margarida M. J. de. Suicídio: a morte de si próprio. In: BROMBERG, Maria Helena Pereira Franco; KOVÁCS, Maria Julia et al. Vida e morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

KOVÁCS, Maria Julia. A morte em vida. In: BROMBERG, Maria Helena Pereira Franco; KOVÁCS, Maria Julia et al. Vida e morte: laços da existência. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da saúde em Atenção Primária. Genebra, 2000.  

SABBAGE, Sophie. O que o câncer me ensinou. São Paulo: Sextante, 2017. 

SANTOS, Manoel Antônio dos. Câncer e suicídio em idosos: determinantes psicossociais do risco, psicopatologia e oportunidades para prevenção. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 22, n. 9, p. 3061-3075,  Setembro  2017.

SOLOMON, Andrew. O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão. 2a. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.  

TENG, Chei Tung; HUMES, Eduardo de Castro; DEMETRIO, Frederico Navas. Depressão e comorbidades clínicas. Rev. psiquiatr. clín.,  São Paulo ,  v. 32, n. 3, p. 149-159,  Junho  2005 .


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