domingo, 1 de maio de 2016

Suicídio da População Trans: Limites entre Vida e Morte



Ontem, assisti a este importante evento que aproximou-me ainda mais de um tema muito importante na questão do suicídio: o suicídio por questões de gênero, podemos dizer que um  suicídio que muitas vezes se apresenta como uma denúncia de sofrimento e desrespeito.

Qualquer aproximação que eu procure fazer será sempre uma sombra do que de fato é vivenciar essa situação no cotidiano, porém vou fazer um resumo das principais falas, para que cada um que tenha interesse pelo tema possa refletir.

Organizado pelo CAIS (Associação Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais) e pelo ILADH – Instituto Latino Americano de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, a partir de suicídios recentes de trans, o encontro teve como objetivo discutir esta questão.

O Dr. Dráuzio Varella abriu o encontro, referindo-se ao seu contato com travestis no Carandiru (experiência relatada entre outras, no livro "Estação Carandiru". Hoje, observa que é importante quantificar os trans que morreram por suicídio, para destacar sua relevância.

Depoimentos apontaram que é muito importante compreender o sofrimento do existir trans, percebendo a morte da pessoa que já não tem vida, em uma construção social que diz o tempo todo "Aqui você não é bem-vinda" como uma abertura para o suicídio. "O suicídio aparece como pontuação final para quem não tem vida".
A transfobia muitas vezes "empurra" para o suicídio.

A professora Fernanda Marquetti trouxe sua visão do suicídio como ato transgressor, neste sentido tão próximo da questão trans/homossexual. "Para mim, o suicídio é uma forma de comunicação. O suicídio trans comunica que as intolerâncias sexuais e de gênero são significativas. A violência simbólica e concreta a que é submetida a população trans pode ser respondida com outra manifestação simbólica e violenta como um suicídio".

O professor William S. Peres destaca que é preciso falar em respeito, e não em tolerância. "Os processos de suicídio parecem ser construídos nos percursos de algumas vidas, cercadas pelo sentimento de não pertença, de culpa e de rebaixamento de autoestima, pelo cerceamento de direitos".

O jornalista Neto Lucon falou acerca do suicídio na mídia, dos cuidados que a imprensa traz quando há uma notícia deste tipo e também apresentou alguns casos de suicídios de trans que mobilizaram as pessoas.

Uma das falas de uma destas trans, que posteriormente se matou:

"Como desistir de quem você é?
Isso não significa a própria morte?
E quantas vezes nós morremos esse mês?"

Destaco que o Neto comentou que estas mortes trazem, entre outras repercussões na população trans, o relato de tentativas e a curiosidade de saber como foi o enterro ... na lápide estava escrito o nome de batismo ou o nome social de quem morreu? Fiquei pensando se para algumas pessoas esta parece ser a única forma de legitimar seu nome, de ver respeitada sua identidade de gênero ... oferecendo sua própria vida? 

E todas estas questões falam a respeito de que é preciso criar políticas públicas que respeitem o direito à uma vida digna a todas as pessoas...


"Não é pedir tanto que a gente queira viver como as outras pessoas ... sendo tratadas e tratados como gente ..."   

Finalizando, deixo aqui o bilhete de Leelah Alcorn, uma garota trans de 17 anos que buscou o suicídio em dezembro de 2014, deixando o seguinte bilhete:

"Se você está lendo isso, quer dizer que eu cometi suicídio e obviamente não consegui apagar esse post da minha fila de publicação.

Por favor não fique triste, é para o bem. A vida que eu teria vivido não valia a pena ser vivida… porque eu sou transgênero. Eu poderia entrar nos detalhes para explicar por que eu sinto isso, mas essa mensagem provavelmente já vai ser bem comprida sem isso. Para dizer de forma simples, eu sinto que sou uma garota aprisionada no corpo de um garoto, e eu sinto isso desde que tinha 4 anos. Eu nunca soube que havia um nome para essa sensação, nem que era possível para um garoto se tornar uma garota, então nunca contei isso para ninguém e continuei a simplesmente fazer coisas tradicionalmente “de moleque” para tentar me encaixar.

Quando eu tinha 14 anos, eu aprendi o que queria dizer transgênero e chorei de alegria. Depois de 10 anos de confusão, eu finalmente compreendi quem eu era. Eu imediatamente contei par aminha mãe, e ela reagiu de forma extremamente negativa, me dizendo que isso era uma fase, que eu nunca seria realmente uma garota, que Deus não comete erros, que eu estava errada. Se vocês estiverem lendo isso, pais, por favor não digam isso para seus filhos. Mesmo se você for cristão ou contra pessoas transgênero não diga isso jamais para alguém, especialmente seu filho. Isso não vai realizar nada além de fazê-lo odiar a si mesmo. Foi exatamente isso que aconteceu comigo.

Minha mãe começou a me levar para um terapeuta, mas só me levava para terapeutas cristãos (todos eles muito preconceituosos), então eu nunca tive a terapia que eu realmente precisava para me curar de minha depressão. Eu só tive mais cristãos  me dizendo que eu era egoísta e estava enganada e deveria buscar ajuda em Deus.

Quando eu fiz 16 anos eu percebi que meus pais nunca mudariam de ideia, e que eu teria que esperar até fazer 18 anos para começar qualquer tipo de tratamento de transição, o que partiu completamente meu coração. Quanto mais você espera, mais difícil é fazer a transição. Eu me sentia sem esperança, sentia que eu ia passar o resto da vida parecendo ser um homem fantasiado de mulher. No meu aniversário de 16 anos, quando eu não recebi a permissão de meus pais para começar a fazer transição, eu chorei até dormir.

Eu passei a ter uma atitude de “foda-se” com relação aos meus pais e me declarei gay na escola, achando que talvez se eu fizesse uma passagem gradual até me declarar trans o choque seria menor. Apesar da reação dos meus aigos ter sido positiva, meus pais ficaram putos. Eles resolveram que eu estava atacando sua imagem, e que eu era um constrangimento para eles. Eles queriam que eu fosse seu garotinho cristão perfeito, e obviamente isso não era o que eu queria.

Então eles me tiraram da escola pública, esconderam meu laptop e meu celular, e me proibiram de entrar em qualquer tipo de mídia social, me isolando completamente dos meus amigos. Provavelmente essa foi a fase da minha vida em que eu fiquei mais deprimida, e estou surpresa que eu não me matei. Eu fiquei completamente sozinha por 5 meses. Nada de amigos, nada de apoio, nada de amor. Apenas a frustração dos meus pais e a cruedade da solidão.

No final do ano escolar, meus pais finalmente mudaram de ideia e devolveram meu celular e permitiram que eu retornasse às mídias sociais. Eu fiquei feliz, finalmente eu tinha meus amigos de volta. Eles ficaram extremamente felizes de me ver e conversar comigo, mas só no começo. Depois de um tempo eles perceberam que estavam cagando e andando para mim, e eu me senti ainda mais sozinha que antes. Os únicos amigos que eu pensava que tinha só gostavam de mim porque me encontravam cinco vezes por semana.

Depois de um verão quase sem amigos além do peso de ter que pensar sobre a faculdade, economizar dinheiro para sair de casa, manter minhas notas altas, ir para a igreja toda semana e me sentir uma merda porque todos lá são contra tudo pelo que eu vivo, eu decidi que já deu. Eu nunca vou conseguir fazer uma transição bem-sucedida, mesmo quando eu sair da casa dos meus pais. Eu nunca serei feliz com a minha aparência ou a maneira como eu vou soar. Eu nunca vou ter amigos o suficiente para ficar satisfeita. Eu nunca vou ter amor o suficiente para ficar satisfeita. Eu nunca vou encontrar um homem que me ame. Eu nunca vou ser feliz. Ou eu vivo o resto da minha vida como um homem solitário que gostaria de ser uma mulher, ou eu vivo minha vida como uma mulher ainda mais solitária que odeia a si mesma.  Não há como ganhar. Não há saída. Eu já estou triste o bastante, eu não preciso que minha vida fique ainda pior. As pessoas dizem que “a vida melhora” mas isso não é verdade no meu caso. A vida piora. A cada dia ela piora.

Essencialmente, é isso, essa é a razão porque eu quero me matar. Desculpe se essa não for uma razão boa o suficiente para você, é boa o suficiente para mim. Quanto ao meu testamento, eu quero que 100% das coisas que eu possuo legalmente sejam vendidas e que o dinheiro (mais o dinheiro que eu tenho no banco) seja doado para movimentos e grupos de apoio aos direitos civis trans, caguei para qual. A única maneira de eu descansar em paz é se um dia pessoas transgênero não forem tratadas como eu fui, sejam tratadas como humanos, com sentimentos válidos e direitos humanos. Gênero precisa ser ensinado nas escolas, quanto mais cedo, melhor. Minha morte precisa ter algum significado. Minha morte precisa ser contabilizada nas estatísticas de pessoas transgênero que cometem suicídio nesse ano. Eu quero que alguém veja essa estatística e pense “isso é uma merda” e dê um jeito nisso. Dê um jeito na sociedade. Por favor.

Adeus


(Leelah) Josh Alcorn
http://ladobi.uol.com.br/2015/01/leelah-alcorn/

Para  que as pessoas não precisem mais morrer para serem ouvidas.


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